terça-feira, dezembro 25, 2018

Espírito natalino

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O Natal é uma data difícil para alguns. Nem todos se alegram, apesar de todas as festas e reuniões com a família e amigos. Compreendo essa amargura que algumas pessoas sentem, pois muitas lembranças tristes antigas ou recentes afloram nessa época do ano.
Vários fatores podem contribuir para que estejamos tristes no Natal e as causas mais doloridas são a falta que sentimos de pessoas queridas que não estão mais entre nós e saber que tanta gente no mundo está passando por algum tipo de sofrimento – ambas impossíveis de evitar.
A verdadeira alegria do cristão, esta que dá sentido às nossas festividades, que deveria motivar nossa comemoração, seria o fato de saber que o célebre Aniversariante do Natal resgatou nossa Felicidade Eterna, que basta aderirmos voluntariamente a esse resgate, para sermos admissíveis. Como aderir é questão de renovar projetos de vida, para nos engajarmos nessa fé, seguindo a proposta do Cristo, todos os dias do ano.
Fico admirada com o otimismo de pessoas que não são cristãs e que têm tanto entusiasmo no Natal. Deve ser porque são alegres por natureza, qualquer motivo é bom para festejar; isso é interessante, um potencial ótimo de vida que ajuda, indiretamente, a manter o tema em pauta. Não sei se eu teria esse elã se não fosse algo em que acreditasse.
Observo que, de todos, crentes ou não, os mais alegres são os que estão mais envolvidos em organizar as reuniões festivas, independente de serem ricos ou pobres. Reparem... quem planeja e transforma receitas culinárias em deliciosa concretude, quem cozinha, quem serve, quem programa alguma atividade lúdica... todos, enfim, que doam de si mesmos, que têm a tarefa de fazer a data mais agradável para todos, são os mais felizes. Além das crianças, claro, elas são um caso à parte.
Normalmente, sou só uma auxiliar dos trabalhos em casa – descasco batatas, lavo a louça. Essa parte é indispensável, mas menos “intelectual”, digamos assim 😄. Diga-se de passagem, sou uma boa comilona, elogio os pratos, dando retorno a quem os preparou... igualmente válido, ora... hahaha.
Não posso me esquecer da decoração. Desta também participo. É prazeroso ter um ambiente enfeitado com os motivos da festa, não é? Penso que a maioria gosta de ver as obras de arte que são montadas para o Natal. Desde as mais singelas às mais sofisticadas, sim, obras de arte. E não precisa ser nada caro, sequer novo. Tem gente que faz preciosidades com material bem simples. Como na casa de meus pais, aqui também nossos enfeites atravessam décadas. Usamos as mesmas bolas de Natal há mais de 20 anos. O míni presépio já está bem antiguinho também. Outros acessórios foram sendo acrescentados, pouco a pouco. Após o Dia de Reis, voltam todos os enfeites para a caixa, aguardando o próximo ano.
Relembrar a tradição, as histórias – celebrar o percurso da humanidade e a presença do Cristo entre nós – acho isso tudo imprescindível para continuarmos a nossa caminhada. Os ensinamentos que Ele deixou, por intermédio das comunidades cristãs, foram e são importantes para a civilização, mesmo para os que não acreditam na Divindade de Jesus.
Então, Feliz Natal para todos!

sábado, dezembro 22, 2018

Pour les fous du train - en famille

Ce petit poème a son histoire
Il est plein d’implants de mémoire
Hanté par un train-fantôme
Il prend l’allure d’un icône

Au petit matin, chez le cousin [1]
Les montagnes résonnent le klaxon
Il le tient
Il est fier, il se souvient
De son arrière-grand-père
Grand ingénieur constructeur
De ponts, de chemins de fer [2]

Lá vai o trem... VovôTamm-VovôTamm-VovôTamm…
 
Le train s’en va aux champs des versants
Il fait sonner les cloches
Il fait songer les montagnards
De l’Église Saint-Joseph-d’Ilka
Puis il visite les campagnards
« Il va mouiller! »
Aux dires des belles mères au passé [7]
Quand elles l’entendaient rouler

