sexta-feira, junho 28, 2019

O dia da sogra


Conversando sobre uma tia do meu marido que está muito acabadinha, perguntei se ela era mais nova que a mãe dele, que já morreu.
- Não sei. Talvez meu pai saiba responder isso; duvido que meus irmãos saibam. Lembra que você que elucidou quando que ela morreu? A data da morte dela?
- Eu? Mas isso não foi checado em algum documento?
- Não, pra você ver como que está a Igreja.
-Tá vendo? Isso parece até que foi uma resposta do além. Sempre tive um "feeling" de que poderíamos ser amigas, minha sogra e eu; lamento não tê-la conhecido.
Foi assim...
Há uns anos, por ocasião do enterro de uma outra tia – família antiga, numerosa –, ao abrirem o túmulo onde seria inumada, no pequeno cemitério da Paróquia de sua cidade natal, lá estava uma urna que seu irmão, presente ao evento, foi logo reconhecendo e anunciando, em voz alta, que era de sua mãe. O imprevisto causou sobressalto e exclamações entre os familiares que ali estavam, consternados por mais aquela perda, cuja lembrança o tempo já havia cuidado de esconder em alguma gaveta do passado. Meu cunhado quase se arrependeu de ter-se manifestado, também pelo que sucedeu logo após. 
Terminados os trabalhos e orações, o padre convidou-o ao presbitério, para verificar se os livros de registros paroquiais estavam em dia, pois não se lembrava de ter anotado esse óbito e já havia algum tempo que não tinham pessoal trabalhando na secretaria da paróquia – as finanças das igrejas católicas na província do Québec vão de mal a pior, é cada vez menor o número de fiéis e colaboradores. De fato, não havia nenhuma anotação sobre a finada.
O cunhado ficou apertado, pois não se lembrava da data de morte da sua mãe.
- Só um minutinho, Padre, vou telefonar para o meu pai e resolvemos isso num átimo.
O pai também não se lembrava e, com a mudança de casa, perdera muita coisa. Talvez, até tivesse ainda alguma documentação, mas sua filha tinha compactado e empacotado tudo, o que significava caso perdido para ele, já na casa dos 90 anos de idade; impossível achar alguma coisa naquele sumidouro.
Telefonou, então, para cada uma de suas irmãs e, finalmente, para seu irmão, meu marido, já sem esperanças, pensando que teria que ir atrás do serviço de incineração ou sabe-se lá em que repartição pública, para procurar por algum documento.
- Estou telefonando por desencargo de consciência, mas imagino que você também não saiba qual a data da morte de nossa mãe.
- Para que diabos você quer saber a data da morte da mamãe? Sei lá, eu!
Ao ouvir a conversa, entrei em cena, eu que sequer tinha conhecido minha sogra.
- Eu sei.
Meu marido, entre incrédulo e perplexo: - Como assim, você sabe?
- Maria está aqui dizendo a data.
- Mas como ela sabe?
- Como você sabe?
- Ela morreu no mesmo ano em que me mudei para cá, antes que eu a conhecesse. E foi no dia do aniversário de um dos meus irmãos. Assim, a data ficou marcada na minha memória.
Pronto, o Padre confiou na informação obtida por telefone, vinda quiçá das fronteiras do além, fez o registro e deu por encerrado o problema. Afinal, eu, que só cheguei a ver a urna funerária da sogra, de longe, no dia do enterro, posso dizer que tive alguma participação na vida dela... post mortem.
Que Deus a tenha em bom lugar. Descanse em paz.

