domingo, abril 29, 2018

Somos todos iguais


Lá pelos idos da década de 1980, uma conhecida estava namorando um norte-americano e ele foi morar com ela em Belo Horizonte – depois, penso que se casaram e se mudaram para os Estados Unidos, perdemos o contato.
O rapaz americano fez uma observação interessante, no mínimo engraçada. Reparando os transeuntes no Centro de BH, ele achava que todos tinham a mesma cara, o mesmo visual, em suma, ele disse que éramos todos iguais. Finalmente, concluímos que ele tinha razão, sobretudo do seu ponto de vista, comparando com a aparência dele. Sua impressão devia ser semelhante à que temos quando vamos a um lugar onde há muitos japoneses ou chineses – achamos todos parecidos, não é? Embora os próprios envolvidos se distingam muito bem.
Há um fundo de verdade nisso tudo, fui pensar nessa observação mais tarde. Além da língua pátria, temos um não sei quê na fisionomia pelo qual identifico nossa brasilidade, seja a pessoa branca, negra ou parda. Façam o teste num aeroporto internacional, ou num outro país, em meio a turistas – observem e verão que a chance de acertar se alguém é brasileiro ou não, mesmo sem ouvi-lo falando, é grande. Na primeira oportunidade que a pessoa falar, verão se acertaram ou não. Já fiz esse teste muitas vezes. Não calculei, exatamente, qual é minha porcentagem de acerto, mas penso que tenho um bom olho clínico – ou, então, já existe um padrão de etnia brasileira independente.
Por estes dias, vendo, nas notícias, as fotos dos indígenas acampados em Brasília, constatei muita semelhança dos índios brasileiros com o povo do país em geral, apesar de haver variações no padrão de distribuição e no tipo dos pelos na população do Brasil, denotando a presença do branco e do negro também representados. Sempre achei que havia essa semelhança e, vendo as fotos, achei de novo.
É inegável que a miscigenação no Brasil foi generalizada entre brancos, negros e índios. Os estudos genéticos já provaram isso. E, dependendo da região do país, o componente indígena na formação do povo chega a estar mais presente que o negro, embora em menor escala no cômputo geral. Os resultados no país como um todo mostram a contribuição dos três grupos, sendo o branco em maior incidência, seguido do negro e, por último, do indígena. 
http://labs.icb.ufmg.br/lbem/pdf/retrato.pdf
http://www1.folha.uol.com.br/fsp/ciencia/fe1802201101.htm  
http://journals.plos.org/plosone/article?id=10.1371/journal.pone.0017063
Os índios são os mais “esquecidos”, hoje em dia. No entanto, além da grande participação genômica, basta ver a vasta presença deles na língua portuguesa falada e escrita no Brasil e na toponímia, para confirmarmos que a sua contribuição para a formação do país não é negligenciável, muito pelo contrário.

