Rua Rio Doce (by Maria do Carmo) |
Para quem morou na rua Rio Doce, para recordar alguns momentos...
Década de 1950 (segunda
metade):
Na esquina com a Marquesa de
Alorna, quatro crianças ainda bem pequenas estão esperando o ônibus escolar,
cabelo penteado, uniforme escovado, sapato engraxado: José João, Leonídia,
Francisquinho e Simoninha, esta última a dois passos de sua casa, logo ao lado
da casa de Dona Esterzinha. Os outros três moram na esquina com a rua Dante.
- Bons tempos aqueles, quatro pequerruchos poderem ficar sozinhos na
esquina.
- Mas a vizinhança era como uma grande família, os pais cuidavam de seus
filhos e um pouco dos outros também. Mesmo assim, quase que essas crianças
foram raptadas por um homem que passou em um carro chique, oferecendo carona.
- Não fosse o José João sair gritando “papai”, mesmo sabendo que seu pai
já tinha saído para o trabalho, e não fosse o Dr. Wilson chegar ao portão da
sua casa, do outro lado da rua, ao lado da casa das gêmeas, não fosse todo o
estardalhaço que se formou, com a vizinhança em polvorosa, talvez o pior
tivesse acontecido. Naquela altura, o carro já estava longe.
- Benditas advertências da mãe do menino que disparou o alarme, que
sempre alertava para todos os perigos possíveis e imagináveis.
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Noite fechada, o vento sopra
forte na Avenida do Contorno, vindo dos lados da Serra da Piedade, nenhuma
viv’alma nas ruas. Aponta na boca da Rio Doce a família do Dr. Yvon, depois de
passar o domingo na casa da avó das crianças; o caçula no colo de Dona Esther,
os mais velhos pulando e correndo em volta do casal, todos bem agasalhados. O
friozinho da noite não perdoa, mas já ao virar a esquina e entrar na rua,
protegidos do vento e quase a um passo de casa, eles já se sentem aconchegados.
Todos dormem tranquilos nas suas casas, não passam carros na rua, o único barulho
que se ouve são os latidos dos cachorros, no Morro do Pau Comeu, ao longe. Lá
vão eles na escuridão. Com um pouco de sorte, a luz da varanda da casa de Dona
Nair Prates pode ainda estar acesa.
- Mas não havia perigo. O problema era mesmo a precária iluminação com
lâmpadas incandescentes, em somente dois ou três postes de madeira, em todo o
trajeto. Até chegar na Marquesa de Alorna, era fácil, a rua já era calçada. O
difícil era o segundo lance, ainda sem calçamento. Pior ainda, quando chovia,
as enxurradas de barro.
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Abril, outono, o mês das
florinhas douradas, o morro está cheio de raios de sol descendo as ladeiras,
inundando a rua Rio Doce. Cabras com seus cabritinhos escalam barrancos e
beirais, mulas e cavalos pastam no mato alto, cães vira-lata, escorpiões... dá
de tudo. De vez em quando, tem cavalo que sai dando coice e relinchando. Quem
foi que atazanou o animal? Com os escorpiões é preciso tomar muito cuidado! E
recolher para mandar para o Instituto Ezequiel Dias fazer soro.
- Francisquinho, por um triz, quase morreu, picado por escorpião.
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Lá vai Sá Maria Pequena, com
seu cajado, olhando pra todo lado. A menina na calçada corre pra dentro de casa, com medo dela; o irmão segredou-lhe no ouvido que ela é muito brava. Ele não tem medo, continua
brincando na rua, guerrinha de mamona no bodoque. Melhor entrar mesmo, antes de
levar uma bodocada.
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Década de 1960:
Rede de vôlei bem no meio da
rua, jovens adolescentes se divertem na tarde de sábado. Mais abaixo, alguns
meninos jogam pelada. – Vem um carro, gente, para a bola! – Seu Melchior no
portão, com seus cachorrinhos miniatura pinscher, observa a turma.
De repente, desce a rua,
correndo, o Tupã, o cão boxer mais corredor que já se viu; e, atrás dele,
desabalado, o Deda, filho de Dona Didi e Seu Gorasil. Todos ficam em suspense,
se perguntando se o Deda vai conseguir alcançá-lo... sempre consegue.
Sérgio de Dona Zenólia,
Fernando "Branco", "Rato", José João, "Cecéu" e mais alguns outros, todos já
rapazinhos, sentados nas grades da casa de Dona Ruth e Seu Melchior,
conversam com Lelena, Dóris, Vânia... Quem mais? A criançada pequena brinca na
rua também, uma correria danada. Solange brinca de boneca, com as amiguinhas,
no alpendre da sua casa, em meio às rosas do jardim mais bem cuidado da região.
- Finalmente, um longo trecho da
rua Rio Doce já tinha recebido calçamento, até a altura da rua Monte Alegre, lá
no alto. Já era hora. A rua já estava cheia de casas e prédios residenciais, a
urbanização ia de vento em popa, a população só crescendo... um verdadeiro “baby-boom”.
