Não sei se hoje é
obrigatório cursar o que chamávamos de "Jardim de infância", no
Brasil. No meu tempo não era, e eu não fiz. A obrigatoriedade era a partir dos
6-7 anos de idade, para o curso primário. Mas não posso dizer exatamente que
não fiz o "Jardim de infância". Havia um jardim lindo na casa de Dona Zenólia, nossa vizinha muito querida. Ele era cheio
de rosas, cuidadas com extremo zelo. Pois foi ora em minha casa, com meus pais, ora brincando nesse jardim,
frequentando a casa dela, quase que diariamente, que aprendi a ler e a
escrever, muito antes de ir para a escola.
A gente nunca esquece a
primeira mestra. Ela era professora e diretora de um Grupo Escolar, como eram
chamadas as escolas públicas de ensino primário, naquele tempo. No ano em que eu completaria 7 anos, de acordo com resoluções educacionais,
não poderia me matricular em uma escola, porque meu aniversário era em julho.
Teria que esperar o ano seguinte. Dona Zenólia não admitiu que isso
acontecesse. "Esta menina
já sabe escrever e ler correntemente, não pode perder um ano inteiro",
disse ela, e me lembro nitidamente da sua voz dizendo isso. Pois lá fui eu, com o aval da Diretora, estudar no Grupo Escolar Henrique Diniz. Agradeço a ela
por isso e por muito mais.
Também
não me esqueço do rosto e da delicadeza de minha primeira professora oficial,
no Grupo, apesar de tê-la visto por tão pouco tempo. Dona Zeni era um encanto.
Logo, logo ela tirou licença-maternidade e outra a substituiu, Dona Zenaide. Curioso, não? Minhas três
primeiras professoras tinham o nome começando pela letra Z.
No
ano seguinte, Dona Zenólia se aposentou, e meus pais me puseram em uma outra
escola. Mas esse primeiro ano me marcou, tenho dele tão boas recordações!
Felizmente, pude aprender ainda muitas coisas com minha primeira professora,
pois ela sempre me ajudava nos deveres de casa. Naquele tempo, em Belo Horizonte,
a vizinhança era como uma grande família, todos se ajudavam mutuamente, em todas
as circunstâncias da vida.
Fomos
abençoados de ter Dona Zenólia como vizinha, uma professora exemplar. Era uma
pessoa admirável, assim como seu marido e toda a sua família – pessoas boníssimas,
que cultivavam o saber, sem alarido nem vaidades, e que ajudavam, com discrição
e eficiência, todos que porventura precisassem deles – exemplo da verdadeira
elegância da existência humana.
A
casa era um caso à parte. Em estilo moderno, no auge na década de 1960, era uma
joia incrustada na rusticidade da rua sem calçamento e onde ainda predominavam os lotes vagos. A parede do salão de visitas era em
curva, toda de vidro, dando para o jardim. O sofá acompanhava a curva. O
alpendre era coberto por uma marquise em forma geométrica, suportada por um
conjunto de cilindros, cada um de uma cor, que se apoiavam embaixo, juntos, em um
cubo, e iam encontrar o teto em forma de leque, fazendo lembrar um jogo pega-varetas.
Por dentro, tudo impecável, cada cômodo era de uma cor.
Ah...
Como gostávamos daquela casa! Para meu irmão caçula e para mim, era um
segundo lar. Quando meu irmãozinho era ainda neném, não saía do colo da
filha mais velha de Dona Zenólia que, ainda mocinha-menina, largou suas bonecas para brincar
com um “baby” de verdade. Muitas vezes, ela ia buscá-lo lá em casa e passava horas
com ele. Essa imagem me veio à cabeça como uma fotografia que, lamentavelmente,
não tiramos, e que eu não poderia deixar de registrar aqui.
Mas voltando à minha professora, ela reinava na sua casa com a mansidão dos sábios. Dona Zenólia não era brava, mas impunha muito respeito, delicadamente, sem precisar falar alto. Com sua voz calma e pausada, controlava as crianças como num passe de mágica. Ela tinha realmente o dom do magistério e exercia sua profissão com dedicação vocacional.
Mas voltando à minha professora, ela reinava na sua casa com a mansidão dos sábios. Dona Zenólia não era brava, mas impunha muito respeito, delicadamente, sem precisar falar alto. Com sua voz calma e pausada, controlava as crianças como num passe de mágica. Ela tinha realmente o dom do magistério e exercia sua profissão com dedicação vocacional.
Aproveito
o Dia do Professor para homenageá-la, com muita gratidão e saudade.
Ducarmo, beleza de crônica!
ResponderExcluir.
Abraço do primo Luiz Otávio de Lima Pereira
Obrigada, Luiz. Abração.
ResponderExcluirComo sou testemunha desse tempo, posso dizer que o relato é retrato da realidade, mas lindamente literário. Minha maninha tornou-se uma cronista e tanto!
ResponderExcluirMarote
Você é testemunha, com grande atividade. Era o xodó na casa de Dona Zenólia, principalmente de Sônia, que era adolescente ainda e, já com instinto maternal, vivia com você no colo. Ela ia buscar você lá em casa. Vc era muito pequeno, não deve se lembrar... :-)
ResponderExcluirAmei o texto com uma descrição que a gente até consegue vislumbrar a época e a casa.
ResponderExcluirMuito bem escrito e bonito.
Obrigada, querida. Comentário apreciadíssimo, vindo de quem entende do assunto escrever!
ExcluirÉ vero.
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