Ó o apito do trem… Gigiiiiiiii… Gigiiiiiiiiiii

Mis au large ou à la plage
À la mer ou au désert
L’esprit fou du train nous traîne
Aux clochers des villes cachées
De Lima, l’Auguste,
De sa poésie
Pour voir les monts lointains, bleuis [3]

Lá vai o trem… TioTotonho-TioTotonho-TioTotonho…

La voix de mon oncle [4] retentit en rimes
Pour le plaisir de Rowena
Le cousin [1] récite les vers
Il s’en rappelle
La cousine [5] nous offre, en prime,
Les paroles par écrit… Elles sont belles !
Tandis que les sirènes attirent
Les Santos des navires

Lá vai o trem... Luluca-Luluca-Luluca [6]...

C’est le temps de Fêtes, c’est Noël
Et bientôt, le Nouvel An
Le train est ponctuel
Son esprit est très content
De vous souhaiter
Feliz Natal
Bonne et heureuse année
Happy holiday season

Lá vai o trem… HO HO HO-HO HO HO-HO HO HO…

[1] José Eduardo
[2] Simão Gustavo Tamm
[4] Carlos Horta Pereira
[5] Maria de Lourdes
[6] Tia Luluca
[7] Gilberte

https://www.youtube.com/watch?v=XFhYLVwselA

Un autre wagon de train 

La belle-mère


Le train traverse le village
Dans la nuit, il perce le temps
La neige ou la pluie
- « Il va mouiller. »
Le roulement voyage apaisant
Il me berce, le son de la vie
Je dors, à peine j’entends
Aux petits sursauts
Le klaxon du train agonise dans le brouillard
L’air est lourd, à couper au couteau
L’esprit du train disparaît, il part