- Por falar em Dona Ruth, a rua Rio Doce sempre teve famílias morando em
pontos diversos. Dona Ruth era irmã de Seu Cícero, ela morava no primeiro lance
da rua, na altura da Marquesa de Alorna, ele morava lá no alto. Os Benfica,
estes se instalaram em três ou quatro pontos. E tinha os Chaves também, Dona
Chiquita (do Seu Candinho) tinha irmãos que moravam no quarteirão de cima. O
João da Sônia (de Dona Zenólia) também é irmão dela. As famílias se visitavam
frequentemente.
- É mesmo. A gente sempre via um Benfica que subia a rua, um Chaves que
descia, e vice-versa, gente de alta estatura, em todos os sentidos. Dona Chiquita,
sempre risonha, dando adeusinho para a vizinha que estava no portão. Seu Cícero
descia a rua em passos apressadíssimos.
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- Dona Marta, a eterna professora... era criança que entrava e saía da
casa dela sem parar, o dia inteiro. Dr. Machado e sua famosa kombi, Dr. Abel e
Dona Cecília, Dona Maria Helena e Dr. Pedro, Dona Neusa, simpática
representante do Nordeste – “é bonito que é medonho!” – dizia ela, com aquele
sotaque delicioso.
- Tanta gente passou por essa rua. Faltam muitos nesta história: os
Gianetti, os Laender, os Couto, os Bicalho, os Siqueira, Seu Licas e família,
Dona Hilda “malheira”. Aos poucos, a gente vai-se lembrando de todo mundo. O
tempo não parecia passar tão rápido naquela época, agora tem-se a impressão de
que foi tudo num piscar de olhos.
- Depois do calçamento, mais gente lá do alto do morro começou a passar
pela rua, como as irmãs de Sá Ana: Etervina, Malvina, Minervina... elas também
fizeram parte importante da história da Rio Doce. Sim, tanta gente passou por
aqui, fazendo amizades, deixando saudades...
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Década de 1970:
Verão colorido, alegre, na
rua Rio Doce, férias escolares, crianças e adolescentes se movimentam no
passeio, ora em frente ao prédio onde moram Dona Dalva e Seu Murilo, ora na casa
da Dona Lúcia Moraes, ora em frente ao prédio da Rafaela, ora no prédio onde
moram o Baixinho, a Dona Beatriz Bicalho, também Eliane e Mônica e outros
tantos...
- A turma vivia num entra e sai de uma casa para a outra, sobe rua,
desce rua... Ah... a alegria da juventude!
- Dona Dalva deixou muita saudade, aqueles lindos olhos que emanavam bondade...
- Entra e sai também na casa da Josina, que era a costureira de plantão
da Rio Doce.
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Sons melodiosos escapam pela
janela do prédio na esquina da rua Dante... deve ser o Rodolfo.
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Chove torrencialmente, água
desce como correnteza de rio... Rio Doce, “marotar” faça chuva ou faça sol...
Baixinho, Tarcísio, Bamba e muitos outros se reúnem na casa do Marote, questão
de discutir todos os assuntos, desde os mais filosóficos aos mais corriqueiros,
prazer de atividades lúdicas, rir, gargalhar.
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Vista: o sol aparece na hora
de se pôr, entre o Edifício Brooklin e uma nuvem dourada. Uma rajada de vento
vem do morro, do outro lado, e traz um batuque de escolas de samba que se
preparam para o desfile do Carnaval.
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- Nessa época, um interesse crescente por música mineira tomou conta da
cidade e os moradores da rua Rio Doce acompanharam a tendência com especial
carinho. Claro, a musa de Beto Guedes morava na rua... a bela Silvana.
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Década de 1980:
Dezembro, Natal: Papai Noel
desce a rua de carroça, a criançada agitada, os adultos também. A rua toda
participa, vem gente de longe para ver. Palanque montado, show à noite. Será
que vai ter show do Beto Guedes?
- Todo ano corria o boato de que
o Beto Guedes ia cantar naquela noite... mas não passava de boato.
- (Update 22/10/2017) Os shows eram uma beleza, não posso deixar de dizer isso. Eram feitos pelo grupo O BONDE. O primeiro show foi em 1979.
- (Update 22/10/2017) Os shows eram uma beleza, não posso deixar de dizer isso. Eram feitos pelo grupo O BONDE. O primeiro show foi em 1979.
- Bons tempos de rua alegre e festeira... Saudades.
- Acho que foram os últimos tempos com todo mundo reunido. Depois disso,
a rua virou cidade grande, cada um no seu canto...
Parabéns Do Carmo. Provocou em nós belas recordações. Bamba
ResponderExcluirObrigada, Bamba! Abração!
ResponderExcluirOs únicos que ainda permanecem na região são os escorpiões que aparecem nas obras novas da rua.
ResponderExcluirÉ... os escorpiões estarão sempre por lá. A não ser que comece a nevar e fazer muito frio em BH... rsrsrsrs
ExcluirObrigado pelo seu update! O BONDE foi, realmente, cria da Rua Rio Doce! Da paciência do Murilo Sem Grilo e de Dona Dalva. Do apoio de tantas pessoas que nem dá pra citar nomes por que alguém pode ficar de fora... Uma das crias de lá, também, foi Gabriel Guedes, filho de Beto e Silvana. Ele veio no início dos anos 80. Na verdade, em 79. Mas bem me lembro dele engatinhando e brincando com uma flauta doce na casa do avô materno.
ResponderExcluirMuito obrigada!
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