quinta-feira, agosto 27, 2015

O último aceno: bye bye verão!

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 O sol vai se pondo na janela / As árvores e os postes correndo para trás / Lá vou eu nesse comboio sem trela / Trem que não pára, tempo fugaz
(Janela Real III, M.C. V.-Montfils)

O mês de agosto chega ao fim. Inevitável constatar que o verão vai dando seus últimos suspiros, suas últimas baforadas quentes do vento amigo que vem do sul. O outono não tardará e já vemos sinais disso no verde cansado das folhagens, algumas já revelando seus últimos anseios, metamorfoseados em diversos matizes, que vão sangrar beleza aos nossos olhos, brevemente.

Antes que a natureza entre em hibernação, as cores da paisagem farão um espetáculo feérico, para nos deixar maravilhados. Felizmente, nos é permitido sentir a beleza; ela é frágil mas nos imprime sensações reconfortantes que alimentam nossa esperança.

No meu jardim, excetuando-se as flores anuais que plantei, das quais cuido com muito carinho, e que ainda estão vigorosas, restam poucas das silvestres, que estavam tão lindas, mas já começam a perder o viço. Não há nada que eu possa fazer para mudar esse percurso, elas cumpriram o papel que lhes cabia.

Um novo ano letivo começa (fim de agosto/início de setembro), os ônibus escolares estarão por toda parte, tingindo de laranja as ruas e estradas. Irão levando o futuro dentro das cabecinhas dos jovens, que se preparam para enfrentar uma jornada que não será nada fácil, com desafios incalculáveis. Em pouco tempo, essas crianças que hoje pegam a condução para a escola cedinho, voltando a casa ao final da tarde, estarão crescidas e a elas caberá agir e decidir.

Tudo passa tão rápido...

Todos os habitantes deste país se apressam em terminar as atividades que ainda são possíveis antes que a neve comece a cair. Na nossa região, isso pode acontecer a qualquer momento, logo que o verão vai acabando. Os ventos gélidos vindos do vizinho polo norte, logo, logo, começarão a soprar e a desnudar as árvores.

Dentro de pouco tempo, o céu e suas correntes de ar mostrarão o caminho do sul vivificante às aves migratórias; com seus gritos lancinantes, elas irão embora nos alertando que virá, para nós, o tempo do silêncio frígido e inflexível das águas, da lenta e inóspita brancura que esconde os segredos da vida.

Mas a neve traz alento quando a claridade do dia nos falta, refletindo e intensificando as luzes que restam para iluminar a escuridão. Na verdade, nós, canadenses, não temos medo. Reclamar é só uma questão de praxe. Tudo já está preparado para enfrentar o inverno e, por isso mesmo, a melhor postura é a de que “basta a cada dia o seu mal” [1], un jour à la fois.

Os sistemas de aquecimento estão funcionais, aquilo que tinha que ser reparado já foi. Janelas e portas estão prontas para não deixar passar sequer uma réstia de ar. Os telhados estão prontos para receber e despejar o peso do gelo. A lenha já está estocada para o caso de faltar eletricidade.

Falta recolher o que está lá fora, que usamos no verão, mas isso ainda pode esperar. Ainda está cedo também para a troca de pneus: por lei, somos obrigados a trocá-los o mais tardar em 15 de dezembro, mas sempre trocamos antes, pois a neve não conhece as leis dos homens.

Os armários já começam a se transfigurar... As roupas e lençóis mais leves de verão já estão indo para o baú, depois de lavados, e os agasalhos mais leves já retornam aos cabides. Tudo de leve ainda... slowly but surely. Casacos, gorros, luvas, cachecóis, meias de variadas espessuras, esperam sua vez para se espreguiçarem fora dos guardados.

Ah! E as botas! Vou poder usar aquelas novas que comprei para o inverno passado e não pude calçar porque estava com o dedinho do pé machucado! Lembrar delas agora me deu o mesmo prazer de quando as comprei.

Mas a melhor parte da indumentária de inverno, na minha opinião, são as luvas. Quando era criança, achava elegantes e charmosas as fotos antigas de minha mãe e minhas tias, usando luvas. Assim como as personagens dos filmes. Ficava encantada e me dava vontade de imitar os gestos das mocinhas, que ficavam mais graciosos com esse acessório. Pude ter essa catarse aqui, no inverno, usando minhas próprias luvas. Nada mais chique que pegar uma bolsa com a mão enluvada. E que charme, então, dar aquele adeusinho estando assim bem equipada!