https://www.youtube.com/watch?v=XFhYLVwselA

quinta-feira, dezembro 20, 2018

Por um Feliz Natal


Uma pena, parece que muitos católicos – sobretudo a instituição, mas também leigos – transformaram-se em uma espécie de partido ou organização que se considera como detentora de todo o bem. Não são só esses charlatões fazendo manchete nos jornais que cometem absurdos abusos. Nas Igrejas Cristãs também há muitos líderes que deveriam estar na cadeia e não estão. Sábia é a frase atribuída ao Cardeal Richelieu: “Se a Igreja não fosse divina, os papas, os bispos e os padres já teriam acabado com ela”. Incluindo ele próprio. Os leigos também.
Há honrosas exceções, como em tudo, obviamente. O fato é que perdemos aquela humildade e o fervor de outrora, em variados graus de acometimento. Falo na 1ª pessoa do plural, não me excluo desse afastamento da fé; sinceramente, não sei em que gradação – ou degradação – me enquadraria.
Os primeiros cristãos, com os ensinamentos e revelações de Jesus Cristo ainda recentes, imbuídos da fé e da incumbência que receberam de propagá-la, sobreviveram à discriminação e às perseguições que sofreram. Nos primeiros séculos d.C., conseguiram difundir suas crenças a ponto de influenciar mudanças no modo de vida de grande parte da humanidade; mesmo os que não adotaram a nova religião ouviram falar de seus seguidores, que se dispersaram pelo mundo inteiro.
Tal foi a repercussão do processo, que até a contagem do tempo foi instituída a partir do nascimento de Jesus Cristo – o que não é pouca coisa, parece banal pois já estamos acostumados. Embora o cálculo não tenha sido preciso, pois há indícios de que Ele tenha nascido alguns anos antes da data considerada como ano um, a contagem foi aceita mundialmente.
 De lá para cá, muita coisa mudou. As comunidades cristãs não são mais as mesmas. Dividiram-se em vários segmentos, ficaram ricas, riquíssimas, estabeleceram verdadeiros impérios. A “Palavra” se manteve na Bíblia, mas há controvérsias na interpretação por cada subdivisão e, mesmo dentro de um só segmento, têm sido tolerados desvios doutrinários, não consuetudinários, que seriam inadmissíveis nos primeiros tempos e que enfraquecem a coesão dos seguidores.
Com o passar do tempo, o excessivo poder que essas comunidades alcançaram levou também a abusos. Como bem disse São Francisco de Sales, « Là où il y a de l’homme, il y a de l’hommerie ». Traduzindo, onde há o ser humano, há baixezas de toda espécie – falta de dignidade, mesquinhez, torpeza, vileza, corrupção, abusos para com outros seres. E tudo isso feito com as costas largas da reputação de uma comunidade que outrora construíra confiabilidade e respeito, por ser idônea, por cultivar o amor ao próximo, tendo-se tornado insuspeitável e digna de admiração.
Em muitos casos, mesmo não cometendo crimes passíveis de punição pela lei, representantes e seguidores do Cristianismo passaram a agir como no “farisaísmo” tão criticado por Jesus, seguindo a religião de modo formalista, pregando o que não praticam e julgando outros sem enxergar seus próprios erros.
Precisamos sempre rever nossas atitudes, nossos pensamentos, mesmo que não tenhamos crenças religiosas. Será que estamos sendo hipócritas? Será que estamos apoiando instituições, partidos ou organizações que não estão agindo de acordo com nossos princípios? “Cuiusvis hominis est errare, nullius nisi insipientis in errore perseverare”, isto é, qualquer um pode errar, mas apenas o tolo persiste em sua falta (Cícero). Será que é preciso fazer alguma coisa para mudar, para tomar iniciativas a fim de renovar essas “instituições” ou nós mesmos?
O Natal é uma boa época para fazer uma revisão de nossa conduta e construir alguma coisa que ilumine nossas vidas. As reuniões para as festas de fim de ano poderiam ser melhor aproveitadas. Em vez de trocar presentes e votos repetidos mecanicamente, todos poderiam ser convocados a trocar ideias mais consistentes de mudança, serenamente, sem partidarismos, brigas e ofensas, vislumbrando a felicidade de suas comunidades. Fazer as pazes, entre outras coisas. Que tal? Esta é a minha ideia.
A comemoração do nascimento do Menino Jesus nesta época do ano foi muito bem escolhida, a analogia é muito boa. A luz do sol distante, que deixa parte da Terra na escuridão e no frio, volta a se tornar mais presente, após o solstício de inverno, trazendo a esperança. Jesus disse: “Eu sou a Luz do mundo; quem me segue não andará em trevas, mas terá a luz da vida.” (João 8:12). Nós, cristãos, queremos seguir esta Luz e queremos partilhá-la com todos. Para isso, precisamos dar bom exemplo, a fim de atrair os outros.
Feliz Natal, na Paz do Senhor!

segunda-feira, dezembro 17, 2018

Boa viagem

Catedral Nossa Senhora da Boa Viagem
(website da Arquidiocese de BH)