quinta-feira, abril 05, 2018

Compaixão e dignidade


A vida inteira que podia ter sido e que não foi.” Manuel Bandeira

Seguindo a minha linha de raciocínio, deveria estar satisfeita com a condenação e denegação do Habeas Corpus preventivo pedido pela defesa do Lula. Mas confesso que não estou sentindo uma alegria completa, apesar de concordar que a Justiça agiu corretamente. Algo parecido com compaixão despontou no meu coração.
Creio que esse sentimento inesperado que brotou em mim é uma certa empatia para com o povo que depositou confiança nele, um dia, e que foi traído. Muitos sequer se dão conta dessa traição, afeiçoaram-se a ele, estão tristes porque foi condenado e vai ser preso – se for. Por migalhas de alegria, rasos e efêmeros degraus galgados no consumismo, tiveram a ilusão de estarem felizes, como havia sido prometido. No entanto, muitas de suas promessas não se realizaram, sequer foram feitas tentativas – e não foi por falta de tempo, ele esteve muitos anos no poder. Mais tarde, soube-se que Lula reservara as grandes somas de dinheiro para as transações medonhas com poderosos de todas as cepas, inviabilizando um futuro são e promissor para aqueles que tinham sido aparentemente beneficiados.
Eu mesma acreditei que o país poderia mudar e, provavelmente, teria votado no Lula em 2002, não estivesse passando uma temporada justamente no Brasil, muito longe da minha zona eleitoral, no país onde moro. Mas considero que votei, pois o teria feito se as circunstâncias geográficas não me tivessem impedido. Muita gente, como eu, acreditou. Que pena que ele perdeu essa chance.
O que estou sentindo pode ser nostalgia do “que poderia ter sido e que não foi” – treze... treze... treze. Não era para ser feliz? – Não, a única coisa a fazer, agora, é tocar o bonde.
Pausa: estava pensativa, escrevendo este texto, quando fui interrompida pela notícia do mandado de prisão do ex-presidente.
Interessante, estava justamente imaginando as condições da cadeia para o Lula – que o Juiz Moro já havia assegurado, no programa Roda Viva, que seriam com a devida atenção ao cargo ocupado pelo condenado, com todas as medidas para garantir sua integridade – quando saiu o despacho para decretar a prisão, mencionando as condições especiais que serão dadas a ele, por ter sido presidente. Lula fica devendo mais essa à população.
Muita gente devia estar preocupada – até o próprio condenado – como seriam essas condições, porque ele não tem curso superior e, no Brasil, existe esta aberração que favorece, ou melhor, que desfavorece os que não fizeram universidade. Tanta coisa tem que ser mudada no Brasil...
Assim como não deve haver diferença de tratamento nos julgamentos, nas condenações – pois todos são iguais perante a lei –, também nas cadeias não deveria haver desigualdade de tratamento para quem estudou ou não. E, convenhamos, as condições carcerárias deveriam ser melhoradas de um modo geral. Não consta da sentença proferida pelos juízes, obviamente, que os condenados sejam submetidos a situações degradantes, que ferem a dignidade do ser humano. A precariedade das instalações dos presídios no Brasil é uma crueldade que se equipara a muitos crimes pelos quais réus são sentenciados. Este é mais um item a incluir nas melhorias que o Brasil precisa implantar sem demora.
Chega, por hoje.

