Trechos de: Nos bastidores do Câncer. VIEIRA-MONTFILS, M.C. Petrópolis, Brasil: KBR, 2015
(Nota : o masculino genérico é usado sem discriminação e unicamente com o intuito de tornar o texto mais ágil)
"O médico - quem é ele? Quem é essa pessoa que quer se arvorar em alguém que cura? O dicionário nos diz que é uma
pessoa que exerce ou pode exercer legalmente a Medicina. Desde o início dos tempos, todas as comunidades humanas – até mesmo
as mais primitivas – sempre tinham alguém que tratava os doentes, por
vezes, considerado como uma
espécie de mago ou feiticeiro com poderes sobrenaturais. Os
conceitos mudaram,
mas ainda existe hoje
um remanescente dessa crença, porque consideramos que o médico deve ter uma "vocação" e um talento especial para
a prática de sua profissão. Pelo
menos, ele deve ser um estudante aplicado,
uma vez que na maioria dos países o
acesso à Faculdade de Medicina é para aqueles com melhores notas ou os que têm sucesso nos
exames para entrar na
Universidade. E é compreensível
que seja assim, porque o médico é quem
vai cuidar do bem mais importante para nos manter vivos – a saúde."
..............................................................................
..............................................................................
"Tomamos por certo que a busca pela cura é uma
idéia lógica. Mas se fizermos uma
pausa para pensar um pouco, se tentarmos
libertar nossa mente de seu
estado de condicionamento habitual, vamos nos encontrar diante de uma atitude que representa uma tentativa de
contrariar a natureza perecível do
nosso universo – o que conhecemos
do universo. Na verdade, o médico
é uma pessoa que trabalha sempre contra a corrente – seu
objetivo é reverter os processos naturais que nos fazem perecer. Neste sentido, o médico continua a ser alguém que tem uma vocação para o
sobrenatural, não muito longe do feiticeiro
das tribos primitivas. Digo sobrenatural , obviamente, em seu sentido estrito, isto é, além das leis da natureza (deste universo como o conhecemos). Claro que, para tratar as pessoas doentes, o médico tem apenas
as ferramentas criadas neste mesmo
universo e sujeitas às mesmas
leis. Mas isso não muda o fato de que é uma
ação para combater nossa natureza
perecível. Parece paradoxal e eu digo "parece"
porque sabemos tão pouco sobre nós mesmos, seria arrogante ter certezas."
........................................................................
"Por que escolhemos a profissão médica? Que
motiva um jovem estudante para decidir por esta área? Posso responder a esta
pergunta, em parte, no meu caso. Quando escolhi ser médica, eu queria conhecer
mais profundamente o ser humano e tentar ajudar as pessoas. Meu pai era médico
e não posso dizer que na minha escolha não fui influenciada por ele, um médico
altamente qualificado e dedicado, que praticava sua profissão caridosamente,
era considerado uma pessoa abençoada. Em um país onde havia (e ainda há)
uma grande parcela da população vivendo
em situação de pobreza e numa época em
que o sistema de saúde não era tão burocratizado como hoje,
ele dedicou sua vida a ajudar os outros. Foi também professor universitário. Com certeza, pessoas assim influenciam fortemente aqueles que estão
ao seu redor."
..............................................................................
"Não é fácil ser médico! E é só quando saímos
completamente do "cenário", que nos damos conta disso. Os médicos
estão tão ocupados em estudar, avaliar e tratar seus pacientes, que não podem
se dar ao luxo de se comoverem. Com efeito, muitas vezes, são acusados
de indiferença, porque são muito concisos durante a consulta e o
acompanhamento do paciente e aparentam uma certa insensibilidade. Isso é normal
e involuntário, como defesa, para manter a sua integridade emocional. E isso é
bom, eu acho. Tendo que tratar muitos pacientes, ele deve manter a sua razão, seu
intelecto, na melhor condição possível para tomar decisões importantes para o
paciente."
............................................................................
"Com todos os desafios e todas as qualidades
necessárias para ser um bom médico, podemos compreender que o orgulho e a
vaidade venham-se juntar à lista. E isso é normal, até mesmo útil para o bom
desempenho de um papel tão exigente. Compreende-se também que, por vezes, a
vaidade pode transbordar. É preciso estar sempre vigilante para não se deixar
dominar pelo sentimento de onipotência, porque estamos muito longe desta
condição. Na realidade, a onipotência não existe neste mundo perecível. Seria
ridículo demais agir como se a tivéssemos.
Às vezes, é o paciente que demonstra uma reverência
exagerada para com o seu médico, em um verdadeiro jogo de dominação/submissão.
No passado, isto ocorria mais frequentemente. Hoje, a relação médico/paciente
mudou graças à facilidade de acesso à informação, para o próprio paciente. Este
é cada vez mais presente nas tomadas de decisão. Mas não devemos exagerar, o
paciente não tem o treinamento necessário para decidir tudo sobre o seu
tratamento. Mesmo quando o doente é um médico, ele nem sempre se encontra em
estado emocional suficientemente estável para ser capaz de decidir sobre a
própria doença."
.........................................................................................
.........................................................................................
"Por vezes, sinto-me culpada por ter deixado o meu
povo, meus pobres, mas essa sensação desaparece quando penso que consagrei a
eles grande parte da minha vida, o melhor da minha juventude."
.........................................................................................
"- É preciso sempre ter uma atitude de investigação aguçada em todos os
sentidos, sempre nos perguntarmos se tomamos o caminho certo."
...........................................................................................
"- Planejem seu trabalho e seu descanso. E se se sentirem cansados,
desanimados, arranjem tempo para recarregar as baterias. Mas não deixem seus
colegas sozinhos na batalha, e, principalmente, não deixem seus pacientes sem consolo.
Não desistam, por favor."
...........................................................................................
(VIEIRA-MONTFILS, M.C. Nos bastidores do Câncer. Petrópolis, Brasil: KBR, 2015: http://www.amazon.com.br/dp/B00W46DHBM)
...........................................................................................
(VIEIRA-MONTFILS, M.C. Nos bastidores do Câncer. Petrópolis, Brasil: KBR, 2015: http://www.amazon.com.br/dp/B00W46DHBM)
Nenhum comentário:
Postar um comentário