Bye bye verão! À la prochaine !
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[1] “Não vos inquieteis, pois, pelo dia de amanhã, porque o dia de amanhã cuidará de si mesmo. Basta a cada dia o seu mal.” Mt 6: 34

sexta-feira, agosto 21, 2015

Duas solitudes

Publicado também pela KBR Editora Digital em 22 de agosto de 2015:

http://www.kbrdigital.com.br/blog/duas-solitudes/
e
https://www.cronicasdakbr.com/2015/08/22/duas-solitudes/



         “Je peux voir les belles couleurs des solitudes. Elles se donnent la main de longs bras. (L’enfant ailé, da autora)

Está ficando cada vez mais difícil escrever sobre os problemas do Brasil, parece que estamos chovendo no molhado, sem produzir frutos. Ninguém mais está aguentando ouvir falar das falcatruas e dos ódios que se acirram, colocando irmão contra irmão. Os escândalos se multiplicam, se agravam, nada se resolve a contento. Isso acaba minando a psique de qualquer um.

Mas não consigo me anestesiar diante de tanto desvario, fico com a sensação de que não posso me calar, pois quem cala consente. Não gostaria que o povo brasileiro se fragmentasse em solitudes, como se diz aqui no Canadá.

A expressão “duas solitudes” surgiu no romance do escritor Hugh MacLennan, fazendo alusão à falta de comunicação e de vontade de se comunicar, e ao distanciamento cultural entre os canadenses de origem inglesa e francesa, em seu livro intitulado “Two Solitudes”, publicado em 1945.

Mas o Canadá já tinha mais que duas solitudes, quando o autor usou a expressão, pois os povos autóctones, que são os índios e os inuits (esquimós), de tão isolados e distanciados, são esquecidos por muitos que abordam essa problemática. Diga-se de passagem que, mesmo entre os autóctones inuits e indios, não há entrosamento.

Atualmente, temos uma solitude a mais, que é a dos imigrantes. No meu caso é diferente, pois eu me casei com um canadense, passando a ter convívio com as entranhas do país. Mas as famílias que imigram e que não têm algum elo forte como esse, permanecem sempre um pouco à parte. Para os que têm costumes e tradições diferentes, por mais que sejam criadas leis de “acomodações razoáveis”, que aceitam essas diversidades para que se sintam bem, não se consegue a integração entre os povos.

Embora não haja animosidades evidentes, estes desencontros causam uma constante tensão, existe um descontentamento latente que paira civilizadamente no ar.

Quanto ao Brasil, com muita tristeza, tenho observado a fragmentação da população. Vários antagonismos estão surgindo, ou talvez melhor dizer recrudescendo. Alguns estão seguindo uma certa tendência mundial (branco x negro, homo x heterossexual... e por aí vai). Mas há um deles que é próprio do Brasil e que podemos resolver mais rapidamente, se quisermos: é a rivalidade que está dividindo o país, entre adeptos do PT e do PSDB, partidos até bem semelhantes, mas que se confrontaram nas últimas eleições presidenciais; a maneira como as campanhas eleitorais foram conduzidas e o resultado apertado a favor da candidata do PT deixaram uma sequela em parte da população, que está sendo difícil de superar. Tanto os políticos de ambos os lados quanto os partidários deles estão perpetuando a disputa ad æternum, num sintomático jogo entre “nós e eles”, trocando acusações, sem buscar soluções.

A situação está tão grotesca que, se alguém apresenta alegações justas contra um político ou governante, mesmo que o faça sem partidarismos, vem logo um oponente dar exemplos criticáveis do outro lado, sem sequer considerar o mérito da questão; virou uma briguinha mesquinha. Numa sociedade madura, os dois grupos da população, que apoiaram os candidatos, ao descobrirem erros, seja de quem for, deveriam se unir e tentar ajudar o país a se livrar desses problemas. Falta humildade, sobra arrogância.

Os ódios estão chegando a tal ponto, que há cidadãos armando verdadeiras batalhas verbais, às vezes até chegando às vias de fato, como se cada um estivesse defendendo ardentemente a própria mãe...

Não nos iludamos, historicamente sabemos que os nossos governantes e políticos nunca cuidaram do povo como quem os escolheu para defender seus direitos, missão para a qual recebem altos salários, pagos por este mesmo povo; nunca foram como mães, jamais trataram o povo brasileiro nem como irmãos. Muito menos agora, que estamos presenciando roubos de tal monta que jamais poderíamos imaginar. E é justamente o povo que está sendo assaltado.

