terça-feira, junho 26, 2018

Não soltem os cachorros


Tenho medo de cachorros. E eles sabem disso, todos se sentem “atraídos” por mim, mesmo os mansos rosnam e querem me atacar, apesar de eu não fazer absolutamente nada para atiçá-los. Talvez o não fazer nada seja o problema, ou talvez um olhar meu desconfiado possa ser interpretado por eles como uma ameaça e, em defesa, partem para o ataque. Dizem que exalamos um cheiro quando temos medo da adrenalina descarregada, talvez? Não sei, o fato é que, involuntariamente, provoco frustração em praticamente todos os donos de cachorro que se vangloriam de terem verdadeiros anjos, incapazes de qualquer reação agressiva.
Pouco importa o que me fez ser medrosa assim, pelo uso da razão deveria ter superado essa deficiência, eu sei. Consegui melhorar, mas o problema ainda é grave. E nesse mundo onde cada vez mais os animais merecem mais consideração do que os seres humanos por eles próprios, vou-me aperfeiçoando em minha índole de eremita. Graças ao mundo virtual, posso conversar com muita gente, sem precisar incomodar seus cachorros em seus lares.
Entre os progressos que fiz, um deles foi ter perdido o medo dos pequenos cãezinhos e percebo que eles não se importam mais comigo. É mais uma prova de que minha atitude tem algum efeito sobre a reação canina. Já consegui conviver socialmente com três grandes cães labradores o que, aparentemente, não chega a ser vantagem nenhuma, para quem não sabe o que é ter esse medo intenso que tenho, sobretudo quando são grandes – mesmo que sejam animais sabidamente inofensivos. Eram simpáticos bebezões de nossos ex-vizinhos e, como eram amigos preciosos (os donos dos cães), não tive outra opção senão tentar me acostumar com eles. Na verdade, quis mesmo usá-los como instrumento de superação. O intento não foi um sucesso completo, nunca consegui baixar a guarda.
Não foi surpresa para mim, pois já tentei criar cachorro por duas vezes, com o intuito de superar o meu problema, criando-os desde bebezinhos. Deles eu não tinha medo, mesmo depois de adultos. Mas continuei a ter medo de cachorros estranhos. Além do mais, não fui capaz de ser o elemento dominante da relação, eles é que me dominavam, faziam o que queriam. Da primeira vez, tive uma cadela da raça fila brasileiro. Aos seis meses, ela já estava maior do que eu e isso também não ajudou. Da segunda vez, tentei um fox paulistinha, o terrier brasileiro. Também foi um desastre, ele me driblava sem a menor dificuldade. Enfim, desisti.
Nossa vizinha do lado, atualmente, tem um cão que parece mestiço de boxer com bulldog, talvez seja o que chamam de bulldog americano, não sei – o corpo é compacto, roliço, nem atarracado como o bulldog, nem elegante como o boxer, entre os dois. Parece desenho animado quando ele anda ou corre, as pernas mexem e o corpo se desloca sem rebolado nenhum, inflexível. A cara é horrorosa, de maus bofes, apesar de uma certa tristeza no olhar, com um prognatismo acentuado, os dentes inferiores sempre visíveis. À primeira vista, assusta, é um "colosso" de médio porte. Mas sua “mãe” – a dona do cachorro – nos disse que ele é um doce de criatura, acostumado com vários irmãozinhos gatos. Não é capaz de fazer mal a ninguém, segundo ela.
Pois bem... Vocês sabem que aqui no Canadá, nossos terrenos não são fechados por muros nem cercas. Por lei, os cães não podem circular na rua sem guia, muito menos invadir propriedade alheia. Os proprietários têm que se virar para que seus animais não burlem as leis. Nossos vizinhos de frente colocaram um sistema de choque elétrico na coleira se os cachorros se aproximam de um fio invisível (subterrâneo). Eles têm pena de usar o sistema, mas parece que, ultimamente, os cãezinhos deles estão mais treinados a não virem esbravejar contra nós, “chez nous”... mas demorou. A nossa vizinha do lado – a do desenho animado – colocou um sistema de cercas visíveis em torno do terreno dela. Mas o colossinho escapa frequentemente, não sei como. Várias vezes, o vemos passeando pela rua e, não raro, dá uma passadinha no nosso terreno e não só aqui. Mas – pasmem! – este me obedece. Digo a ele “à la maison” e, apesar do meu sotaque, ele compreende e vai embora. Nunca rosnou nem latiu para mim. Imaginem como fiquei encantada com isso. Quase perdi o medo dele... até ontem.
Ontem, não sei o que deu nele, no colossinho. Um casal, cada qual com um cachorro na guia, passou em frente às nossas casas (sempre passa alguém fazendo caminhada, em companhia de seus cães). Não entendo de raça de cachorro, mas os do casal pareciam muito com o nosso vizinho. Colossinho ficou uma fera, saiu desabalado e aos gritos para atacar os seus congêneres. Foi uma gritaria canina impressionante, latidos escancarados e ininterruptos misturados com rosnados em alto volume, dando a sensação de que algo catastrófico estava ocorrendo. Já presenciei briga de cães vira-lata nas ruas do Brasil, mas esta de ontem estava assustadora. E nem fugir os outros podiam, pois estavam presos na guia. O que os donos deles fizeram foi carregá-los no colo. E o colossinho não perdia o elã, começou a pular para atingi-los. O ataque só acabou quando os nossos vizinhos, proprietários da fera, conseguiram contê-la. Tomara que ninguém tenha se machucado.
Então é esta a doçura de criatura. Fiquei decepcionada. Foi um aviso para mim, que andava confiante demais. Não faz muito tempo, uma senhora mais ou menos da minha idade, foi assassinada por um pitbull que a atacou no quintal dela. São inúmeros os casos de ataques, muitas crianças mortas ou desfiguradas até recém-nascidos por cães até então considerados dóceis. Na verdade, ninguém, nem os donos dos cachorros podem prever esses rompantes dos bichos. Eles pensam que conhecem seus animais completamente. Que ingenuidade! Que temeridade! 

Update 27/06/2018: só porque eu disse que os cachorros dos vizinhos de frente não vêm mais, já vieram duas vezes hoje, aqui no nosso terreno... 😡 

Update 11/07/2018: depois do ataque a outros cachorros, a vizinha do lado reforçou a cerca da casa dela.
 

4 comentários:

  1. Tenho pavor de cães. Mas para te contar uma historinha minha. Eu quando adolescente, tinha um vira-lata manso que eu criava desde pequeno. Um dia ele estava babando e eu pensava que ele estava engasgado, então meti a mão na garganta dele para procurar o que quer que estivesse preso por lá. Ele permitiu sem nenhuma reação e eu constatei que não havia nada. Agora, o pior: ele estava com raiva canina e, apesar disso, acho que me reconheceu e não mordeu. A sorte é que eu não tinha nenhum ferimento na mão e por isso não fui contaminada. Ou seja, tive muita sorte. Mas não confio em nenhum deles, mesmo os de pequeno porte.

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  2. Adoro cachorros. Tenho muita experiência com eles. Já tive muitos, bravos e mansos. Só não tinha medo dos meus cachorros. Tenho medo dos cachorros alheios.
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    Luiz Otávio de Lima Pereira

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    1. Gostaria de não ter o medo que tenho. É muito desagradável, acho que as pessoas não acreditam, pensam que a gente simplesmente não gosta. Se soubessem a descarga de adrenalina que a aproximação de um cachorro me provoca, teriam mais consideração, em vez de ficar falando: ele é mansinho... etc e tal... e não fazer nada para impedir a aproximação.

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