A saudosa Tia Dodô era muito querida de minha mãe, que tinha por ela grande admiração e carinho. A primeira vez em que Tia Dodô foi lá em casa, ela testemunhou uma das ocasiões em que a parede com acabamento em pedras de Ouro Preto, que dividia nossa sala em sala de jantar e sala de visitas, tinha sido demolida; se tivesse ido uma semana depois, quiçá estivesse lá a parede de novo. Naquele tempo, nossa casa estava em frequentes mutações; mudavam-se paredes, janelas e portas de lugar, como se fossem móveis. [1]
Talvez, tenham advertido Tia Dodô, antes da visita, para que não se assustasse muito com a simplicidade da casa e ela pode ter feito a associação com tamanho – pequena até não era. Pois seja lá o que for, ao entrar na sala com toda aquela amplitude, sem a parede – e tampouco havia excesso de móveis – generosa como era, exclamou: - É grande! “Palais de la Liberté”. Pois bem, durante muitos anos, quando queríamos dizer que alguma coisa não tinha nada a ver com a outra, em vez de dizermos "alhos com bugalhos", dizíamos "Palais de la Liberté" – uma das nossas muitas “piadas internas” – pois a casa não tinha nada de palácio.
O ruim de nossa casa ter estado sempre em construção [1], quando éramos crianças, com entulhos e tijolos empilhados por todo lado, foi o fato de Francisco, meu irmão, ter sido picado por um escorpião e quase ter morrido. Graças a Deus, sobreviveu e nós todos aprendemos a ter cuidado.
O bom de termos passado a infância
numa casa humilde, inacabada, feia, foi que nos acostumamos com aquela "normalidade" e nunca fizemos discriminação nem
segregação de ninguém, nem pobres nem ricos. Era um estado que considerávamos provisório, que melhoraria, um dia.
"Quem ama o feio, bonito lhe parece." Eu gostava da nossa casa, gostava de arrumá-la, mudava móveis de lugar e cada vez que alguma reforma mudava-lhe a aparência, eu achava tudo lindo.
Tínhamos o necessário, o amor incondicional entre nós. Pudemos estudar, aprendemos bons princípios, tínhamos amigos.
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[1] Em construção
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