terça-feira, outubro 30, 2018

História em quadrinhos reais


Sabe de uma coisa? Estas discussões acaloradas sobre política, no seio familiar, não são novidade no Brasil. A história se repete. Antes do silêncio parcialmente imposto pelas circunstâncias, durante o regime militar, havia muitos debates. Eram discussões homéricas.
Lembro-me muito bem de debates veementes na casa de minha avó paterna, antes das eleições de 1960, em que Jânio Quadros foi eleito presidente, com Jango vice, e Magalhães Pinto governador de Minas Gerais. Havia polêmicas envolvendo atuação de deputados também.
Eu era bem pequena (nasci em julho de 1955); para me lembrar assim, é porque a coisa era de impressionar. Dava medo de meus tios se engalfinharem. Eles se levantavam das cadeiras onde estavam sentados, dedos em riste, alguns até mesmo na ponta dos pés, quase saíam voando... hahaha.
Meu pai era o mais velho dos irmãos homens, o mais calmo. Não é porque era meu pai, quem o conheceu sabe que ele era muito ponderado. Tem até uma história de ele ter falado com um dos meus tios para afrouxar a gravata – não sei se foi por preocupação médica, já que meu tio estava quase "apoplético" ou se foi para chamá-lo à razão e esfriar seu excesso de entusiasmo. No final das contas, todos continuavam fraternalmente amigos.
Espero que, desta vez, em pleno século XXI, não haja nem ajam "forças ocultas"... E que tudo seja feito para o bem de todos e felicidade geral da nação, com o Brasil acima de tudo e Deus acima de todos.

sábado, outubro 20, 2018

Esperando a primavera...


Cada lugar com seus problemas.
Estava conversando com meu marido sobre aqueles tempos em que não havia assistência médica pública oficial no Brasil (tempos da minha infância, como relatei no texto sobre meu pai atendendo os pobres – clique aqui para ler), e ele lembrou dos tempos antigos aqui no Canadá – até mesmo quando ele era criança – na zona rural não havia assistência médica nenhuma e, na estação fria (que aqui pode durar até 8 meses), atolados na neve e no gelo, pois não havia os recursos que há hoje para abrir os caminhos, as pessoas eram tratadas com remédios caseiros e, muitas vezes, morriam sem ver um médico.
Até para enterrar os mortos era complicado. O maquinário para cavar a terra congelada, dura como pedra, não existia. Assim, quando as pessoas morriam durante o inverno, não eram enterradas logo em seguida, seus corpos eram guardados em caixões num pequeno quarto externo (caveau ou charnier), não longe da igreja, aguardando a primavera. Os corpos ficavam congelados, devido às baixas temperaturas hibernais. Até hoje, ainda existe esta prática de aguardar a primavera para enterrar os mortos. Mas cada vez se torna mais frequente a opção pela incineração.
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(Tirei esta foto no Village Québécois d’Antan, tendo sido autorizada para publicá-la, quando a apresentei no fórum TrekEarth)
 


quinta-feira, outubro 18, 2018

Dia do médico

Dr. Yvon Rodrigues Vieira

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A varanda com piso verde pálido, feito de pequenos hexágonos, as paredes rebocadas, um banco tosco, era tudo o que compunha o “ambulatório” instituído pelos próprios pacientes que vinham em busca de socorro, sabendo que ali naquela casa morava um médico caridoso, que exercia sua profissão realmente como um sacerdócio. Muitas vezes, quando ele chegava do trabalho,  já havia uma fila que o esperava; começando no passeio, entrava pelo portão de ferro, sempre aberto na frente da casa, serpenteava descendo a escadaria da entrada, até chegar na varanda.
- 18 de outubro, Dia de São Lucas, patrono dos médicos, é dia deles no Brasil. Mais uma oportunidade para homenagear meu pai. Todos os dias dos meus anos de vida não seriam suficientes para render-lhe tributo.
Naquele tempo não existia SUS – Sistema Único de Saúde –, nem único, nem universal. Com a Constituição Federal de 1988 (CF-88), a Saúde passou a ser direito de todos e dever do Estado. Meu relato é de antes até do antigo INPS, criado somente em 1966. Quem não podia pagar era tratado como indigente, aos cuidados de entidades filantrópicas. E muitos ficavam “ao deus-dará”. Neste contexto primitivo, felizmente, havia pessoas como o meu pai, através das quais Deus dava.
- Crianças ainda, pés descalços ou com sandálias de dedo, curiosos e preocupados com os pacientes, ficávamos ali em volta, entre tosses, espirros e choros, recebendo imunização natural para várias doenças, presenciando o atendimento médico. Por vezes, ajudávamos minha mãe a achar o medicamento prescrito, nas caixas de amostra grátis que meu pai recebia dos Laboratórios e que ficavam reservadas aos necessitados. Respeitávamos rigorosamente a proibição de tocar nelas – tudo explicado cientificamente é muito bem aceito pelas crianças.
Homem de vasta cultura e vasta experiência médica, meu pai era simples, católico praticante de verdade, com muita fé e de comunhão diária. Quando ainda jovem médico, viajou pelos rincões de Minas Gerais, a serviço da Saúde Pública, enfrentando situações as mais diversas e adversas, às vezes em locais onde só se chegava a cavalo. Co-fundador e professor universitário em Belo Horizonte, na primeira metade do século XX, nunca se gabou disso, tampouco recebeu alguma remuneração por toda a sua dedicação ao ensino.
Era amado e respeitado por todos que o conheceram. Foi-se esvaindo durante aproximadamente 10 anos, sendo consumido, aos poucos, por doença degenerativa – foi perdendo a memória, a motricidade... nunca perdeu, porém, a humildade, a paciência e a extrema polidez que sempre o caracterizaram; deixava todos desconcertantemente honrados em cuidar dele, pessoa com tão nobres sentimentos.
- “Que peleja! Estou dando muito trabalho. Muito obrigado.
Morreu alguns dias antes de completar 74 anos.
- Tempos após a morte do meu pai, um bêbado risonho desce a rua, trôpego – já na era da criminalidade urbana. Ele reconhece um de meus irmãos no portão de casa, apesar de não terem-se visto desde a infância, e puxa conversa, quer saber notícias de Dona Esther. Sobrinho de Sá Ana, uma antiga empregada doméstica. Ele comenta que os jovens no Morro do Pau Comeu não são como eles eram; mas ele sempre os adverte para não se atreverem a tocar na casa do Dr. Yvon, aquele homem santo que os ajudou tanto. 
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sexta-feira, outubro 05, 2018

