segunda-feira, dezembro 17, 2018

Boa viagem

Catedral Nossa Senhora da Boa Viagem
(website da Arquidiocese de BH)

Quando minha mãe ainda estava em plena atividade física e mental, costumava sempre dar uma passadinha na Catedral de Nossa Senhora da Boa Viagem. Não era a paróquia dela, mas gostava de ir lá. Nunca perguntei por que razão, mas posso deduzir: foi onde se casou, havia horas com o Santíssimo exposto para adoração, era lá que meu pai fazia “adoração noturna”.
Já mais idosa, não podia ir sozinha, sobretudo por causa da violência urbana em Belo Horizonte – as vítimas preferidas dos “pivetes” daquele tempo eram mulheres e idosos. Atualmente, penso que não há mais escolhidos, todos são presas fáceis para a bandidagem que anda armada.
Minha mãe tinha uma lista de almas por quem ela mandava celebrar missas. Desconhecidos também eram agraciados. Assim, ela era convicta de que beneficiava as “almas do purgatório”. Tinha até "conta" na secretaria da Paróquia de Boa Viagem, telefonava para lá e enumerava os pedidos. Como se fazia antigamente nos armazéns, todo mês ela ia pagar sua dívida. Sempre arranjava um jeito de ir. As moças que trabalhavam lá já eram conhecidas.
De modo geral, as almas que contavam com aquela atenção mensal eram de pessoas já falecidas, mas, vez por outra, uma missa em Ação de Graças por favor Divino alcançado por algum familiar vivo entrava na lista de encomendas. Foi o que aconteceu comigo, certa vez.
Já escrevi sobre este episódio [1], mas tenho tamanha gratidão, que não resisto, conto o caso mais uma vez, à guisa de louvação. E quem ler este leva o presente de poder ler outro, não de minha autoria – um texto encantador, de quem verdadeiramente tem o dom literário, cuja leitura me fez lembrar de minha mãe e de tantas outras almas, desencadeando uma salva de ave-marias, que a compulsão ainda não me permitiu terminar de rezar são muitas 😇😂. O link desemboca no Facebook [2], na página do escritor, arquiteto, fotógrafo, etc, Eduardo Affonso; espero que o leitor tenha a possibilidade de ver.
Mas, voltando ao meu caso, tinha eu obtido êxito em algum ponto do percurso normal da minha vida, uma etapa qualquer vencida, não me lembro mais qual, comum na vida de qualquer pessoa; mas para minha mãe, cada etapa que seus filhos venciam era motivo de muita alegria e agradecimento a Deus, como graça concedida. Ela havia, então, mandado celebrar missa em ação de graças.  
Quis que fôssemos com ela, minha irmã e eu. Pois bem, fomos. Como de costume, o padre leu as intenções da missa em voz alta. Para nossa surpresa, o meu nome foi anunciado como de uma pessoa falecida, para cuja alma rogávamos a Deus perdão e salvação eterna. Ficamos perplexas, por alguns instantes. Em seguida, nos entreolhamos como se nos perguntássemos se tínhamos entendido a mesma coisa... Sem dizer nada, continuamos ali, até o final da missa; eu estava em estado de choque.
Segurei o choro tanto quanto pude, mas não consegui me conter ao chegar em casa. Minha mãe chorava também e me pedia desculpas. Coitada, ela não tinha culpa. Havia sido um mal-entendido; eram tantas missas em intenção de tantas almas na lista dela, que a secretária pensou que fosse mais uma e ali acrescentou meu nome. E, afinal, o que valia era a verdadeira intenção. Passou... aquele mal-estar se dissipou rapidamente, quase virou anedota. Eu estava viva.
Hoje em dia, agradeço infinitamente à minha mãe, pois não sei, após a minha morte, se haverá alguém de meus conhecimentos que se lembre de mandar celebrar missa em intenção de minha alma ou que ainda acredite nisso; pelo andar da carruagem... Por via das dúvidas, já tive uma, minha mãe já garantiu alguns pontinhos para mim. Onde ela estiver, se puder "me ler", saiba que sou muito agradecida e rendo graças a Deus pela mãe que tive... Mais uma ave-maria por ela, que amanhã completa três anos que partiu em "boa viagem"! 🙏

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