sexta-feira, setembro 02, 2016

Persuasão


Foto: Bruna Carvalho
Faculdade de Medicina da UFMG
English version
Claro, se pensarmos em termos de população do Brasil, o que eu vou dizer aqui é sobre pessoas da classe média ou classes sociais mais ricas. Infelizmente, poucas pessoas pobres atingem altos níveis de estudo e poucas podem se dar a esse luxo, porque têm uma vida real difícil com contas a pagar; a menos que tenham uma bolsa de estudos, o que não é muito comum.
Conversando com uma amiga diplomada e laureada muitas vezes em cursos na área de Ciências Humanas, achei interessante o que ela disse sobre estudantes universitários que se tornam viciados em estudar, perpetuando sua passagem pela universidade. Parecem estar numa busca insaciável de alguma coisa que, muitas vezes, eles próprios não sabem do que se trata. A interlocutora dá o seu próprio exemplo, anos atrás, e se interroga se não seria o ambiente acadêmico que a teria enfeitiçado por tanto tempo, mais do que o interesse em ampliar seu conhecimento. Os diálogos, os debates com gente de mesma índole, confessa ela, os achava irresistíveis.
Talvez sentisse insegurança em se lançar no mercado de trabalho, num mundo que funciona de um jeito com o qual ela não concordava. Não se sentia atraída sequer para trabalhar como professora naquele mesmo ambiente, pois, instintivamente, intuía que tudo aquilo se revestia de uma certa inutilidade, justamente por existir uma discrepância entre o mundo acadêmico e o mundo lá fora. Até que, um dia, resolveu desatar o cordão umbilical que a amarrava ao estado embrionário de estudante e partiu para viver a própria vida. E nunca mais quis se envolver com estudantes ou professores, da mesma forma.
Essa clausura acadêmica, a meu ver, se parece  muito com religiosos em um convento fechado. Ali dentro, tudo é sagrado. Nesse isolamento do resto do mundo, cultivam ideias consideradas elevadas e supostamente não compreendidas pela massa humana circulando lá fora... por quem os sinos dobram, entretanto.  
Mas o que mais me impressionou na sua autoanálise foi o fascínio que deixou transparecer por alguns professores e professoras, o que me levou à conclusão de que ela ainda não se libertou completamente daquelas amarras. Sei que há professores brilhantes e admiráveis – eu tive muitos – mas a maneira como ela fala deles me fez enxergar uma adolescente encantada com seus ídolos. Não sei o que isso pode significar no âmbito psicológico, não me atreverei a dar palpite numa seara que não conheço.
Aqui cheguei ao que me interessa, a minha própria experiência no ambiente universitário, e isso inclui uma homenagem a uma de minhas cunhadas, como colega de Faculdade. Não estudamos na área das Humanas, isto é, “humanas” também, mas noutro enfoque: fomos colegas na Faculdade de Medicina.  Ainda vou escrever um texto para homenageá-la e às outras cunhadas também, no âmbito familiar. Temos uma história muito interessante que vale a pena registrar. Mas o que escrevo aqui é muito específico, não quero misturar as coisas.
Naquele tempo, estávamos em plena ditadura militar no Brasil e o planeta sobrevivia sob o jugo da "Guerra Fria"; a maioria das pessoas evitava tocar em assuntos ligados a ideologias, fosse de que lado fosse. Havia um medo que pairava no ar. Mesmo assim, uma vez ou outra, algum professor ousava insinuar alguma coisa, tentava exercer influência sobre os alunos, da maneira como ele pensava.
Sempre fui cabeça-dura, devo confessar, mas era muito calada, introvertida e tímida, quando jovem – depois de velha que dei para tagarelar. Então, podia até discordar profundamente do que falassem no ambiente da universidade, que não retrucava, se não fosse convidada a opinar. O resultado é que era muito difícil alguém exercer algum tipo de influência sobre a minha pessoa. Eu tinha sempre um pé atrás, que não latia, entretanto.
Mas a minha cara colega que depois veio a ser minha cunhada, esta não deixava passar em brancas nuvens aquilo que a incomodava. Se ela achasse que o assunto não procedia ou se não concordasse com a imposição de uma ideia, ela soltava o verbo, sem nenhum temor reverencial. Já tive medo das consequências que sua franqueza pudesse acarretar para ela, mas, hoje em dia, eu a admiro muito por isso. Ela é que estava certa. Sendo e agindo assim é que a gente não corre o risco de ser hipnotizada (literalmente) e, ao mesmo tempo, evita que colegas presentes, mais susceptíveis naquele momento, o sejam; é um alarme que dispara.
O poder mental da autoridade detentora da palavra, como é o caso dos professores, não é negligenciável. Ele atua cotidianamente. Na condição de aluno, o jovem que entra para a universidade ainda muito novo e com a determinação de se submeter a um aprendizado, está desarmado, ele baixou a guarda, no que concerne ao embarque do conhecimento na sua cabeça. Ele se coloca influenciável na configuração “default”. Fica, portanto, mais sujeito à sugestão e à cooptação psicológica que, uma vez engatilhada logo de início, poderá ter efeito por longo tempo.  
 Não só as pessoas que não estudaram são vulneráveis à cooptação psicológica. Todo mundo é!
É sempre bom manter aceso um certo grau de espírito de contradição. E não digo isso só para os alunos. Devemos ficar atentos em todos os ambientes, sobretudo nos dias de hoje, com as redes sociais, onde há pessoas que têm o dom de formar opinião, atrair e até recrutar seguidores. O perigo está por toda parte.

8 comentários:

  1. Respostas
    1. Que bom que vc gostou! Beijocas pra vcs. Dá um abraço bem apertado na homenageada, ta maman, por favor.

      Excluir
  2. Ducarminho, delícia de texto. Adorei! Deu saudades! Bjo e obrigada, Clélia

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. Saudades mesmo. Era um tempo difícil aquele, mas foi bom, assim mesmo. Abração pra vc, minha homenageada :-)

      Excluir
  3. Essa Du abusa da capacidade de encontrar o caminho das palavras para desvendar o mundo das idéias.

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. Tentando desvendar ainda, mesmo depois de velha. Mas nunca é tarde, né? Beijocas

      Excluir
  4. Texto bem escrito e inspirador. Muito bom! E, diga-se de passagem, justa homenagem!

    ResponderExcluir