Quando minha mãe ainda estava em plena atividade física e mental, costumava sempre dar uma passadinha na Catedral de Nossa Senhora da Boa Viagem. Não era a paróquia dela, mas gostava de ir lá. Nunca perguntei por que razão, mas posso deduzir: foi onde se casou, havia horas com o Santíssimo exposto para adoração, era lá que meu pai fazia “adoração noturna”.
Já mais idosa, não podia ir sozinha, sobretudo por causa da violência urbana em Belo Horizonte – as vítimas preferidas dos “pivetes” daquele tempo eram mulheres e idosos. Atualmente, penso que não há mais escolhidos, todos são presas fáceis para a bandidagem que anda armada.
Minha mãe tinha uma lista de almas por quem ela mandava celebrar missas. Desconhecidos também eram agraciados. Assim, ela era convicta de que beneficiava as “almas do purgatório”. Tinha até "conta" na secretaria da Paróquia de Boa Viagem, telefonava para lá e enumerava os pedidos. Como se fazia antigamente nos armazéns, todo mês ela ia pagar sua dívida. Sempre arranjava um jeito de ir. As moças que trabalhavam lá já eram conhecidas.
De modo geral, as almas que contavam com aquela atenção mensal eram de pessoas já falecidas, mas, vez por outra, uma missa em Ação de Graças por favor Divino alcançado por algum familiar vivo entrava na lista de encomendas. Foi o que aconteceu comigo, certa vez.
Já escrevi sobre este episódio [1], mas tenho tamanha gratidão, que não resisto, conto o caso mais uma vez, à guisa de louvação. E quem ler este leva o presente de poder ler outro, não de minha autoria – um texto encantador, de quem verdadeiramente tem o dom literário, cuja leitura me fez lembrar de minha mãe e de tantas outras almas, desencadeando uma salva de ave-marias, que a compulsão ainda não me permitiu terminar de rezar são muitas 😇😂. O link desemboca no Facebook [2], na página do escritor, arquiteto, fotógrafo, etc, Eduardo Affonso; espero que o leitor tenha a possibilidade de ver.
Mas, voltando ao meu caso, tinha eu obtido êxito em algum ponto do percurso normal da minha vida, uma etapa qualquer vencida, não me lembro mais qual, comum na vida de qualquer pessoa; mas para minha mãe, cada etapa que seus filhos venciam era motivo de muita alegria e agradecimento a Deus, como graça concedida. Ela havia, então, mandado celebrar missa em ação de graças.  
Quis que fôssemos com ela, minha irmã e eu. Pois bem, fomos. Como de costume, o padre leu as intenções da missa em voz alta. Para nossa surpresa, o meu nome foi anunciado como de uma pessoa falecida, para cuja alma rogávamos a Deus perdão e salvação eterna. Ficamos perplexas, por alguns instantes. Em seguida, nos entreolhamos como se nos perguntássemos se tínhamos entendido a mesma coisa... Sem dizer nada, continuamos ali, até o final da missa; eu estava em estado de choque.
Segurei o choro tanto quanto pude, mas não consegui me conter ao chegar em casa. Minha mãe chorava também e me pedia desculpas. Coitada, ela não tinha culpa. Havia sido um mal-entendido; eram tantas missas em intenção de tantas almas na lista dela, que a secretária pensou que fosse mais uma e ali acrescentou meu nome. E, afinal, o que valia era a verdadeira intenção. Passou... aquele mal-estar se dissipou rapidamente, quase virou anedota. Eu estava viva.
Hoje em dia, agradeço infinitamente à minha mãe, pois não sei, após a minha morte, se haverá alguém de meus conhecimentos que se lembre de mandar celebrar missa em intenção de minha alma ou que ainda acredite nisso; pelo andar da carruagem... Por via das dúvidas, já tive uma, minha mãe já garantiu alguns pontinhos para mim. Onde ela estiver, se puder "me ler", saiba que sou muito agradecida e rendo graças a Deus pela mãe que tive... Mais uma ave-maria por ela, que amanhã completa três anos que partiu em "boa viagem"! 🙏

quarta-feira, dezembro 12, 2018

São João Paulo II em BH

Captura de filme Super8 by "Colossal Filmes"

Em 1980, fomos presenteados com a visita do Papa João Paulo II ao Brasil. A homília da missa que celebrou para os jovens de Belo Horizonte foi muito importante e ainda está muito atual. Suas palavras não são perecíveis.
Durante o sermão, ele fez muitas improvisações, interagiu com o povo várias vezes. A multidão estava vibrante e, muito emocionada, o ovacionava quase sem trégua. A Avenida Afonso Pena estava lotada de gente, da rodoviária até a Praça do Papa (assim nomeada depois para homenageá-lo), e vinha gente desde a Avenida Antônio Carlos, todos percorrendo o trajeto todo a pé, atrás do papamóvel. Nunca se viu coisa igual e acho que nunca se verá.
Uma das improvisações do Papa que levou o povo à euforia foi:
"Vocês podem olhar as montanhas atrás e dizer belo horizonte. Vocês podem olhar a cidade a frente e dizer belo horizonte. Mas sobretudo, quando se olhar para vocês, se deve dizer: Que Belo Horizonte!"
No texto da homília, uma parte que também levou a multidão à loucura foi quando ele disse:
"Jovens de Belo Horizonte e de todo o Brasil, o Papa quer multo bem a vocês! O Papa leva daqui uma grande saudade de vocês!
O Papa não os esquecerá nunca mais! "
Como belo-horizontina que presenciou tudo isso, posso dizer que também nunca o esquecerei e que tenho muitas saudades dele. A cobertura do evento pela Rádio Itatiaia de BH está online, com o sermão da missa, com a voz inesquecível do Papa, acessável no seguinte link:
https://youtu.be/sX6XrU1CA0U?t=158
Abaixo, segue a cópia da Homília, que está no site do Vaticano (no site há alguns erros de digitação, eu os corrigi aqui) (http://w2.vatican.va/content/john-paul-ii/pt/homilies/1980/documents/hf_jp-ii_hom_19800701_youth-brazil.html):