segunda-feira, abril 02, 2018

Ce n’était pas Batman

Versão em português
Suite à la réapparition de la fièvre jaune au Brésil, avec des taux élevés de mortalité et aussi les surprenants cas dont le système immunitaire ne répond pas au vaccin contre le virus – heureusement peu nombreux –, l'utilisation de produits anti-moustiques et de moustiquaires s'est avérée indispensable. Malheureusement, les moustiquaires ne sont pas très appréciées par les Brésiliens. Plusieurs se plaignent que le matériel et l'installation sont très chers, mais s'ils avaient commencé à les poser sur une fenêtre à la fois, depuis le début des épidémies de dengue, toutes les fenêtres et les portes du pays en seraient déjà garnies.  J'ai entendu dire qu'il y a des condos qui ne permettent pas l'installation pour ne pas défigurer les façades des bâtiments. Il y a aussi ceux qui prétendent que la moustiquaire rend le passage du vent difficile, empêchant le soulagement de la chaleur accablante de l'été. Je n'ai pas de mots pour ça !
Pour les moins fortunés, je crois que la protection devrait être fournie par l'État.
Souvent, nous ne nous apercevons pas que le contexte dans lequel nous vivons est arrêté dans le temps et qu'il y en aurait place à l'amélioration. Moi-même, je n'ai jamais remis en question ce manque, avant que les épidémies urbaines de maladies transmises par les moustiques ne commencent et avant que je rencontre mon Québécois.
Nous avions, chez nous au Brésil, des moustiquaires sur les lits. Pour moi, c'était vraiment un tourment de passer la nuit à entendre le bourdonnement des insectes autour de cet attirail, en essayant de trouver une brèche pour entrer. Je ne m'endormais qu'après des heures d'épuisement. Il y avait aussi des gadgets électriques qui dégageaient une substance répulsive, mais nous craignions que cela ne soit nocif, avec une utilisation prolongée – moi, je préférais prendre ce risque.
C'est alors que j'ai rencontré mon Québécois sur Internet – cette histoire fait couler beaucoup d'encre 😉 – et il était étonné de savoir que nous n'avions pas de moustiquaires sur toutes les portes et fenêtres. Ici au Canada, tous les bâtiments en ont. C'était un autre avantage de l'avoir rencontré, je me suis dépêchée de poser des moustiquaires sur toutes les fenêtres et aussi sur les portes extérieures, avant qu'il nous rende visite. Ma mère fut la plus grande bénéficiée, elle est passée indemne de toutes les épidémies de dengue et d'autres, au cours de ses dernières années de vie, ayant atteint presque l'âge de 100 ans, sans danger.
Mais pas seulement les maisons du Brésil qui n'ont pas de moustiquaire. Les hôpitaux non plus ! Au moins, ils n'en avaient pas (seulement les salles d’opération, les unités de soins intensifs et certains départements spécifiques étaient protégés). Ce fut l'une des premières observations faites par mon mari, lors de sa visite à l'hôpital où je travaillais, en 1998. Il a trouvé que c'était une beauté d'avoir des portes et fenêtres ouvertes, des jardins intérieurs avec le charme de l'aménagement paysager. Mais il a tout de suite interrogé sur les insectes... et il n'a aucune formation spécialisée dans le domaine biomédical ! De toute évidence, c'est un manque de jugement de notre part.
Pas seulement les insectes qui profitent du droit d'entrer librement. Des animaux beaucoup plus grands font aussi leurs incursions, à la crainte de certains, parmi eux, moi-même.
Il était une fois une femme médecin qui était de garde dans l'hôpital et a été appelée le soir, pour voir un patient. Oui, c'était moi. J'ai examiné le patient dans sa chambre, puis je suis allée au poste de garde pour donner les directives à l'infirmière qui était là. À une extrémité du long comptoir, j'ai commencé à prescrire et à remplir des formulaires pour les tests que le patient devrait subir. À l'autre bout, l'infirmière était assise à côté du comptoir, en attendant la paperasse que je produisais.
L'hôpital avait des jardins intérieurs qui donnaient passage à d'autres ailes et départements. Il faisait très chaud. La porte du jardin attenant était ouverte, de même que la fenêtre de la pièce. Une brise nocturne circulait, agréablement, et atténuait la chaleur et les odeurs pharmaco-hospitalières.
Soudain, quelque chose de plus dense que la brise entre par la porte, en bruissant dans l'air – vuf, vuf. La pièce n'était pas grande, en un instant le monstre ailé est passé au-dessus de ma tête. Il ne m'a pas touché, mais j'ai ressenti le déplacement de l'air très proche et j'ai vu l'ombre de l'animal sur le comptoir où j'écrivais. Immédiatement, j'ai su que c'était une chauve-souris – et ce n'était pas Batman.
J'ai été prise par une peur incontrôlable. J'ai réussi, à peine, à réprimer mes cris, qui sortaient comme des gémissements étouffés. Déboussolée, je suis allée vers l'infirmière, je me suis accroupie à côté d'elle, en me rétrécissant le plus que je pouvais, presque en position fœtale, et j'ai protégé ma tête avec mes mains. Et, encore plus vexatoire, je crois que j'ai appuyé ma tête sur ses genoux ma mémoire essaye d'effacer cette partie, mais je crains que ce soit vrai 😳. L'infirmière est restée imperturbable, peut-être paralysée par ma réaction une médecin qui est venu en aide à un patient et paniquée à cause d'une chauve-souris.
À ce moment-là, nous ne savions plus où était l'animal. J'ai retourné à ma chaise rapidement, très gênée, en essayant de retrouver ma dignité... 😏. Pour compléter la scène, un jeune homme en uniforme du secteur d'entretien arrive, avec un énorme filet semblable à celui pour attraper des papillons et avec un long câble. Il a vérifié partout mais n'a pas trouvé la chauve-souris. Peut-être, était-elle sortie par où elle était entrée, ou pire, s'était dirigée vers d'autres pièces de l'hôpital.
Tout cela est très grotesque ! L'hôpital n'est pas un endroit pour chauve-souris! Pas non plus pour des moustiques qui transmettent des maladies, pas pour les moustiques point. Et je laisse d'autres cas "poilus" pour une autre fois...
Chaque fois que je me souviens de cet épisode, je me souviens aussi d'un autre, que l'humoriste brésilien Jô Soares a raconté sur Max Nunes, producteur de son émission et autrefois médecin, terrifié par les papillons de nuit. Selon l'artiste, il a passé une nuit entière dans la chambre d'un patient, car chaque fois qu'il ouvrait la porte pour partir, il y avait un papillon de nuit qui volait au couloir. Le patient n'a jamais eu un médecin aussi dévoué ! C'est très drôle l'écouter à raconter ce cas. Bon, au moins je suis en bonne compagnie dans mes peurs...😟
Mais, s'il vous plaît, posez des moustiquaires si vous voulez laisser entrer de l'air !
Pour compléter:
Je n'ai pas trouvé la vidéo où Jô Soares raconte l'histoire, mais j'ai trouvé une avec la fille de Max Nunes, également dans une émission de Jô (en portugais):