Creio que esta belicosidade que se instalou na população se deve à desorientação do governo e à grave situação de crise que impera, causando mal-estar geral e desequilíbrio emocional em muitos. Mas minha preocupação é para que não se solidifiquem “duas solitudes” – “nós e eles” –, cada qual interessada em defender o seu lado, esquecendo de que seus políticos não estão cuidando das questões graves que existem e que merecem ação imediata.

Seja qual for a causa que tenha desencadeado esse caos em que o Brasil está atolado, é preciso pensar em sanar os problemas o mais rápido possível, deixando as picuinhas de lado. Essas rivalidades e desentendimentos não levam a nada, só aumentam o nível de stress que já está elevadíssimo, só pioram a situação.

Não devemos imitar os políticos e governantes que se engalfinham, cada um querendo levar mais vantagem que o outro. A repetição dessa atitude no seio da população só traz inconvenientes. Em estado de irritabilidade e raiva, não conseguimos raciocinar direito. Temos que juntar nossas cabeças e colocá-las para pensar e analisar melhor o que está acontecendo no país, isentos de partidarismos; só assim poderemos ajudar a encontrar soluções inteligentes para os males que nos afligem, sejam eles quais forem, venham de onde vierem. Disso depende nossa vida futura no Brasil.

Esses ataques mútuos entre cidadãos só enfraquecem o poder de decisão da sociedade. A politicagem, pejorativamente falando mesmo, a bandidagem, a roubalheira, que estão grassando no nosso país, são muito graves. Não podemos tornar vãos nossos esforços, não podemos desperdiçar nossas energias nos digladiando entre nós mesmos, enquanto a bandalheira continua. Temos que agir contra os prejuízos que nos foram causados e precisamos correr contra o tempo. Se o povo não se unir, certamente sairá perdendo mais uma vez.

Não deixemos imperar o signo do “nós e eles” que querem impingir no âmago da população. Isto, sim, é golpe. Porque somos todos da mesma salada. Se existe um “nós e eles”, eles são os políticos e governantes nos sugando, nós, o povo brasileiro.

sábado, agosto 15, 2015

A saúde vai bem, obrigado

Publicado também pela KBR Editora Digital em 15 de agosto de 2015
https://cronicasdakbr.kbrinternational.org/2015/08/15/a-saude-vai-bem-obrigado/
https://www.cronicasdakbr.com/2015/08/15/a-saude-vai-bem-obrigado/

Não, não me refiro ao sistema de saúde do Brasil nem do Canadá. É que na província de Quebec, a coisa anda tão complicada que resolvi, quase em desabafo, fazer um apanhado geral da situação, uma espécie de manual de instruções para um eventual usuário incauto, que venha se instalar por aqui, atendendo aos charmosos e atraentes recrutamentos feitos pelas Embaixadas e Consulados do Canadá, por esse mundo afora.

Estou especificando bem que se trata de Quebec, porque o assunto que vou abordar é saúde e aqui a assistência médica é da alçada do Ministério da Saúde de cada província e território. Como nunca morei em outras províncias, não posso dar testemunho, enquanto paciente, a respeito do que acontece no ROC – “Rest of Canada” (expressão usada pelos “Québécois, num antagonismo aos “Canadians”, os ingleses, sentimento que é recíproco – a versão canadense do “nós e eles”).

Longe de mim querer amenizar o que se passa no Brasil no quesito atendimento médico, mostrando que aqui também há problemas graves, mesmo porque a situação é muito pior lá, não resta a menor dúvida. Faço, porém, a prudente ressalva de que é pior não exatamente no que concerne aos médicos (do tempo em que eu ainda morava no Brasil), mas no contexto geral de falta de infraestrutura para atender às necessidades de uma população muito mais numerosa e com uma grande parcela em estado de pobreza. 

Mas vamos lá: como é que um cidadão “monsieur-madame-tout-le-monde” pode ser atendido por um médico na província de Quebec? Se já conseguiu ser um doente cadastrado, com um diagnóstico que demanda acompanhamento, aí os atendimentos seguintes são mais fáceis. Senão... 

Se for uma urgência, melhor ir de ambulância ao hospital, caso contrário, corre o risco de, após uma breve triagem feita por enfermeiros, ter que aguardar um dia inteiro na sala de espera e mesmo nem ser atendido por um médico.

