Dr. Yvon Rodrigues Vieira |
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A varanda com piso verde pálido, feito de pequenos hexágonos, as paredes rebocadas, um banco tosco, era tudo o que compunha o “ambulatório” instituído pelos próprios pacientes que vinham em busca de socorro, sabendo que ali naquela casa morava um médico caridoso, que exercia sua profissão realmente como um sacerdócio. Muitas vezes, quando ele chegava do trabalho, já havia uma fila que o esperava; começando no passeio, entrava pelo portão de ferro, sempre aberto na frente da casa, serpenteava descendo a escadaria da entrada, até chegar na varanda.
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A varanda com piso verde pálido, feito de pequenos hexágonos, as paredes rebocadas, um banco tosco, era tudo o que compunha o “ambulatório” instituído pelos próprios pacientes que vinham em busca de socorro, sabendo que ali naquela casa morava um médico caridoso, que exercia sua profissão realmente como um sacerdócio. Muitas vezes, quando ele chegava do trabalho, já havia uma fila que o esperava; começando no passeio, entrava pelo portão de ferro, sempre aberto na frente da casa, serpenteava descendo a escadaria da entrada, até chegar na varanda.
- 18 de outubro,
Dia de São Lucas, patrono dos médicos, é
dia deles no Brasil. Mais uma oportunidade para homenagear meu pai. Todos os
dias dos meus anos de vida não seriam suficientes para render-lhe tributo.
Naquele tempo não existia
SUS – Sistema Único de Saúde –, nem único, nem universal. Com a Constituição
Federal de 1988 (CF-88), a Saúde passou a ser direito de todos e dever do
Estado. Meu relato é de antes até do antigo INPS, criado somente em 1966. Quem não
podia pagar era tratado como indigente, aos cuidados de entidades filantrópicas.
E muitos ficavam “ao deus-dará”. Neste contexto primitivo, felizmente, havia
pessoas como o meu pai, através das quais Deus dava.
- Crianças ainda, pés descalços ou com sandálias de dedo, curiosos e
preocupados com os pacientes, ficávamos ali em volta, entre tosses, espirros e
choros, recebendo imunização natural para várias doenças, presenciando o
atendimento médico. Por vezes, ajudávamos minha mãe a achar o medicamento
prescrito, nas caixas de amostra grátis que meu pai recebia dos Laboratórios e
que ficavam reservadas aos necessitados. Respeitávamos rigorosamente a
proibição de tocar nelas – tudo explicado cientificamente é muito bem aceito
pelas crianças.
Homem de vasta cultura e
vasta experiência médica, meu pai era simples, católico praticante de verdade,
com muita fé e de comunhão diária. Quando ainda jovem médico, viajou pelos rincões
de Minas Gerais, a serviço da Saúde Pública, enfrentando situações as mais
diversas e adversas, às vezes em locais onde só se chegava a cavalo. Co-fundador e
professor universitário em Belo Horizonte, na primeira metade do século XX,
nunca se gabou disso, tampouco recebeu alguma remuneração por toda a sua
dedicação ao ensino.
Era amado e respeitado por
todos que o conheceram. Foi-se esvaindo durante aproximadamente 10 anos, sendo
consumido, aos poucos, por doença degenerativa – foi perdendo a memória, a motricidade... nunca perdeu, porém, a humildade,
a paciência e a extrema polidez que sempre o caracterizaram; deixava todos
desconcertantemente honrados em cuidar dele, pessoa com tão nobres sentimentos.
- “Que peleja! Estou dando muito trabalho. Muito obrigado.”
Morreu alguns dias antes de completar 74 anos.
- “Que peleja! Estou dando muito trabalho. Muito obrigado.”
Morreu alguns dias antes de completar 74 anos.
- Tempos após a morte do meu pai, um bêbado risonho desce a rua,
trôpego – já na era da criminalidade urbana. Ele reconhece um de meus irmãos no
portão de casa, apesar de não terem-se visto desde a infância, e puxa conversa,
quer saber notícias de Dona Esther. Sobrinho de Sá Ana, uma antiga empregada
doméstica. Ele comenta que os jovens no Morro do Pau Comeu não são como eles
eram; mas ele sempre os adverte para não se atreverem a tocar na casa do Dr.
Yvon, aquele homem santo que os ajudou tanto.
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