Para mim que venho de outras
plagas, o padrão sazonal do Canadá é algo que impressiona muito e sempre dá o que falar,
apesar de viver aqui já há tantos anos. Mas esse chover no molhado, ou melhor,
nevar no gelado, não é exclusividade minha, o assunto é também recorrente entre
os nativos, pois tudo depende das condições climáticas. Há outras coisas menos
óbvias que isso, sobre as quais não se comenta quase nada, mas que são hábitos
corriqueiros, muito interessantes, às vezes intrigantes.
Um costume muito prático e
higiênico que existe aqui é o de retirar os sapatos, ao entrar em casa. Dessa
maneira, as sujeiras que vêm da rua não tomam intimidade com a gente. E no
inverno, então, o hábito é imprescindível para que a neve nas botas não
provoque uma inundação, quando se derreter à calorosa acolhida. A maioria das
moradas tem um cestinho com pantufas de tricô para oferecer aos visitantes. Eu
mesma tenho algumas tricotadas por mim.
É sempre bom lembrar que
minha experiência de Canadá vem das pequenas cidades do interior do país, na
província do Québec, onde ainda não houve invasão massiva do multiculturalismo.
Ainda sou peça rara nesses rincões, enquanto cidadã canadense originária de
outro país. Meus contatos por aqui, na minha região, são todos quebequenses da
gema, a começar pelo meu marido. Pode ser que nas cidades grandes, já repletas de
imigrantes, os costumes estejam mudando, por influências externas. Eu não
saberia dizer nada sobre isso.
Você já prestou atenção no
gesto de cumprimentar dando beijinhos nas bochechas? Já reparou a que lado
do rosto da outra pessoa você se dirige primeiro para beijar? Ninguém combina como fazer
e a gente vai direitinho do lado certo, não é? Não, não é sempre assim quando estamos
num outro país. Aí no Brasil, nós beijamos primeiramente a bochecha direita do
outro, observe. Aqui no Québec, é o lado esquerdo do rosto o primeiro visado.
Isso já me causou muitas hesitações, daquele mesmo tipo quando cruzamos com
alguém no caminho e fazemos aquela dancinha involuntária, tentando não trombar
um com o outro. O meu problema, agora, mudou de lado. É quando visito o Brasil que
faço e levo as pessoas a fazerem a dança das cabeças. Quando começo a me habituar
de novo com o gesto brasileiro, já está na hora de voltar para o Canadá e me
confundir toda novamente.
Mas as diferenças não se
resumem a beijinhos e pantufas, há incontáveis outras. Já que o Canadá costuma
ser tão citado pelos brasileiros como bom exemplo e já que se tem falado muito
da reforma trabalhista no Brasil, vamos ver como se descansa por aqui... Allez ! Au boulot ! Minha primeira
experiência de trabalho no país veio com mais uma novidade: o cálculo das
férias dos trabalhadores, bem diferente do que temos no Brasil. Acabei me
acostumando, claro. No link ao final deste texto [1], encontram-se os detalhes para
a província do Québec, se alguém se interessar (opção em inglês no alto, à
direita). Há pequenas variações conforme a província, não muito significativas,
a não ser para licença-maternidade, que não era o meu caso. Em resumo, o
trabalhador tem direito a duas semanas de férias, após um ano de trabalho, com
remuneração correspondente a 4% do salário anual (soma do que ganha durante um
ano). Após 5 anos de trabalho e daí em diante, passa a ter direito a três
semanas de férias, com remuneração de 6% do salário anual. Pronto, acabou. Se
mudar de empresa, começa a contagem toda de novo.
E os feriados? São muito
menos numerosos aqui e não tem aquela história de enforcar um dia e esticar até
o fim de semana para fazer feriadão, não! Quando cai no meio da semana, há a
opção (do empregador) de manter o feriado no seu dia mesmo ou transferi-lo para a sexta-feira
ou para a segunda-feira seguinte – uma emendazinha, afinal ninguém é de ferro.