Se não for tão urgente assim, há algumas opções, a saber:

- Se tiver um médico de família (que é um clínico geral), marcar uma consulta que, na melhor das hipóteses, será dentro de duas a três semanas. Consegui a proeza de ter um médico de família, coisa quase impossível por aqui, nos últimos anos. Nem me queixo de ter que viajar para me consultar – os médicos da cidade onde moro já estavam com sua “quota” completa. E não se atende nem meio paciente que ultrapasse a dita quota para a qual são pagos pelo governo, ou seja, pelo povo. 

A minha médica é muito ocupada; tentei marcar, certa vez, para uma consulta de “check-up” e fui informada de que ela estava com a agenda completa para os próximos 6 meses e que eu deveria telefonar de novo dentro de três meses, para tentar uma vaga, em data imprevisível.

- Se não tiver médico de família, ou teve a resposta que eu obtive (ver acima), procurar as clínicas sem marcação de consulta (cliniques sans rendez-vous). Antes, a gente chegava cedão e ficava na fila – recebia uma senha (até um certo ponto) e era atendido por ordem de chegada. Agora, para eliminar as filas, a gente tem que telefonar cedinho (ou na véspera, à noite, em algumas)... Ou seja, é mais ou menos “sans rendez-vous”. O telefone dá ocupado nos milhares de tentativas efetuadas e, quando atende, a funcionária apressada diz, secamente, que já está completo... “por favor, tente de novo amanhã”.

- Se conseguir passar pelo clínico geral (tem que ser o primeiro passo, obrigatoriamente), ele tenta resolver seu problema no menor tempo possível, com um mínimo irrisório de exames complementares e, se o caso tiver que ser encaminhado para um especialista, você é advertido de que, talvez, tenha que esperar não menos que um ano para ser avaliado.

- Se não conseguiu consultar ainda, após incontáveis tentativas, e tiver uma boa grana sobrando, pode procurar uma clínica particular, se houver uma na região. Isso não existia em Quebec, começou há alguns anos, completamente fora do controle do Ministério da Saúde. A conta sobe mais rápido que um foguete (um exemplo[1] : « Pour avoir un dossier à la clinique, les patients doivent débourser 110$ par année. Une urgence de 15 minutes coûte 80$, un rendez-vous de suivi de 20 minutes, 105$ et un bilan de santé de 30 minutes, 150$.») 

E, mesmo se houver uma clínica particular na região, corre o risco de não poder ser atendido no mesmo dia – tentei há um tempo atrás e não consegui. E nem para dia nenhum, pois não estavam mais aceitando novos "dossiers". Mesmo estando disposta a pagar. Quando vi quanto poderia custar, com a conta subindo a cada movimento do ponteiro do relógio, fiquei aliviada com a falta de disponibilidade.

Há quem diga[2] que o problema se deve à penúria de médicos de família. Mas eu tenho uma e não consigo me consultar, quando preciso. “Check-up”? Oublie ça.

Enquanto isso, há clínicas veterinárias em cada esquina, não teríamos dificuldade alguma para marcar uma consulta para a Totoche, nossa gatinha, nem no caso de uma urgência.

Aqui não existem aqueles convênios médicos, como no Brasil, pelos quais qualquer cidadão pode escolher um plano de saúde e pagar mensalidades, a fim de ter cobertura para consultas, exames complementares e internações, quando precisar. Algumas empresas têm convênios com planos de saúde para serviços oferecidos aos seus empregados, mas isso não muda em nada a maneira como se tem acesso a consultas. A única vantagem desses planos conveniados é cobrir serviços dentários e de oftalmologia, que não são cobertos pelo sistema público.

O Canadá está passando por uma fase de transição. Antes, só existia o sistema público de assistência à saúde. Pelo que ouvimos nos noticiários, os médicos alegam estarem sobrecarregados, apesar de ganharem um salário invejável e terem uma carga horária de trabalho privilegiada, no meu entender. Agora, estão aparecendo mais e mais clínicas particulares, mas as mudanças ainda não estão regulamentadas ao gosto de todos. Acho que vamos precisar de paciência... teremos que ser duplamente pacientes!

