sábado, agosto 08, 2020

Lucidez terminal – uma luz no fim do túnel?

 

Com a proximidade do Dia dos Pais (no Brasil), lembrei-me do meu, de sua vida e de sua morte.

Meu pai morreu em 1979, após ter passado por um processo neurodegenerativo que durou aproximadamente dez anos. Tal como na Doença de Alzheimer, ele foi perdendo a memória, evoluiu com alguma dificuldade na linguagem – não muito evidente porque ficava a maior parte do tempo calado, quieto no seu canto –, foi progressivamente perdendo habilidades e, finalmente, ficou acamado, completamente dependente de cuidados. Curiosamente, sempre manteve o controle emocional e a polidez, sempre agradecia a quem o ajudava. A causa imediata da morte foi insuficiência respiratória devido a pneumonia por aspiração.

No início, antes mesmo de passar por bateladas de exames e por vários especialistas, ele, que era um excelente médico, percebeu qual era o mal que estava se apoderando dele; não deu um nome à patologia, mas nos explicou que era muito triste, porque fazia o doente perder a inteligência. Seus esquecimentos iniciais eram típicos, nada parecidos com os que temos no dia a dia. Ele teve o insight de que estava doente.

Faço parênteses, aqui. Só quem já acompanhou de perto um caso assim, em casa, pode saber e tranquilizar quem porventura tenha receios por seus esquecimentos. Os objetos de esquecimentos podem ser banais mas não como ocorrem os esquecimentos.

Os médicos que o examinaram concluíram que se tratava de “Arteriosclerose” – naquela época, ainda não se falava em Doença de Alzheimer após os 60-65 anos de idade, o diagnóstico só era considerado antes dessa faixa etária.

Nos seus últimos tempos de vida, papai já não reconhecia ninguém. Hospitalizado, com pneumonia, permanecia semi-comatoso, não tinha forças mais nem para tossir, necessitando de fisioterapia respiratória, sondas, aspiradores, etc, além da antibioticoterapia.

Certo dia, o médico responsável nos avisou que ele tinha piorado muito, não havia mais esperanças. Ele poderia morrer a qualquer momento. Apressamo-nos a chamar um padre para a extrema-unção, avisamos seus irmãos, seus primos mais próximos e amigos que, se quisessem se despedir dele, tinha chegado a hora.

Veio o padre. Tivemos a impressão de que ele tinha interagido com os olhos, mas ficamos na dúvida. Mais tarde, começaram a chegar seus irmãos e irmãs, alguns primos – eles eram numerosos. Pois, acreditem, ele os reconheceu e conversou com eles, muito debilitado, mas sorridente. Quis até se aprumar um pouco; subimos mais a cabeceira da cama, ele ficou quase sentado. E nos reconhecia, todos! Havia anos não o víamos daquele jeito. Ficamos perplexos e, como costuma acontecer, pensamos que o médico, talvez, tivesse se enganado. Mas não, ele não estava errado. Cansadíssimo, após as visitas, meu pai adormeceu e não mais acordou. Faleceu no dia seguinte, durante uma pequena intervenção para colocação de um cateter.

Este fenômeno não é raro; antigamente, era chamado, informalmente, de “visita da saúde”. Hoje em dia, adquiriu uma denominação com ares mais científicos – lucidez terminal ou lucidez paradoxal. Vi vários casos semelhantes na minha experiência em Oncologia. Pacientes já em deterioração da consciência, recuperavam-na por alguns momentos, às vésperas da morte.

A ciência ainda não compreende o que acontece. Li um artigo interessante dizendo que a perda das capacidades cognitivas, considerada um processo irreversível, não o é, já que muitos apresentam essa lucidez surpreendente, antes de morrer. O fenômeno nos indica que existe um "caminho" que os neurônios usam naqueles momentos, restituindo aquilo que se julgava completamente perdido.

É preciso descobrir que caminho é esse, para explorá-lo e achar meios de ativá-lo. Talvez, assim, conseguíssemos ver uma luz no fim do túnel, em vez de deixar esses pacientes completamente entregues aos cuidados paliativos; quem sabe, colocá-los conectados a aparelhos que pudessem dar uma ideia do que se passa, ficar de tocaia, à espera da “visita da saúde”.

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Links relacionados:

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Lucidité terminale

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 Yvon Rodrigues Vieira (Wikipédia)

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