sexta-feira, julho 22, 2016

Caos civilizatório


(Barrabás nunca mais)


O Brasil que sonhava ser o futuro lindo e saudável do mundo, sem corrupção, sem violência, sem desigualdades. Aquele Brasil que acreditava não ser racista, onde todos pareciam alegres. O que foi feito disso?
Claro que a pobreza e a precariedade na educação do povo foram fatores que não ajudaram ao desenvolvimento. Porém, penso que há algo mais drástico que se acrescentou, diria mesmo que foi planejado. Alguma coisa foi semeada, brotou, cresceu e se multiplicou. Essas sementes estavam podres, não deram bons frutos. O país, que prometia ser um esplendor tropical, se transformou nessa calamidade, nessa cultura da podridão em vida, da morte antes da morte. Nosso futuro foi abortado.
Poderia fazer uma lista de fatores causais que, como numa reação em cadeia, contribuíram para esta catástrofe em que se transformou o nosso país. Mas vou citar somente dois que considero os mais significantes, na origem do agravamento de nossos problemas.

Em primeiro lugar, vou falar sobre o papel da igreja, que exercia uma influência enorme na população do Brasil. A ala dita progressista da igreja católica se aproveitou disso e usurpou o axioma do amor ao próximo, politizou esse amor, contaminando-o com a semente podre do ódio ao irmão mais aquinhoado. E, sorrateiramente,  disseminou esta mensagem equivocada em comunidades, por todo o território nacional. Ódio gera ódio, violência gera violência... 
A impressão que tenho dessa ala da igreja é que ela, exatamente como aquelas pessoas que estavam diante de Pilatos, optou por Barrabás (pelo que Barrabás representava); não por Jesus. Nem todos, claro, nem todos.
Barrabás era um rebelde contra o governo romano opressor. Ele participava de motins, de atos de violência (Marcos 15: “7 E havia um chamado Barrabás, que, preso com outros amotinadores, tinha num motim cometido uma morte.”). Isso não se parece com o amor ao próximo que Jesus pregou que, se fosse seguido de verdade, coisa que nós não fazemos, redundaria num mundo completamente diferente e que não passa por revoluções ou motins.
Compreendo que havia, na época do florescimento desta ala da igreja, nos anos 1960, um encantamento com as lições de Karl Marx, por parte de alguns grupos de intelectuais. Mas usar a igreja para disseminar argumentos diametralmente opostos a ela foi um golpe baixo; eles sabiam que a população era majoritária e candidamente católica; pois visaram bem o alvo, isso trucidou com a fé do povo e com os ensinamentos católicos que davam sustento ao convívio pacífico entre cidadãos, num país praticamente sem experiência histórica, há pouco mais de meio século (isso é muito pouco tempo) saído das profundezas do primitivismo da escravatura. Atropelaram tudo. Para a população menos favorecida, roubar-lhe a fé representou só mais uma perda, sem ganho nenhum em troca, sequer na escalada civilizatória. Deu no que deu.
Acho que se pode tentar acelerar etapas na evolução de uma sociedade, por meio da educação. Saltá-las, porém, forçar o caminho do povo por atalhos impostos por grupos de elite intelectual, não dá certo... não deu. Resultou em aberrações gigantescas, continentais. A população tem que ser a protagonista do seu processo evolutivo, não pode receber a coisa como uma fantasia de carnaval imposta a ela como se fosse um novo corpo em que a sua alma deverá habitar.
Diga-se de passagem, a ala conservadora desta mesma igreja não ajudou em quase nada (nem todos, claro, nem todos), com suas atitudes bitoladas e retrógradas, omitindo (ou talvez mesmo ignorando) a verdade verdadeiramente libertadora que propõe a doutrina, sem pieguismos. Vê-se que a omissão é mesmo um dos piores erros que se pode cometer.
Em segundo lugar, a importação do tráfico de drogas e a permissividade com a qual foram tratadas, pelas autoridades e pela sociedade, a instalação e a progressão dessa situação de crime foram o outro fator crucial para chegarmos ao ponto em que chegamos hoje. Foi um campo fértil para dar ilusões à população que se lançou nessa atividade do tráfico, com poderes paralelos que, grosso modo, mimetizaram outros poderes estabelecidos, sem levar, no entanto, a nenhum tipo de ascensão social.
Tudo isso coroado com a tradicional aliança entre corrupção e impunidade generalizada, eis aí a receita de uma bomba das mais explosivas.
Nunca é tarde, porém, para que as pessoas que se envolveram nesse tipo de atividade enxerguem que também caíram num círculo vicioso que não leva a nada além de momentâneos e infrutíferos gozos de poder.
Atualmente, além dos males de nossa própria história, estamos a assimilar outros que assolam o planeta. Um deles, que seria inadmissível num país onde a miscigenação entre povos impera, é o racismo. Não quero dizer que não havia antes. Mas piorou muito, hoje em dia. Quanto mais estudos genéticos provam que a maioria dos brasileiros tem ancestrais índios, negros e brancos, mais o racismo fica acirrado. O que é isso? A diversidade em nossa ancestralidade é vantagem, é abundância! A ciência confirma isso. Vamos deixar de ser ridículos ao ponto de negarmos nossos próprios valores!
            Estou vendo todo esse caos como um grande retrocesso no convívio humano. Não adianta sairmos da crise econômica em que o Brasil foi atolado pelos governos dos últimos anos, se não tentarmos construir a reconciliação entre os compatriotas, passando pela melhoria da educação e das condições básicas de vida de todos os brasileiros. Se o povo tiver pelo menos isso a seu favor, poderá pensar e agir com mais sabedoria, fazendo suas próprias escolhas em paz. A revelação do grande volume de dinheiro envolvido em corrupção nos mostrou que o país seria capaz de mudar a vida de todo mundo, se não houvesse corrupção.  
            Um saldo positivo que se pode tirar dessa crise é a conscientização crescente da população. Se os representantes que elegemos não nos representam, temos que continuar botando a boca no mundo. Vamos continuar fazendo pressão para que a situação melhore. Vamos dar o exemplo, tentando nos dar as mãos, gente de todas as comunidades. Vamos parar de nos massacrar entre nós. Vamos ser solidários uns com os outros. Assim, nós nos sentiremos mais fortes para exigir honestidade e desenvolvimento em todos os níveis.