Nesse meio-tempo, tento ver o lado bom do que vivenciamos. Nesse caso específico, vejo a experiência pela qual estou passando como um exercício de desapego, muito útil para o autoaperfeiçoamento. Não é piada, estou falando sério. No Brasil, sempre trabalhei em hospitais, tinha muitos amigos e familiares médicos, tinha um bom plano de saúde, de modo que tinha fácil acesso a todos os serviços. Ao me estabelecer no Canadá, caí na vala comum dos mortais, com todas as dificuldades que enfrentam. Alguns poderão dizer, e até eu própria penso que foi bom para sentir na pele o que o povão brasileiro sofre. 

Em compensação, estou num país dentre os melhores do mundo em questão de qualidade de vida; com tudo o que acabei de relatar, parece piada também, mas não é. Aqui, pelo menos, não temos medo de sermos assaltados por bandidos da rua, nem do governo. A gente não pode querer ter tudo, não é?

Neste ano de 2015, houve uma pequena melhoria no atendimento, para mim, pois passei a ser uma “doente cadastrada”, portadora de um mal que necessita acompanhamento. Opa! Oba, não! Depois de reais longos e tenebrosos invernos, esperando uma chance de consultar minha médica, para o célebre “check-up”, por sorte ou azar – prefiro considerar que há males que vêm para o bem – meus exames acusaram hipotireoidismo: minha glândula tireóide está funcionando abaixo das expectativas. 

Voilà, matei dois coelhos de uma cajadada só: está justificada a minha preguiça e porque não consigo emagrecer – agora tenho uma boa desculpa! Mas não por muito tempo, pois já estou em fase de tatear qual dose do hormônio tireoidiano deverei tomar para controlar esse mau funcionamento. 

Há ainda um terceiro coelho que saiu da cartola: passei a ter direito a um atendimento sequencial, por uma super-enfermeira, que não é tão apressada como o coelho do país das maravilhas... nem como a minha lacônica médica, que é muito ocupada, como já disse. O atendimento intermediário pela enfermagem foi uma das saídas encontradas pelo sistema para aliviar o peso sobre os médicos. Espero que dê certo.

No final das contas, estou feliz da vida, pois já perdi alguns quilinhos, após o início do tratamento! Não tem jeito, as mulheres – sorry, nem todas – são mesmo escravas da vaidade!


                                                                                      

sexta-feira, agosto 07, 2015

Lamúrias e estrelas cadentes

Publicado também pela KBR Editora Digital, em 8 de agosto de 2015:
https://cronicasdakbr.kbrinternational.org/2015/08/08/lamurias-e-estrelas-cadentes/
http://www.kbrdigital.com.br/blog/lamurias-e-estrelas-cadentes/
e
https://www.cronicasdakbr.com/2015/08/08/lamurias-e-estrelas-cadentes/


Mais au bout du ch'min, dis-moi c'qui va rester de not’ p’tit passage dans ce monde effréné. On s’dira que l’on était, final’ment, des étoiles filantes. [1]” Jean-François Pauzé

O mês de agosto é um dos melhores, aqui no hemisfério norte, para ver as chuvas de estrelas cadentes. É muito bonito. Mas falar de estrelas, pior ainda, ouvir uma certa estrela, para nós brasileiros, está sendo difícil, nos últimos tempos... Mais ainda amá-la.

“Uma tristeza que paira...”  Essa observação, em um email que recebi de minha sobrinha, embora fazendo referência a um outro assunto, definiu tão bem o que estou sentindo sobre o Brasil, algo que toca meu coração lá no fundo. É como se eu estivesse vendo através de um binóculo colocado invertido diante dos olhos, as imagens passando cada vez mais diminutas, longínquas, deixando o rastro de uma imensa amargura. Estou longe do meu país e ele cada vez mais longe de mim e dele próprio, como se isso fosse possível – tudo parece ser possível.

Mais ainda esta semana, após tantas reviravoltas, mais desilusões para quem acreditou em dias melhores, numa nação mais igualitária,  mais justa, com mais segurança, educação, saúde, tantas promessas de reformas jamais cumpridas. Estou chorando junto com o meu povo, porque também acreditei, um dia, naquela estrela de esperança que o Partido dos Trabalhadores desenhou na sua bandeira. Mas minha ilusão foi rapidamente dissipada, a estrela era falsa ou, talvez, tenha sido apenas uma estrela cadente, um projeto de alguns idealistas que foram enganados pelos seus companheiros que tinham interesses próprios de enriquecimento e poder.

Por favor, deixem-me chorar, preciso de tempo para fazer esse luto. Estou vendo passar aquelas imagens no meu binóculo ao contrário; tenho que rever esse filme, preciso relembrar, expurgar.

