Vista do terraço by Chico Lima |
English version
Já
escrevi muito sobre minha mãe, muito pouco sobre o meu pai. Tantas vezes tentei
e desisti. Vários tios e primos mais velhos já nos disseram, a nós, os filhos,
que não conhecemos o nosso pai em todo o vigor da juventude. Não há dúvida de
que isso seja verdade, pois ele se casou com 42 anos. A vantagem que podemos
vislumbrar para nós é a de que tenhamos lucrado em maturidade. Pena que foi por
pouco tempo, pois ele começou a adoecer quando ainda éramos bem jovens. Mas ele
cumpriu sua missão de pai com precisão e extremada dedicação, em plena forma
quando mais precisávamos dele para termos uma boa formação.
Não
quero me ater longamente a suas qualidades e realizações, pois o ser humano que
conheci não era dado a vaidades, não gostava de se exibir. Seria injusta, no
entanto, se não mencionasse sua atuação humanitária e científica, ajudando não
só sua numerosa família, mas também tantos pobres de um Brasil antigo,
indigente, subdesenvolvido, selvagem. E tudo isso sem alarde nem troféu, mas teve a
gratidão daqueles a quem socorreu e a admiração de quem com ele conviveu.
Hoje
fui impulsionada a escrever, quando visitei virtualmente o terraço da casa de uma
amiga, de onde se tem uma ampla vista de montanhas e árvores, com um céu imenso
ao inteiro dispor de olhos receptivos a maravilhas, sem nenhum prédio para
embaraçar o espetáculo. Meu pai gostava de casas com terraços. Assim ele
construiu a nossa.
Ah...
São tantas lembranças que afloraram! A harmonia do casal eternamente enamorado,
que nos propiciou um ambiente solidamente seguro. O nosso “Google”, nossa
enciclopédia, ele sabia tudo. As pesquisas para os trabalhos de escola tinham
voz e até desenhavam se preciso fosse. E as leituras e discussões filosófico-literárias de
minha irmã mais velha – que desde nova já transbordava de inteligência – que
meu pai escutava com paciência de Jó, literalmente já careca de saber aquilo
tudo, mas certamente orgulhoso da filha. Quanta coisa aprendi ouvindo as conversas deles!
No
que toca à música, tocava um pouco, sim, de violão, piano e violino. Quando se
tratava de ouvi-lo tocar violino, não queríamos que terminasse, pois uma vez
guardado, o instrumento desaparecia de circulação por muito tempo – porque
aquilo não era brinquedo. Violão sobrou até para mim, apesar de não ter
talento nenhum para música e de ser bem pequena – o meu violãozinho também era
pequeno. Meu pai me ensinou uns acordes menos que básicos, mas que pareciam
rebuscados e que, me lembro bem, faziam a assistência dar risada.
Ah!
O piano... ele tocava nas raras ocasiões em que as portas da sala de visitas da
casa da minha avó eram abertas ao público. Em nossa casa, ele começou a fabricar um, mas nunca acabou.
Os
filhos mais velhos conviveram mais tempo com ele ainda bem vigoroso,
naturalmente. Ele já começava a ficar cansado, com o passar do tempo. Mesmo
assim, meu irmão mais novo se recorda de muita coisa que ele ensinou e relembra
sempre de como ele frisava e repetia que todos os seres humanos são iguais. Isso ficou
marcado na sua memória. Foram muitos momentos alegres com os filhos menorzinhos
também; embevecidos e sem querer largá-lo um só instante, o pai tinha que mandá-los contar de
1 até quanto a circunstância exigisse, para entretê-los, enquanto esperavam que saísse do
banheiro.
Uma
das maiores dádivas que tivemos no convívio com ele foi ter-nos ensinado e treinado
a extrapolar, dentro do inabalável universo da sua fé - um homem de comunhão diária, enquanto teve saúde para ir à igreja por conta própria. Um pequeno exemplo, eu me lembro que, voltando do catecismo na nossa Paróquia, cheia
de perguntas sobre aquelas imagens desenhadas de Deus, Adão e Eva no Paraíso, em
poucas palavras, ele me sensibilizou ao imponderável, dizendo que não podemos
saber como são, que aquelas representações com imagens eram para facilitar o
nosso fraco entendimento humano. Ele sabia que as crianças podiam captar ideias
de maneira mais livre de amarras que os adultos. Ele não nos poupou e isso foi
ótimo.
Meu
pai gostava de admirar uma noite estrelada, sobre a laje do primeiro andar da
casa, depois do terraço, quando o segundo andar foi construído. Ele nos mostrava
as constelações, nos dava noções sobre a imensidão do universo. Assim ele
incutiu em mim esta fascinação que tenho, ao olhar para o céu, de sentir a
minha pequenez diante do imensurável, de compreender que há o incompreensível.
Penso
que uma visão ampla de Céu e Terra é a imagem que melhor representa meu pai, seja
no sentido óbvio, seja metaforicamente. É no terraço da minha memória que eu o
visualizo, com os olhos voltados para o infinito, os meus nos dele.