HOMILIA DO PAPA JOÃO PAULO II
 AOS JOVENS DE BELO HORIZONTE
Belo Horizonte, 1° de Julho de 1980 
Queridos jovens e meus amigos!
1. Vocês não se surpreenderão que o Papa comece esta homilia com uma confissão. Eu já havia lido muitas vezes que vosso País tem a metade da sua população com menos de 25 anos de idade. Contemplando desde minha chegada a Brasília, por toda parte por onde passei, uma infinidade de rostos jovens; passando, ao chegar a esta cidade, por entre multidões de gente jovem; vendo a vocês jovens tão numerosos ao redor deste Altar, confesso que entendi melhor, a partir desta visão concreta, aquilo que eu aprendera de modo abstrato. Creio que entendi melhor também porque os Bispos de Puebla falam de opção preferencial - não exclusiva, por certo, mas prioritária - pelos jovens.
Esta opção significa que a Igreja assume o compromisso de anunciar sem cessar aos jovens uma mensagem de libertação plena. É a mensagem de Salvação que ela ouve da boca do próprio Salvador e deve transmitir com total fidelidade.
2. Nesta Missa que tenho a alegria de celebrar no meio de vocês e por intenção de vocês, jovens, esta mensagem aparece com seu conteúdo essencial nas leituras que escutámos.
“Cumpri o dever, praticai a justiça”, exorta-nos o Profeta Isaías, com uma força que não se esgotou, à distância de 2.500 anos (Is 56,1).
E acrescenta: importa acima de tudo “permanecer firmes na Aliança” que Deus selou com o homem. É um convite à coerência e à fidelidade, convite que toca de muito perto os jovens.
Na carta de Paulo aos cristãos de Corinto, uma palavra rija e convincente como costuma ser a do grande Apóstolo: se alguém quiser construir sua vida, não há outro alicerce a colocar senão o que já foi colocado: Cristo Jesus (cf. 1Cor 3,10). Ele sabia bem o que dizia, este Paulo. Adolescente, ele havia perseguido a sua Igreja. Mas houve na estrada de Damasco, um belo dia, aquele encontro inesperado com o mesmo Jesus. E é o testemunho da própria vida que o faz dizer: Não há outro fundamento possível. É urgente colocar Jesus como alicerce da existência humana.
E, no Evangelho de São Mateus, a página que ninguém relê sem emoção. “Quem é que os outros dizem que eu sou?”, pergunta Jesus aos Apóstolos. E depois que eles transmitem uma série de opiniões, a pergunta de fundo: “Mas, para vocês, quem sou eu?”. Nós todos conhecemos este momento, no qual já não basta falar de Jesus repetindo o que outros disseram, é forçoso dizer o que você pensa, já não basta recitar uma opinião, é preciso dar um testemunho, sentir-se comprometido pelo testemunho dado e depois ir até os extremos das exigências desse compromisso. Os melhores amigos, seguidores, apóstolos de Cristo foram sempre aqueles que perceberam um dia dentro de si, a pergunta definitiva, incontornável, diante da qual todas as outras se tornam secundárias e derivativas: “Para você, quem sou eu?”. A vida, o destino, a história presente e futura de um jovem, depende da resposta nítida e sincera, sem retórica nem subterfúgios, que ele puder dar a esta pergunta. Ela já transformou a vida de muitos jovens.
3. E’ destas mensagens oferecidas pela Palavra de Deus que eu quisera tirar a singela mensagem, que lhes deixo neste encontro, que me permite sentir a seriedade com que vocês encaram sua existência.
A riqueza maior deste País, imensamente rico, são vocês. O futuro real deste País do futuro se encerra no presente de vocês. Por isso este País, e com ele a Igreja, olham para vocês com um olhar de expectativa e de esperança. Olham como eu e dizem: vocês, eis um belo horizonte. Um belo horizonte do futuro.
