Église Saint-André |
En français
Para início de conversa, já vou confessando que há muito tempo não me confessava. Nada para alguém que se diz católica se orgulhar. Já tentei arranjar boas desculpas para minha falta, mas nada justifica, cá entre nós.
Para início de conversa, já vou confessando que há muito tempo não me confessava. Nada para alguém que se diz católica se orgulhar. Já tentei arranjar boas desculpas para minha falta, mas nada justifica, cá entre nós.
Uma dessas desculpas com as
quais tentei me convencer de que não estava completamente errada foi a de que,
na cidadezinha onde moro, a única igreja católica que existe só tem horário para confissão
duas vezes por ano: uma antes da Páscoa, outra antes do Natal. Em ambas as
ocasiões, as estradas costumam estar congeladas e escorregadias, o que não me
anima a sair de casa. Mas para ir trabalhar, por exemplo, eu ia.
Bem, isso já está confessado
e perdoado, ontem, na igreja.
A solenidade dedicada ao
Sacramento do Perdão, na nossa Paróquia, é muito bonita – solene mesmo. Longa,
mas a gente não se entedia. Houve várias leituras, feitas cada vez por um dos
quatro padres. A música estava agradabilíssima; foi a primeira vez que ouvi o
órgão da igreja em função – durante as missas, são tocadas gravações de
cantorias. Havia cantores “in loco”
também. Podemos dizer, com propriedade, que tudo estava de concerto com o
motivo da cerimônia para que nos sentíssemos às portas do paraíso.
Num dado momento, um dos
sacerdotes nos convidou, todos, a nos dirigirmos ao pé do altar, onde se
encontravam dois cestos cheios de velas comuns, algumas novas, outras já um
pouco consumidas. Cada um de nós deveria pegar uma vela e colocar em um outro
cesto, no corredor central, sobre uma pequena mesa, onde estavam o círio pascal
e uma bíblia aberta, ornada com um terço.
Mais uma série de leituras,
orações e cantos...
Lá vamos nós, de novo, agora
para pousar a mão sobre a bíblia e, em seguida, fazer o sinal da cruz triplo, sobre
a testa, sobre os lábios e sobre o peito, para que a Palavra de Deus,
que é a luz que ilumina nosso caminho, seja acolhida na mente, anunciada com a
voz e conservada no coração.
Mais uma série de leituras,
orações e cantos...
Nesta altura, eu já estava
pensando que não haveria confissão auricular, que talvez fosse redundar no que
chamamos, no Brasil, de confissão comunitária, em que o padre reza com a
assembleia, orientando-a para se arrepender dos pecados e finaliza com
absolvição e bênção coletivas. Em algumas igrejas, o padre acrescenta que, quem
tiver pecado grave, poderá ir para a fila do confessionário. A multidão toda
olha em direção à fila, parece um gesto reflexo, certamente irrefletido; ninguém
arreda o pé do banco, a "fila" permanece vazia. Nunca vi alguém ir, não naquele
momento. Pudera!
Não, não aconteceu aqui.
Após mais uma série de leituras, orações e cantos, a assembleia foi orientada a
se dirigir aos quatro cantos da igreja, onde cada um dos padres aguardaria os
pecad... penitentes.
Em cada canto, um belo
confessionário, em madeira, grande, dando a impressão de segurança na
privacidade necessária à sua finalidade. Que nada! Os padres postaram-se, cada
um, de pé, do lado de fora dos confessionários, próximos a eles. E as filas
foram-se formando, com o primeiro da fila somente a alguns passos do padre, que
não estabeleceu distâncias. Era preciso cochichar bem baixinho para não ser
ouvido... e olhe lá. Com a carinha sorridente, magnânimo, o padre não fazia questão de falar baixo, escutávamos tudo
que, afinal, se resumia à absolvição ampla, geral e irrestrita.
Nunca tinha visto confissões
tão rápidas. Dada a celeridade do processo, tive que agilizar meu raciocínio,
transformando a minha contrição em tentativa – bem sucedida, ufa! – de fazer um
resumo, enquanto esperava a minha vez; aceleraram-se também meus batimentos cardíacos,
em solidariedade ao esforço mental. A tempo, consegui encaixar os pecados em categorias.
Tive que agrupar alguns em palavras-chave, para não ter que ficar explicando
muito. A fila andava numa velocidade impressionante! Nisso que dá ficar tanto
tempo sem confessar! Por pouco, não passei o vexame de ser a recordista em
demora na confissão. Graças a Deus, não obstruí os trabalhos.
“Pas de niaisage !” – como dizem
e cumprem os quebequenses.
E as velas lá no cesto, para
que eram, finalmente? Alguma estatística? Os padres contariam depois quantas
tinham sido transferidas para o cesto do corredor central? Enfim, chegou a hora
das velas, cada um acendeu a sua no círio pascal, rezamos, cantamos... já nos
sentindo leves como plumas.
Voltando para casa, nem
tive medo de dirigir nas estradas congeladas e escorregadias. Se fosse para morrer, estava na hora, ainda não tinha dado tempo de
pecar de novo. Por via das dúvidas, pedi proteção ao meu Anjo da Guarda, como
sempre faço.
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