Muito interessante, vale
mencionar, é que o pagamento das férias é chamado pela lei de “indemnité/indemnity” [2]. O termo usado é um remanescente de quando o
trabalhador era pago por trabalhar em vez de tirar férias [4]. Ficou também um
certo sentido de que parar de trabalhar é basicamente considerado como uma penalidade, com
direito a indenização – na prática, obviamente, os trabalhadores se regozijam
com as férias. Mas isso dá uma ideia de como é a noção do trabalho por aqui. E,
realmente, a maioria das pessoas tem alguma tendência a ser workaholic.
Um exemplo dessa
compulsividade está no fato de os estudantes trabalharem durante as férias do verão, mesmo
os mais jovens. Lembram-se da filha do ex-presidente dos Estados Unidos, Obama,
trabalhando numa lanchonete, notícia que fez manchete nos jornais brasileiros?
Aqui no Canadá é assim também. Nos primeiros tempos, quando me mudei para cá,
fomos almoçar em um restaurante e – surpresa! – uma sobrinha do meu marido
estava trabalhando como garçonete. E ela era uma adolescente ainda, recentemente
saída das fraldas... por assim dizer. Quando estão mais adiantados nos estudos,
os estudantes preenchem vagas especiais previstas para eles nas empresas, permitindo
maior flexibilidade para a marcação das férias dos empregados.
Como se pode ver, nem tudo é
festa do lado de cá. E por falar em festa, para não sair à francesa [6], que é
coisa de inglês, nem sair à inglesa [5], que é coisa de francês, vou ficando por
aqui bem à brasileira, enviando beijinhos soprados nas mãos, dos dois lados,
para vocês. Até a próxima vez.
Update 12/06/2018: acaba de ser aprovada a lei que permite 1 semana a mais de férias, após 3 anos de trabalho, ou seja, o trabalhador não precisará esperar 5 anos para tirar 3 semanas de férias.
Outras mudanças nas normas de trabalho também foram aprovadas.
Update 12/06/2018: acaba de ser aprovada a lei que permite 1 semana a mais de férias, após 3 anos de trabalho, ou seja, o trabalhador não precisará esperar 5 anos para tirar 3 semanas de férias.
Outras mudanças nas normas de trabalho também foram aprovadas.
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[1] La loi pour les vacances:
[1] La loi pour les vacances:
https://www.cnt.gouv.qc.ca/conges-et-absences/vacances/index.html
[2] À propos du terme "indemnité":
https://www.oqlf.gouv.qc.ca/ressources/bibliotheque/dictionnaires/terminologie_relations_professionnelles/indemnite_de_conge_annuel.html
[3] "Indemnité" au dictionnaire:
http://www.larousse.fr/dictionnaires/francais/indemnit%c3%a9/42518?q=indemnit%c3%a9#42424
[4] Histoire des congés annuels:
https://ici.radio-canada.ca/nouvelle/1090446/conges-annuels-quebec-trois-semaine-europe-canada-saskatchewan-manitoba-ontario-maritime
[5] Filer à l'anglaise ou à la française?
http://www.expressio.fr/expressions/filer-a-l-anglaise.php
[6] Take French leave:
http://www.idioms.online/take-french-leave
[2] À propos du terme "indemnité":
https://www.oqlf.gouv.qc.ca/ressources/bibliotheque/dictionnaires/terminologie_relations_professionnelles/indemnite_de_conge_annuel.html
[3] "Indemnité" au dictionnaire:
http://www.larousse.fr/dictionnaires/francais/indemnit%c3%a9/42518?q=indemnit%c3%a9#42424
[4] Histoire des congés annuels:
https://ici.radio-canada.ca/nouvelle/1090446/conges-annuels-quebec-trois-semaine-europe-canada-saskatchewan-manitoba-ontario-maritime
[5] Filer à l'anglaise ou à la française?
http://www.expressio.fr/expressions/filer-a-l-anglaise.php
[6] Take French leave:
http://www.idioms.online/take-french-leave
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