quarta-feira, junho 26, 2019

Cheiro de feno

Français

English

"Nós caímos do céu, literalmente.
Uma vez que nos convencemos de que não é perigoso, torna-se divertido!
Primeiramente, nos sentimos felizes por estar de volta.
Estou me sentindo um pouco nauseoso.
O que mais me surpreende é o cheiro de feno aqui. Muito bom."
Em rápida entrevista à correspondente de Radio-Canada na Rússia, Tamara Alteresco, estas foram algumas das primeiras palavras do nosso astronauta quebequense, David Saint-Jacques,  ao voltar à Terra, após mais de seis meses na Estação Espacial (1).
Interessante a observação sobre o cheiro bom do feno, no seu retorno sur le plancher des vaches, como se diz em francês para terra firme, e aqui, no caso, literalmente, pois a cápsula Soyuz que os transportava pousou nas estepes do Cazaquistão (2, 3). Isso me fez lembrar da época da ceifa e recolta. Após o longo inverno glacial do Canadá, quase desprovido de cheiros, quando chega esse tempo, o perfume do feno invade nossos receptores olfatórios. Nem é preciso estar numa fazenda, basta estarmos passando pelas estradas que ladeiam os campos. É vida que recende. Não há, por estas bandas, quem não tenha exclamado: - Ah, que cheiro bom de feno!
Compreende-se a observação imediata do astronauta quebequense, no terreno coberto por gramíneas onde a Soyuz aterrissou, após um "inverno", digamos assim, que foi mais longo para ele. Depois de tanto tempo dentro de um ambiente artificial, onde existe um sistema de filtros para eliminar odores de dentro da estação espacial, o olfato deve ficar agradecido ao reconhecer cheiros que nos são agradáveis, em nossa Terra.
Esse forte elo afetivo que temos com o nosso planeta é fascinante. Obviamente, não só afetivamente, dependemos dele para sobreviver. Não temos autonomia. Somos produtos naturais dele, nascemos e crescemos por ele nutridos, somos moldados pela sua força da gravidade que esculpe nossos ossos, nossos músculos, em conjunto com as diretivas genéticas... e assim por diante. Nada surpreendente que nos identifiquemos com o nosso mundo.
Fascinante também é essa vontade que o ser humano tem de expandir, de procurar outros mundos no espaço sideral. É conhecimento que avança, trazendo muitos efeitos colaterais benéficos, como progressos na área médica, por exemplo.
E, talvez, um dia, crie-se um “novo mundo” para a humanidade, como quando houve as grandes navegações que conduziram europeus e africanos às Américas. Entre mortos e feridos – tant bien que mal – cá estamos nós. Talvez haja a possibilidade de descobrirem um planeta viável ou “viabilizável”, que poderá dar mais chance de sobrevivência à humanidade, mais tempo para se desenvolver e se aperfeiçoar física e espiritualmente.
Muitos dizem que tanto dinheiro gasto nessas missões espaciais poderia ser empregado de imediato para melhorar as condições dos que vivem na pobreza, aqui na Terra. Tenho cá minhas dúvidas. Quem se encarregaria de empregar esse dinheiro? Os governos e os políticos? A experiência que se tem é extremamente frustrante. Fortunas, por este mundo terráqueo afora, que, sabidamente, deveriam ser usadas para ajudar as populações carentes, foram e são desviadas de maneira imoral, em benefício de poucos... “Não, não vou por aí!” (4). É preciso traçar outros planos, e a base, certamente, já existe em nossos corações.

sábado, junho 22, 2019

Corpus Christi

Transubstanciação
            Durante sua curta mas intensa “vida pública”, Jesus Cristo explicou como era preciso agir para nos salvarmos, para alcançarmos o Reino de Deus e que só Ele é o Caminho dessa Salvação. Dando seu Corpo e seu Sangue aos seus apóstolos, como alimento, na forma de pão e vinho, mandou que eles reproduzissem seus atos, com o poder que lhes deu, para expandir essa missão de Amor ao mundo inteiro, guiados pelo Santo Espírito.
Ele doou sua Humanidade vivificante, como alimento para nós, e seus divinos ensinamentos, que são sempre atuais, não vão jamais perecer.
Foi isso mesmo que os apóstolos compreenderam, que o Pão e o Vinho eram transformados em Corpo e Sangue de Cristo. A compreensão de tudo que lhes foi dito foi reforçada pelo Espírito Santo, enviado a eles após a Ascensão de Jesus, conforme prometido por Ele.
Surgiram, então, maledicências sobre o que acontecia nas reuniões a portas fechadas, que os primeiros cristãos faziam, relacionadas, entre outras coisas, ao entendimento incorreto do "comer e beber o corpo e o sangue de Cristo"; no final das contas, isso é mais uma evidência de que o fenômeno da transubstanciação não foi coisa inventada mais tarde pela Igreja, como dizem alguns. Os discípulos já acreditavam nisso desde o início.
Houve perseguições e muitos cristãos foram martirizados por causa da sua fé e por suas atitudes em consequência daquilo em que acreditavam (1 e 2). Nossa fé se fundamenta neste testemunho heroico e sobre-humano dado pelos primeiros cristãos, que seguiram à risca os ensinamentos de Jesus e transcreveram sua Palavra, que permanece para sempre.

