sexta-feira, agosto 21, 2015

Duas solitudes

Publicado também pela KBR Editora Digital em 22 de agosto de 2015:

http://www.kbrdigital.com.br/blog/duas-solitudes/
e
https://www.cronicasdakbr.com/2015/08/22/duas-solitudes/



         “Je peux voir les belles couleurs des solitudes. Elles se donnent la main de longs bras. (L’enfant ailé, da autora)

Está ficando cada vez mais difícil escrever sobre os problemas do Brasil, parece que estamos chovendo no molhado, sem produzir frutos. Ninguém mais está aguentando ouvir falar das falcatruas e dos ódios que se acirram, colocando irmão contra irmão. Os escândalos se multiplicam, se agravam, nada se resolve a contento. Isso acaba minando a psique de qualquer um.

Mas não consigo me anestesiar diante de tanto desvario, fico com a sensação de que não posso me calar, pois quem cala consente. Não gostaria que o povo brasileiro se fragmentasse em solitudes, como se diz aqui no Canadá.

A expressão “duas solitudes” surgiu no romance do escritor Hugh MacLennan, fazendo alusão à falta de comunicação e de vontade de se comunicar, e ao distanciamento cultural entre os canadenses de origem inglesa e francesa, em seu livro intitulado “Two Solitudes”, publicado em 1945.

Mas o Canadá já tinha mais que duas solitudes, quando o autor usou a expressão, pois os povos autóctones, que são os índios e os inuits (esquimós), de tão isolados e distanciados, são esquecidos por muitos que abordam essa problemática. Diga-se de passagem que, mesmo entre os autóctones inuits e indios, não há entrosamento.

Atualmente, temos uma solitude a mais, que é a dos imigrantes. No meu caso é diferente, pois eu me casei com um canadense, passando a ter convívio com as entranhas do país. Mas as famílias que imigram e que não têm algum elo forte como esse, permanecem sempre um pouco à parte. Para os que têm costumes e tradições diferentes, por mais que sejam criadas leis de “acomodações razoáveis”, que aceitam essas diversidades para que se sintam bem, não se consegue a integração entre os povos.

Embora não haja animosidades evidentes, estes desencontros causam uma constante tensão, existe um descontentamento latente que paira civilizadamente no ar.

Quanto ao Brasil, com muita tristeza, tenho observado a fragmentação da população. Vários antagonismos estão surgindo, ou talvez melhor dizer recrudescendo. Alguns estão seguindo uma certa tendência mundial (branco x negro, homo x heterossexual... e por aí vai). Mas há um deles que é próprio do Brasil e que podemos resolver mais rapidamente, se quisermos: é a rivalidade que está dividindo o país, entre adeptos do PT e do PSDB, partidos até bem semelhantes, mas que se confrontaram nas últimas eleições presidenciais; a maneira como as campanhas eleitorais foram conduzidas e o resultado apertado a favor da candidata do PT deixaram uma sequela em parte da população, que está sendo difícil de superar. Tanto os políticos de ambos os lados quanto os partidários deles estão perpetuando a disputa ad æternum, num sintomático jogo entre “nós e eles”, trocando acusações, sem buscar soluções.

A situação está tão grotesca que, se alguém apresenta alegações justas contra um político ou governante, mesmo que o faça sem partidarismos, vem logo um oponente dar exemplos criticáveis do outro lado, sem sequer considerar o mérito da questão; virou uma briguinha mesquinha. Numa sociedade madura, os dois grupos da população, que apoiaram os candidatos, ao descobrirem erros, seja de quem for, deveriam se unir e tentar ajudar o país a se livrar desses problemas. Falta humildade, sobra arrogância.

Os ódios estão chegando a tal ponto, que há cidadãos armando verdadeiras batalhas verbais, às vezes até chegando às vias de fato, como se cada um estivesse defendendo ardentemente a própria mãe...

Não nos iludamos, historicamente sabemos que os nossos governantes e políticos nunca cuidaram do povo como quem os escolheu para defender seus direitos, missão para a qual recebem altos salários, pagos por este mesmo povo; nunca foram como mães, jamais trataram o povo brasileiro nem como irmãos. Muito menos agora, que estamos presenciando roubos de tal monta que jamais poderíamos imaginar. E é justamente o povo que está sendo assaltado.

Creio que esta belicosidade que se instalou na população se deve à desorientação do governo e à grave situação de crise que impera, causando mal-estar geral e desequilíbrio emocional em muitos. Mas minha preocupação é para que não se solidifiquem “duas solitudes” – “nós e eles” –, cada qual interessada em defender o seu lado, esquecendo de que seus políticos não estão cuidando das questões graves que existem e que merecem ação imediata.

Seja qual for a causa que tenha desencadeado esse caos em que o Brasil está atolado, é preciso pensar em sanar os problemas o mais rápido possível, deixando as picuinhas de lado. Essas rivalidades e desentendimentos não levam a nada, só aumentam o nível de stress que já está elevadíssimo, só pioram a situação.

Não devemos imitar os políticos e governantes que se engalfinham, cada um querendo levar mais vantagem que o outro. A repetição dessa atitude no seio da população só traz inconvenientes. Em estado de irritabilidade e raiva, não conseguimos raciocinar direito. Temos que juntar nossas cabeças e colocá-las para pensar e analisar melhor o que está acontecendo no país, isentos de partidarismos; só assim poderemos ajudar a encontrar soluções inteligentes para os males que nos afligem, sejam eles quais forem, venham de onde vierem. Disso depende nossa vida futura no Brasil.

Esses ataques mútuos entre cidadãos só enfraquecem o poder de decisão da sociedade. A politicagem, pejorativamente falando mesmo, a bandidagem, a roubalheira, que estão grassando no nosso país, são muito graves. Não podemos tornar vãos nossos esforços, não podemos desperdiçar nossas energias nos digladiando entre nós mesmos, enquanto a bandalheira continua. Temos que agir contra os prejuízos que nos foram causados e precisamos correr contra o tempo. Se o povo não se unir, certamente sairá perdendo mais uma vez.

Não deixemos imperar o signo do “nós e eles” que querem impingir no âmago da população. Isto, sim, é golpe. Porque somos todos da mesma salada. Se existe um “nós e eles”, eles são os políticos e governantes nos sugando, nós, o povo brasileiro.

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