Civilização amnésica


Conheço muitos casos, no Brasil, de pais católicos da minha geração que não contaram e não gostavam que contassem a seus filhos, ainda pequenos, a história do Cristianismo, quem foi Jesus Cristo, o que pregou, o que fez e o que aconteceu a Ele, como viveram os primeiros cristãos, etc, para poupá-los do que poderia lhes causar emocionalmente o fato de saber do flagelo pelo qual passaram, naqueles primeiros tempos da Cristandade – esse era um dos motivos alegados pelos que se diziam católicos, ouvi essas alegações muitas vezes.
Havia também os ateus e o motivo para estes, claro, é porque não acreditam na doutrina. No final das contas, são mais honestos consigo mesmos, pois para eles não há que se preocupar com a salvação da alma de seus filhos, isso não existe. Com os demais cristãos, não católicos, não sei como isso se passou, mas tenho a impressão de que foram mais conscienciosos do que muitos católicos.
O resultado é que essas crianças, hoje com idade em torno de 30 anos, vieram a ter alguma notícia da religião católica nas escolas, quando lhes foi ensinada a parte humanamente deturpada pela hierarquia da Igreja, séculos após Cristo – não preciso entrar em detalhes, isso todos conhecem de sobra, desde a Inquisição, passando pelos escândalos financeiros, até os inomináveis casos de pedofilia que abundam no clero.
Compreensível que essas crianças sejam hoje adultos revoltados contra a religião, devotando sua índole de acreditar em alguma coisa a outros ideais, nem sempre chegados aos impulsos do espírito. Mas o que me espanta é a falta de conhecimento geral, a omissão de informação que sofreram sobre o Cristianismo, tocando até mesmo o vocabulário ligado a essa parte da história da humanidade.
Recentemente, li um artigo contando um episódio daqueles em que a gente tem vontade de dizer o verso de Billy Blanco, no Canto Chorado: “O que dá pra rir dá pra chorar”. Não vou contar o enredo todo, vou direto ao que interessa. É de lascar! Quando você vê um desses jovens "intelectuais", dando sopa por aí, não saber de onde os compositores tiraram aquele verso com o jogo de palavras cálice/cale-se, na canção de Chico Buarque e Gilberto Gil,
"Pai, afasta de mim esse cálice",
e, realmente sem saber, rir em tom de deboche, quando alguém comenta que é uma frase de Jesus... aí, a gente vê que “a coisa tá feia, dá vergonha alheia”. Não é um desconhecido qualquer, não. É Jesus Cristo – por causa dele, mudou-se até a contagem dos anos da nossa civilização! Será que nem por isso não dá curiosidade de saber quem foi, sua história?
Mas não é só no Brasil. Aqui na província de Quebec, a virada contra a religião católica foi lá pelos anos 1960/70, numa reação ao controle geral, amplo e irrestrito que a Igreja exercia sobre o Estado e sobre a vida particular das pessoas. Os “Québécois” já blasfemavam por herança dos franceses, mas criaram os seus próprios “sacres”, da metade do século XIX em diante. Seus palavrões são palavras relacionadas ao vocabulário sagrado da Igreja Católica, um pouco alteradas, não sei se pelo modo como falavam ou modificadas propositalmente.
Hoje, muitos jovens não sabem mais o que essas palavras significavam, originalmente. Presenciei, certa vez, uma jovem com nível de escolaridade superior perguntar o que queria dizer “tabarnak”, além de ser um palavrão. Até eu que não sou francófona de origem soube de imediato que deveria ser alguma corruptela de tabernáculo (tabernacle, em francês) e, obviamente, sei o que é um Tabernáculo. Na minha opinião, isso não é só falta de religião, isso é ignorância pura e simples.