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sábado, junho 08, 2019

O universo é lindo



En français
In English 
Quero agradecer muito. Recebo tantas pequenas-grandes delicadezas da Misericórdia Divina no dia a dia! E cada momento desses traz um consolo imenso. É preciso treinar o coração a amolecer – ô dureza! Tenho que treinar muito mesmo, porque é muito difícil sentir que sou um nada, mas que, nessa miséria assumida, posso experimentar um conforto incalculável que Ele concede, às vezes numa fraçãozinha de segundo que enche a alma de prazer – são gozos mesmo do espírito – e fico feliz pelo resto do dia. Claro que isso não vai consertar a natureza, nem dentro nem fora de mim. Mas dá alento para continuar firme, tentando melhorar, apesar de tanto sofrimento que existe.
Às vezes, a gente fica achando o mundo e nós mesmos ruins demais. Muitos se perguntam, em sobressalto, como acreditar numa doutrina que diz que isso é obra da bondade de Deus?
Eu acredito porque aceito que o universo em que habitamos, incluindo nossa própria configuração, com a forma de vida que conhecemos, nessa evolução sofrida e dolorosa, seja mesmo a nossa segunda chance. Está tudo imperfeito e corrompido, como num círculo vicioso, por causa do dito Pecado Original – sabe-se lá o que pode ter sido isso que eu gosto de chamar de “Big Bug”, como em informática (1, 2). Ainda assim, é dádiva de Deus para nós, para termos a possibilidade de escolher o Verdadeiro Caminho.
Conclusão: o Universo é LINDO! É o nosso passaporte sagrado! A escolha é nossa, por Ele, nEle, com Ele. Tento visualizar o olhar de Jesus, no momento em que os olhos dEle foram-se abrindo, no instante da Ressurreição – inimaginável a energia desse evento! – ainda com aquela tristeza no olhar, de morte tão sofrida, mas se enchendo do brilho da Vida... Amor puro de Graça, de graça (3).
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Links relacionados:
2 – Excertos