Abertos para as dimensões sociais do homem, vocês não escondem sua vontade de transformar radicalmente as estruturas que se lhes apresentam injustas na sociedade. Vocês dizem, com razão, que é impossível ser feliz, vendo uma multidão de irmãos carentes de mínimas oportunidades de uma existência humana. Vocês dizem, também, que é indecente que alguns esbanjem o que falta à mesa dos demais. Vocês estão resolvidos a construir uma sociedade justa, livre e próspera, onde todos e cada um possam gozar dos benefícios do progresso.
4. Eu vivi na minha juventude estas mesmas convicções. Eu as proclamei, jovem estudante, pela voz da literatura e pela voz da arte. Deus quis que elas recebessem sua têmpera ao fogo de uma guerra cuja atrocidade não poupou o meu lar. Vi conculcadas de muitas maneiras essas convicções. Temi por elas vendo-as expostas à tempestade. Um dia decidi confrontá-las com Jesus Cristo: pensei que era o único a revelar-me o verdadeiro conteúdo e valor delas e de protegê-las contra não sei que inevitáveis desgastes.
Tudo isso, essa tremenda e valiosa experiência, me ensinou que a justiça social só é verdadeira se baseada nos direitos do indivíduo. E que esses direitos só serão realmente reconhecidos se for reconhecida a dimensão transcendente do homem, criado à imagem e semelhança de Deus, chamado a ser Seu filho e irmão dos outros homens, e destinado a uma vida eterna. Negar esta transcendência é reduzir o homem a instrumento de domínio, cuja sorte está sujeita ao egoísmo e ambição dos outros homens, ou à onipotência do Estado totalitário, erigido em valor supremo.
No próprio movimento interior que me levou à descoberta de Jesus Cristo e me arrastou irresistivelmente a Ele, percebi algo que bem mais tarde o Concílio Vaticano II exprimiu claramente. Percebi que “o Evangelho de Cristo anuncia e proclama a liberdade dos filhos de Deus, e rejeita toda a escravidão, derivada, em última análise, do pecado; respeita integralmente a dignidade da consciência e a sua decisão livre; adverte incansavelmente que todos os talentos humanos devem ser desenvolvidos, para o serviço de Deus e o bem dos homens; e, finalmente, recomenda todos à caridade de todos. Isto corresponde à lei fundamental da proposta cristã” (Gaudium et Spes, 41).
5. Aprendi que um jovem cristão deixa de ser jovem, e há muito não é cristão, quando se deixa seduzir por doutrinas ou ideologias que pregam o ódio ou a violência. Pois não se constrói uma sociedade justa sobre a injustiça. Não se constrói uma sociedade que mereça o título de humana, desrespeitando e, pior ainda, destruindo a liberdade humana, negando aos indivíduos as liberdades mais fundamentais.
Partilhando como sacerdote, bispo e cardeal, a vida de inúmeros jovens na Universidade, nos grupos juvenis, nas excursões de montanhas, nos círculos de reflexão e oração, aprendi que um jovem começa perigosamente a envelhecer, quando se deixa enganar pelo princípio, fácil e cômodo, de que “o fim justifica os meios”, quando passa a acreditar que a única esperança para melhorar a sociedade está em promover a luta e o ódio entre grupos sociais, na utopia de uma sociedade sem classes, que se pode revelar bem cedo a criação de novas classes. Convenci-me de que só o amor aproxima o que é diferente e realiza a união na diversidade. As palavras de Cristo: “Eu vos dou um novo mandamento, que vos ameis uns aos outros como eu vos amei”(Jo 13, 34), apareceram-me então, para além de sua inigualável profundidade teológica, como germe e princípio da única transformação bastante radical para ser apreciada por um jovem. Germe e princípio da única revolução que não trai o homem. Só o amor verdadeiro constrói.
6. Se o jovem que eu fui, chamado a viver a juventude em um crucial momento da história, pode dizer algo aos jovens que vocês são, penso que lhes diria: Não se deixem instrumentalizar!