terça-feira, julho 19, 2016

Recrudescimento do racismo?

A Redenção de Cam (Modesto Brocos 1895)
Obra em domínio público

 Quem vê cara não vê DNA [1]


Será que está havendo um recrudescimento do racismo contra os negros no mundo? Tantos relatos de ofensas por toda parte, agora os assassinatos nos Estados Unidos. E no Brasil? Estatísticas mostram que mais negros, ou mestiços, são assassinados todos os dias. Já fizeram uma estatística para saber a cor da pele dos que mais cometem assassinatos no Brasil? Acho que o problema é mais complexo.
Estou com a impressão de que não há esse pretendido racismo contra os negros no Brasil. Talvez, justamente pelo fato de ser brasileira e saber que somos na grande maioria miscigenados, eu não queira admitir que somos racistas, sei lá.
Li alguns resultados de pesquisas feitas sobre o assunto e, na maioria delas, chega-se à conclusão de que o preconceito do brasileiro se manifesta mais diante de uma situação de desigualdade socioeconômica do que pela cor da pele. Curiosamente, os autores sempre acrescentam comentários na conclusão dos trabalhos, se recriminando por, talvez, terem cometido algum erro de metodologia, alguma falha no tipo de pergunta formulada às pessoas. Como se os autores não pudessem acreditar que não possa haver racismo, como se quisessem que os resultados provassem que ele existe.
Creio que falta nessas análises, possivelmente, uma visão mais ampla. Só o fato de ter havido tanta miscigenação já é um indício de que o termo certo não é racismo. Ainda no tempo da escravidão, penso que podemos falar em abuso de poder, em arrogância e autoritarismo, em estupros e outras crueldades, num cenário que se assemelha mais ao comportamento humano típico do dominador que subjuga um povo dominado, em situação de inferioridade de poder. Mas isso é racismo? Na história da humanidade, houve brancos escravos de brancos. Mesmo na África, havia negros escravos de outros negros.
Após a abolição da escravatura no Brasil, uma multidão de negros foi posta em liberdade, sem emprego e sem teto, sem nenhum programa governamental de ajuda. Muitos continuaram serviçais, nas casas dos seus senhores, por falta de opção, outros tantos foram deixados ao “Deus dará”. É por isso que, até hoje, há maior número de negros nas classes mais pobres.
A população aumentou, ser desvalido deixou de ser “privilégio” dos negros, e o interesse em criar soluções para o problema da enorme e crescente desigualdade social jamais existiu. Vemos isso ainda atualmente, os governos não movem uma palha para melhorar a situação, os governantes e políticos limitam-se a inventar meios de dar esmolas aos pobres e a fazer promessas vãs, quando o voto do povo lhes interessa. Continua sendo, atualmente, uma relação de dominador e dominado. Não houve muita evolução nesse ponto.
A índole dominadora no Brasil é surpreendentemente forte, carregada de paternalismo e populismo que, no fim das contas, perpetua o “establishment”. Vimos isso claramente nos governos dos últimos treze anos, com um partido que se propunha socialista e voltado ao interesse do trabalhador, mas que acabou usando métodos selvagens, ferozmente indignos, para se manter no poder, roubando o que a nação angariou com o trabalho de toda a população ativa, sem retornar nenhum serviço, e empobrecendo esta população, para mantê-la sob seu jugo.
Acho que racismo é outra coisa e vou explicar por que razão penso assim. Vivi durante 44 anos no Brasil e, no momento em que escrevo este texto, tenho 17 anos vividos numa pequena cidade do interior do Canadá, inserida em uma família tipicamente canadense, mais especificamente, de origem francesa – “pure laine” – como se autodenominam os quebequenses. Além do contato com a família do meu marido, tenho amizades e conhecimentos no coração do país. Trabalhei durante anos em empregos onde tive contato com o público em geral. Quero crer que, com isso, aprendi um bom bocado sobre os pensamentos e costumes dessa população, e sobre o que eu chamaria de verdadeiro racismo, depurado pela civilidade.
Aqui, não há favelas. Só com isso já elimina-se a possibilidade de qualquer um viver em condições precárias, sem saneamento básico. Isso não existe aqui. Rarissimamente, vemos um negro na nossa região. Os negros são muito menos numerosos do que a população branca e a população indígena do país. São bem mais recentes na história também e se encontram concentrados em cidades grandes. Eles têm a mesma chance de estudar que os outros. Pode ser que não tenham as mesmas chances no mercado de trabalho, isso não posso dizer, teria que pesquisar sobre o tema. Mas não fazem parte de nenhum grupo populacional cujo trabalho tenha sido ou seja explorado mais do que outros.
Salta aos olhos o fato de que praticamente não houve e não há miscigenação. Não há aproximação sequer em nível de amizade. Parece não haver magnetismo algum... nem de um lado, nem do outro. Com exceções, claro. Uma família de brancos pode ter a mesma posição social de uma família de negros e eles não se integram, não fazem amálgama. Há, no entanto, cordialidade e respeito mútuos, não há a animosidade que temos visto recrudescer nos Estados Unidos. Eu diria que aqui existe um racismo civilizado, se podemos dizer isso, na medida em que não prejudica o outro no seu desenvolvimento. Se há um certo sentimento de concorrência, eu poderia afirmar que não é direcionado especificamente aos negros, mas a todos os imigrantes mais recentes, como se estivessem tirando empregos que poderiam ser ocupados pela população local.
Abro parênteses: em grandes cidades, como Montreal por exemplo, ocorre um fenômeno interessante nas universidades: os estudantes de origem estrangeira, que são muito numerosos e em elevado “turnover”, formam grupos de amigos mais facilmente, sejam de que etnia forem. Parece que encontram uma cumplicidade no ponto em comum de serem estrangeiros, para se ajudarem mutuamente na sobrevivência em terra estranha. Isso também parece ocorrer entre imigrantes, de um modo geral. Então, ver grupos de jovens amigos de várias etnias em Montreal não é representativo da índole do local. Fecho parênteses.
Isso tudo que se vê por esse mundo afora é muito diferente do que tivemos na história do Brasil. No entanto, tenho visto muitos relatos, nas redes sociais, de comportamentos racistas que não existiam antigamente. Acho que esses comportamentos estão sendo importados. É preciso muito cuidado para não se deixar contaminar. O problema no Brasil é fundamentalmente de desigualdade socioeconômica, não se pode perder o foco e deixar o convívio pacífico degringolar. Todos precisam lutar juntos, para corrigir o erro onde ele realmente está. Já basta de tanto caos.
Entre tantas questões que afligem o Brasil, não podemos também nos esquecer dos indígenas, considerados praticamente extintos, mas que estão tão presentes no DNA de nossas mitocôndrias, nos traços de nossos rostos, no bronzeado de nossas peles, atribuído, muitas vezes, aos negros. Estão assimilados nas nossas misérias, nas nossas mazelas. Hoje, ao vermos os índios em comunidades isoladas da nossa civilização, não os identificamos como irmãos. Estes, sim, são os mais desvalidos da nossa história. Como reparar este erro?