domingo, abril 01, 2018

Cultural appropriation: poutine and samba

Version en français
Versão em português
There are recurrent discussions around the world lately, a mix of ideological positions and ethical concerns about minority or discriminated population groups. There are heated debates multiplying in practically every country and igniting old latent embers that burn in the hearts of many people.
Among these themes, there is the controversial "cultural appropriation". According to experts, cultural appropriation occurs when a majority or a dominant group uses or adopts a cultural element of a minority group that is marginalized or discriminated, to the detriment of the latter. I know two classic examples of this process: one from Canada and the other from Brazil.
Poutine seems to represent this phenomenon very well. It is a popular dish that appeared in late 1950s in the province of Quebec. According to Quebecer Nicolas Fabien Ouellet, for a long time, poutine has been mocked, in addition to being used to tarnish Quebec culture and undermine its legitimacy of self-determination as a nation. Recently, its consumption has increased outside the province and the dish has begun to be identified as a typical Canadian dish, or even as Canada's national dish. Quebecers like poutine to be appreciated outside their borders, but not as a dish of Canadian cuisine, they see it as a new process of assimilation, erasing their culture: https://www.huffingtonpost.ca/2017/05/29/cultural-appropriation-po_n_16869564.html
Another example of cultural appropriation is the African contribution incorporated to the Brazilian culture. Learning from Quebecers' perception of loss in elements that characterize their society, as a nation in another nation – with a different language, another cuisine, different customs and religion – allowed me to draw an analogy with the movement of black people, keeping respective proportions, and it helped me to understand better what they are claiming in order to be recognized in Brazilian society and to recover their black identity.
The moving testimony of the writer Ana Maria Gonçalves explains very well the cultural appropriation in the case of Blacks in Brazil (in Portuguese): https://theintercept.com/2017/02/15/na-polemica-sobre-turbantes-e-a-branquitude-que-nao-quer-assumir-seu-racismo/. This text lists several elements of African culture that have been appropriated by Brazilian society and compares to others from non-dominated foreign peoples, so to speak, to whom we give due credit – pizza is an Italian dish, the acarajé is a Brazilian dish.
The samba is an important example of this phenomenon, also mentioned. We consider it as a typical Brazilian music/rhythm. The "Negritude movement", however, considers that there has been cultural appropriation. I think they are right, let's "render unto Caesar the things that are Caesar's". Just doing a quick search on the Internet, videos with dances and rhythms in Africa, and we will find several examples almost identical to our samba, with very little difference.
Like Quebec's poutine, samba (and other African rhythms and dances) were scorned before being promoted to the status of national identity symbol. For older people – born in the 1800s, whom I knew...! – it was only a "batuque". Samba was frowned upon by Rio de Janeiro’s conservative society and also by the rest of Brazil. This is confirmed by the reaction of astonishment following the presentation of Chiquinha Gonzaga's "maxixe" at the Catete Palace, in the beginning of 20th century (theme recalled in the text of Tatiana Rezende, in Portuguese: https://cronicasdakbr.kbrinternational.org/2018/03/26/sem-memoria-sem-historia/). In his famous speech, Ruy Barbosa was outraged and has listed different styles of rhythm and dance, among which samba, with unflattering adjectives.
The history of samba reveals that its consolidation as national music took place in Rio de Janeiro, then the capital of the country, following a systematic campaign by President Getúlio Vargas' government. The adherence of intellectuals, brilliant musicians and singers has contributed immensely to the projection of samba nationally and internationally.
As a Brazilian since long time ago, I can also bring historical data, although I was born after Getúlio Vargas era. I remember very well, during my childhood and adolescence, Rio had a great influence on the whole Brazil - and it continues, at all levels, let's admit it. At that time, it was very common to hear "Cariocas" (people from Rio), in TV shows, making fun of other Brazilians who did not know how to dance samba, as if it was almost a national shame. The campaign has worked well.
Finally, I understand the sorrow of Afro-Brazilians who claim recognition for the enormous contribution they have made to the country. In the case of music, however, we must remember that, not only black composers, also many descendants of Portuguese and other peoples who participated in the construction of Brazil have composed beautiful melodies and words, real musical poems that have embellished and added value to samba.
As for poutine, there is no way to improve it. All attempts already made in this direction have only distorted it. The original poutine is the best! Delicious!
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Another interesting reference about samba (in Portuguese):