Procurem estar bem conscientes do que vocês pretendem e do que fazem. Mas vejo que isso mesmo lhes disseram os Bispos da América Latina, reunidos em Puebla no ano passado: “Formar-se-á no jovem o sentido crítico frente aos contravalores culturais que as diversas ideologias (Documento de Puebla, n. 1197), tentam transmitir-lhe”, especialmente as ideologias de caráter materialista, para que não sejam por elas manipulados. E o Concílio Vaticano II: “é preciso construir incessantemente a ordem social, tendo por base a verdade construída na justiça e animada pelo amor, e encontrar na liberdade um equilíbrio sempre mais humano”(Gaudium et Spes 26).
Um grande predecessor meu, o Papa Pio XII, adotou como lema: “Construir a paz na justiça”. Penso que é um lema e sobretudo um compromisso digno de vocês, jovens brasileiros!
7. Receio que muitos bons desejos de construir uma sociedade justa naufraguem na inautenticidade e se esvaziem como bolha de sabão por faltar-lhes o sustento de um sério empenho de austeridade e frugalidade. Em outras palavras, é indispensável saber vencer a tentação da chamada “sociedade de consumo”, da ambição de ter sempre mais, em vez de procurar ser sempre mais, da ambição de ter sempre mais, enquanto outros têm sempre menos. Penso que aqui na vida de cada jovem ganha sentido e força concretos e atuais a bem-aventurança à pobreza em espírito: no jovem rico para que aprenda que o seu supérfluo é quase sempre o que falta a outros e para que não se retire triste (cf. Mt 19,22) quando perceber no fundo da consciência um apelo do Senhor a um desapego mais pleno; no jovem que vive a dura contingência da incerteza quanto ao dia de amanhã, talvez até na fome, para que buscando a legítima melhoria de condições para si e para os seus, seja atraído pela dignidade humana mas não pela ambição, pela ganância, pelo fascínio do supérfluo. 
Vocês são também responsáveis pela conservação dos verdadeiros valores que sempre honraram o povo brasileiro. Não se deixem levar pela exasperação do sexo, que abala a autenticidade do amor humano e conduz à desagregação da família. “Não sabeis que vosso corpo é um templo e o Espírito Santo habita em vós?”, escrevia São Paulo no texto que escutámos.
Que as moças procurem encontrar o verdadeiro feminismo, a autêntica realização da mulher como pessoa humana, como parte integrante da família, e como parte da sociedade, numa participação consciente, segundo as suas características.
8. Retomo, ao terminar, as palavras-chaves que recolhemos das leituras desta Missa:
- cumprir o dever e praticar a justiça; 
- não construir sobre outro fundamento que não seja Jesus Cristo;
- ter uma resposta a dar ao Senhor quando Ele pergunta: “para você, quem sou eu?”.
Esta é a mensagem sincera e confiante de um vosso amigo. Meu desejo seria o de apertar as mãos de cada um de vocês e falar com cada um de vocês. Em todo o caso é a cada um que digo dizendo a todos: Jovens de Belo Horizonte e de todo o Brasil, o Papa quer muito bem a vocês! O Papa leva daqui uma grande saudade de vocês! O Papa não os esquecerá nunca mais!
Recebam, queridos amigos, a Bênção Apostólica que vou der ao final desta Missa, como um sinal da minha amizade e confiança em vocês e em todos os jovens deste país.
Antes de passar à Liturgia Eucarística, propriamente, só mais uma palavra: só o amor constrói, só o amor aproxima, só o amor faz a união dos homens na sua diversidade.
Há pouco estive na França, e lá, os jovens com quem me encontrei, num gesto espontâneo, me pediram para trazer a vocês algumas mensagens de amizade, o que fiz com multo prazer. Que este gesto de dar-se as mãos sirva como símbolo e estímulo para construir sempre mais a fraternidade humana, cristã e eclesial no mundo. Para onde vais? - Com vocês faço esta pergunta, com vocês, amados jovens, vou oferecer também tudo o que de nobre há nos corações de vocês, tudo o que de belo aqui vivemos juntos, pelo bom êxito do Congresso Eucarístico de Fortaleza, para o qual vou peregrinando, junto com a Igreja que está no Brasil. Para onde vais?
Amém.