segunda-feira, julho 18, 2016

Pelo sim, pelo não


Version en français


Não nos intimidemos, pois toda teoria, ideologia, filosofia, ia... ia... ia... dos humanos é elaborada e trata, exclusivamente, do que está ao alcance de todos, com a matéria e a energia de que dispomos na aparelhagem que forma nossos sentidos e que nos permite processar, dentro da nossa cachola, os dados aos quais temos acesso. Sem esquecer da intuição, esta matéria reconhecida mas desconhecida em toda a sua complexidade, nos reservando o potencial daquilo que ainda se encontra no campo da incognoscibilidade.

Se não temos embasamento à altura para compreender, melhor não concordar nem discordar... e melhor ainda é pesquisar sobre o tema, se quisermos tomar alguma posição.
Aulas de professores brilhantes, explanações escritas de filosofias e teorias são, para alguns, motivo de enlevo, levando ao risco de engajamento incondicional. Não é raro que isso aconteça. Mas esses pensamentos organizados e alinhados de forma a tentar compreender alguma coisa, ou com a finalidade de atingir algum objetivo, deveriam sempre ser encarados com um certo grau de contestação.
É importante estudar o legado dos filósofos e outros afins, sem dúvida. Além do aprendizado de como evoluiu e evolui o pensamento humano, é um modo de exercitar e provocar nossos próprios neurônios. Com o cabedal adquirido com essa aprendizagem, podemos alcançar novas proposições.
Mas se aceitamos o que lemos ou o que ouvimos como ponto fundamental e indiscutível, sem nos armarmos de uma certa oposição, corremos o risco de ficar à mercê de influências que passam a dominar nosso modo de pensar e compreender.
Pelo sim, pelo não, melhor desconfiar.