Tenho muito o que lamentar, lembrando da minha infância e juventude sufocadas pelo silêncio aterrador que reinava no Brasil, sob o signo do medo e da incerteza daqueles tempos. Na época, eu não podia avaliar o impacto de crescer num país quase constantemente em estado de sítio, nem sabia ao certo o que se passava. De repente, essa ou aquela rua era invadida por militares do Exército, armados com metralhadoras... Cochichávamos entre nós, olhando pelas gretas das janelas: - “Devem estar procurando algum “subversivo”. Que horror! O que será que vai acontecer?”

Quero chorar por todos aqueles que foram torturados e mortos, honrando seus ideais; pelas famílias que nunca mais viram seus entes queridos desaparecidos. Por certo foi por causa deles e dos que fizeram a luta armada, que a Ditadura Militar se instalou e se obstinou, mas nós, o povo, acreditávamos que muitos daqueles que eram chamados de "subversivos" tinham ideais nobres para o bem da nação e os respeitávamos e admirávamos pela sua coragem; não só por eles mas também por causa dos que se radicalizaram, acabamos todos nós sofrendo, uns mais, outros menos. 

Foi um tempo de medos, de ameaças: por um lado, tínhamos pavor de um comunismo como o de Cuba, que prendia, torturava e fuzilava no “paredón” quem fosse contrário ao regime; e era essa a ameaça que os guerrilheiros brasileiros representavam. Por outro, tínhamos pavor da ditadura que estávamos vivenciando no nosso país, que também fazia as pessoas desaparecerem, serem torturadas e mortas. Foi nesse tempo de extremos que cresci, acuada, como tantos outros brasileiros da minha geração.

Depois de muitos anos, aos trancos e barrancos, veio um arremedo de democracia e caímos nas garras do “Caçador de Marajás”, sendo ele próprio um deles, escolhido pelo povo, na primeira eleição direta para Presidente da República, após a ditadura. Conseguiu confiscar o dinheiro do Brasil inteiro, que assistiu ao descalabro com perplexidade, única reação que sabíamos manifestar, depois de longos anos de repressão. Mas o “impeachment” veio em oposição à corrupção no governo. 

E o Brasil retomou mais um fôlego, para prosseguir no processo de democratização; houve tempos de trégua, de desenvolvimento... mais alguns anos e caímos nos calabouços da maior corrupção da história do país. Quando pensávamos que podíamos recobrar alguma confiança e quisemos fazer brilhar uma estrela que prometia só bondades ao povo – “sem medo de ser feliz” –, o que tivemos em troca foi esta decadência moral que estamos vendo, imposta por este partido político degenerado, em conchavos medonhos. Usurpando o nome daquelas pessoas que lutaram pela nossa sociedade e que morreram como mártires, este pseudopartido dos trabalhadores se assentou no trono da iniquidade e está zombando de nós, pisoteando no povo que lhe deu sustento. 

Se fosse uma crise financeira em consequência do contexto internacional, tenho certeza de que os brasileiros aguentariam o tranco, como tantas outras vezes já o fizeram. Mas o que ninguém suporta mais é a mentira, a corrupção, levando embora o dinheiro e a esperança colhidos com o suor dos que realmente trabalham.
Não foi só a estrela do partido que caiu. Todos nós, brasileiros, estamos sendo arrastados por ela, somos estrelas cadentes.

E essa tristeza que paira...

Muitos me perguntam, aqui no Canadá, sobre os horrores de corrupção acontecendo no Brasil, sobre a degringolada geral. Como isso foi acontecer num país tão promissor? Alguns me olham com um olhar compadecido e me dizem para que não me preocupe, que estou fora do país, que isso não pode me afetar.

Vou olhar para o céu e ouvir as estrelas... “Ora (direis) ouvir estrelas! Certo perdeste o senso!” E eu vos direi, no entanto, que, para ouvi-las, muita vez desperto e abro as janelas, pálido de espanto...[2] Sim, vou refletir, enquanto cai a chuva de estrelas cadentes. 

O povo brasileiro é forte! A prova disso está na sua história, por tudo o que passou e como evoluiu, com tantas vozes clamando por justiça e honestidade. Não pode ficar preso às desilusões. O triste presente que está vivendo vai-se transformar, inevitavelmente, em passado. E terão que construir o futuro, com o que estão aprendendo hoje. 

Aprender é preciso!