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Yvon Rodrigues Vieira nasceu e morreu em Belo Horizonte, MG (*23-02-1905 +15-02-1979). Formou-se em Medicina em 1926. Trabalhou no Departamento de Anatomia Patológica da UFMG (entre 1927 e 1936); médico no Instituto de cegos São Rafael; médico do Serviço Público do Estado de Minas Gerais; Co-fundador da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais; Co-fundador da Faculdade de Ciências Médicas de Minas Gerais, professor nas disciplinas de Histologia e Embriologia; professor de Medicina Legal na Faculdade de Direito; Membro do Conselho Diretor da Sociedade Mineira de Cultura, mantenedora das Faculdades Católicas de Minas Gerais; patologista no Laboratório Central do Departamento de Lepra do Estado de Minas Gerais, até o ano de 1963, quando se aposentou.
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Yvon Rodrigues Vieira |
Algumas referências encontradas na web, para efeito de ilustração:
http://www.medicina.ufmg.br/cememor/wp-content/uploads/sites/51/2016/11/TURMA_1926.pdf
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http://www.medicina.ufmg.br/apm/sobre/ (ver Histórico) ~~~~~~~~~//~~~~~~~~~~~~~
http://rmmg.org/artigo/detalhes/566 ~~~~~~~~~//~~~~~~~~~~~~~
http://www.wikiwand.com/pt/Faculdade_de_Ci%C3%AAncias_M%C3%A9dicas_de_Minas_Gerais#/O_primeiro_corpo_docente (ver em O primeiro corpo docente)
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http://portal.pucminas.br/centrodememoria/documentos/relacao-documentos-transcritos.pdf
(Página 103, Doc 54)
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http://portal.pucminas.br/centrodememoria/acervos/87.jpg
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http://ila.ilsl.br/pdfs/v16n3a08.pdf
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http://hansen.bvs.ilsl.br/textoc/revistas/brasleprol/1946/pdf/v14n2/v14n2not.pdf (pág. 1 e 4)
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http://memoria.bn.br/DocReader/Hotpage/HotpageBN.aspx?bib=313394&pagfis=115927&url=http://memoria.bn.br/docreader#
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http://www.snh2011.anpuh.org/resources/anais/14/1298924135_ARQUIVO_lepraouhanseniase-anpuhSaoPaulo-LeicyFranciscadaSilva.pdf (onde se lê "reticalocitose", leia-se reticulocitose).
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https://www.pucminas.br/centrodememoria/documents/inventario-dom-antonio.pdf
( inventário de correspondências recebidas por Dom Antonio dos Santos Cabral, incluindo Carta de Yvon Rodrigues Vieira, em 10/12/1948: aceitação do convite para a Regência da cadeira de Medicina Legal da UCMG)
http://www.medicina.ufmg.br/cememor/wp-content/uploads/sites/51/2016/11/TURMA_1926.pdf
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http://www.medicina.ufmg.br/apm/sobre/ (ver Histórico) ~~~~~~~~~//~~~~~~~~~~~~~
http://rmmg.org/artigo/detalhes/566 ~~~~~~~~~//~~~~~~~~~~~~~
http://www.wikiwand.com/pt/Faculdade_de_Ci%C3%AAncias_M%C3%A9dicas_de_Minas_Gerais#/O_primeiro_corpo_docente (ver em O primeiro corpo docente)
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http://portal.pucminas.br/centrodememoria/documentos/relacao-documentos-transcritos.pdf
(Página 103, Doc 54)
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http://portal.pucminas.br/centrodememoria/acervos/87.jpg
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http://ila.ilsl.br/pdfs/v16n3a08.pdf
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http://hansen.bvs.ilsl.br/textoc/revistas/brasleprol/1946/pdf/v14n2/v14n2not.pdf (pág. 1 e 4)
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http://memoria.bn.br/DocReader/Hotpage/HotpageBN.aspx?bib=313394&pagfis=115927&url=http://memoria.bn.br/docreader#
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http://www.snh2011.anpuh.org/resources/anais/14/1298924135_ARQUIVO_lepraouhanseniase-anpuhSaoPaulo-LeicyFranciscadaSilva.pdf (onde se lê "reticalocitose", leia-se reticulocitose).
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https://www.pucminas.br/centrodememoria/documents/inventario-dom-antonio.pdf
( inventário de correspondências recebidas por Dom Antonio dos Santos Cabral, incluindo Carta de Yvon Rodrigues Vieira, em 10/12/1948: aceitação do convite para a Regência da cadeira de Medicina Legal da UCMG)
Amei! Já tinha ouvido muitas dessas histórias do vovô, mas não todas. É sempre bom ler e ouvir esses casos, e assim poder conhecê-lo um pouquinho mais =)
ResponderExcluirQue bom que você gostou, Lulu. Obrigada por ter lido. Beijinhos, Tia Du.
ExcluirAmei, estou emocionada... Que lindo, tia Du! Queria muito tê-lo conhecido. Seu texto transmiti toda a delicadeza da vida desse homem gentil e humano. Beijinhos com saudades! Clá
ResponderExcluirObrigada, Clá, "bisões"... :-) Tia Du.
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