sexta-feira, junho 07, 2019

O Dia D

Padre Huard
Historica Canada:
https://youtu.be/VUMu5NqLAkQ

Na minha opinião, ao contrário do que alguns pensam, todos os aliados foram importantes para salvar o mundo dos nazistas. Uns sem os outros não teriam conseguido. Até o Brasil foi importante, na Campanha da Itália, apesar de não ser mencionado em praticamente nenhum documentário internacional; provavelmente, porque faziam parte das tropas americanas, foram "catalogados" como americanos.
O Canadá também participou ativamente como aliado, fazendo parte das tropas britânicas. O "Jour J" é lembrado aqui exaustivamente. Ontem, por ocasião das comemorações, escutei uma entrevista com um ex-combatente canadense (quebequense), que está hoje com 94 anos. Ele participou da invasão das praias da Normandia. Um depoimento comovente, embora ele responda às perguntas do entrevistador sem sentimentalismos, sem vitimização, apesar de ter pesadelos com cenas da guerra até hoje.
Coisa horrível, qualquer guerra, não dá para ter espírito de vanglória de jeito nenhum. Foi num aperto MUNDIAL que os aliados conseguiram vencer. Muito triste, tudo isso.
Fiz uma tradução da entrevista. O link para a reportagem e outros seguem abaixo.
“Journal de Montréal (JdeM): Cinco mil soldados canadenses foram mortos, durante o desembarque na Normandia... Era um dilúvio de tiros... É mandatório que nos lembremos, hoje, daqueles que sacrificaram suas vidas e, também, dos que sobreviveram, que estão entre nós ainda hoje e que podem falar sobre isso. Somos de sorte, esta manhã, de falar com alguém que participou do Desembarque na Normandia e nós o contactamos imediatamente, por telefone, o Sr. Pierre Gauthier.
- JdeM : Sr Gauthier, bom dia.
- Sr Gauthier : Bom dia.
- JdeM : Inicialmente, qual lembrança, qual a primeira imagem que lhe vem à cabeça deste 6 de junho de 1944?
- Sr Gauthier : Eu me lembro de ter tido enjoo causado pelo mar, nos pequenos barcos que usamos para chegar à praia. Éramos todos jovens soldados, vomitávamos, etc, e tínhamos medo, obviamente.
- JdeM : Vocês estavam em barcaças e depois foram transferidos a pequenos barcos, com os quais chegaram às praias. O senhor tinha 19 anos. O senhor sabia, estava plenamente consciente de que a morte podia estar à sua espera e de seus companheiros também?
- Sr Gauthier : Claro, tínhamos feito vários exercícios na Inglaterra, durante nosso treinamento, e sabíamos o que iríamos encarar na praia.
- JdeM : Diga-me, exatamente na praia... dê-nos uma ideia... vimos filmes – há muitos filmes que foram feitos sobre isso – vimos imagens que talvez possam nos ajudar a ter noção do que foi desembarcar nessas praias. Primeiro, não era o tempo desejado para um desembarque, as condições estavam muito difíceis. Como isso se passou, quais lembranças o senhor pode partilhar conosco?
- Sr Gauthier : Quando pusemos os pés na praia, era preciso correr em direção ao interior da França e tentar evitar os tiros dos alemães, etc. Nossa tarefa principal era penetrar no interior da França, sair da praia o mais possível, porque enquanto estávamos na praia, estávamos muito vulneráveis – os alemães estavam atirando em nós, tivemos que correr o mais rápido possível e tentar encontrar os lugares onde eles tinham construído locais para atirar em nós.
- JdeM : Li vários artigos sobre o senhor, entre outras, uma imagem que ficou na sua memória, justamente dessa praia, foi a do padre encarregado do regimento, que estava na praia; e há vários de seus colegas, de seus amigos, que sucumbiram aos tiros dos alemães. Fale-nos desta lembrança que o senhor tem.
- Sr Gauthier : O padre encarregado do regimento era muito corajoso, ele serviu sob os tiros, no meio de nós; era um padre católico, que tinha muita consideração para conosco e nos ajudou muito, nos deu coragem. Ele era um homem muito corajoso.
- JdeM : E, infelizmente, nesta Praia de Juno, naquele dia, ele teve que ministrar o último sacramento a vários?
- Sr Gauthier : Exatamente. Antes do Desembarque, na Inglaterra, ele nos olhou nos olhos e nos disse que era importante que nós nos confessássemos – nós éramos todos jovens católicos, era necessário fazer nossa confissão. Ele queria nos dar os cuidados da religião.
- JdeM : Sr. Gauthier, 75 anos mais tarde, o senhor continua a ter, constantemente, imagens daquele dia, na sua mente?
- Sr Gauthier : São coisas das quais a gente não se esquece nunca, ficam gravadas em nosso cérebro; a gente tem pesadelos, frequentemente, à noite, e pensa nesse evento e nos outros eventos, vários, na guerra em que combatemos, nosso regimento.
- JdeM : O senhor participou desta campanha da Normandia e penso que foi até a Holanda, onde o senhor foi ferido, não é?
- Sr Gauthier : Isso, exatamente.
- JdeM: ... por estilhaços de obus. Mas, diga-me, sei que esta terrível provação por que passou lhe permitiu, contudo, encontrar o amor, sua esposa. O senhor a conheceu lá, em combate...
- Sr Gauthier : Bem, conheci minha mulher na Inglaterra, antes do Desembarque. A gente se encontrou em uma sala de dança. Nós, soldados canadenses, íamos em salas de dança, quando tínhamos pausas para repouso, e dançávamos com as moças. Era um prazer, em cada cidade, em cada vilarejo, na Inglaterra, havia uma sala de dança; sábado à noite, quando estávamos de folga, íamos às salas de dança e dançávamos com as moças.
- JdeM : É o lado mais leve, mais alegre desse combate, que o senhor narrou como provação lá. Diga-me, para finalizar, é necessário não se esquecer jamais do dia 6 de junho de 1944. O senhor acha que temos a tendência de falar sobre isso por ocasião do “Dia da lembrança” (Jour du Souvenir) e de esquecer rapidamente?
- Sr Gauthier : Não se deveria esquecer jamais, foi um período muito importante para mim e para os soldados canadenses que participaram. Seria preciso falar com mais frequência sobre isso; há 75 anos, mas os sacrifícios que os jovens canadenses fizeram não podem ser esquecidos. É só ir a lugares como Bény-sur-Mer e ver todos os jovens canadenses que perdemos lá… é muito estressante...  e a todos esses cemitérios, e ver centenas e centenas de canadenses que deram suas vidas. Não se pode esquecer isso jamais.
- JdeM : Certamente. Sr. Gauthier, somos privilegiados de poder falar com uma testemunha deste evento histórico, como o senhor. Da parte de todos que o escutam, obrigado ao senhor e a todos e todas que colocaram em risco suas vidas, participando desta operação. Somos eternamente gratos por terem, dessa maneira, mudado a história. Obrigado por nos ter falado, esta manhã.
- Sr Gauthier : Merci, bonjour.

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