segunda-feira, agosto 29, 2022

Tudo é graça

 

Neste domingo, o Evangelho foi o de São Lucas [1], em que Jesus conta a parábola do primeiro e do último lugar e diz que "quem se eleva será humilhado e quem se humilha será elevado".

Já narrei muitas graças que recebi, as quais sempre interpretei como sendo para me trazer conforto e consolação. Algumas vezes [2], tive alguma demora para compreender a "mensagem", o "encontro". Hoje, compreendi após ouvir o Evangelho, e não foi reconfortante, de imediato.

Tenho participado, duas vezes por mês, da equipe de acolhida, nas missas dominicais, em minha paróquia, e foi-me determinado ficar em uma das portas laterais. Creio que são resquícios da pandemia, agora já sem a necessidade das medidas sanitárias. Ficamos com o bom legado de receber atenciosamente os fiéis, para que se sintam bem acolhidos.

Nos domingos em que não estou escalada para este serviço, notei que há um senhor que fica na mesma porta. Nunca havia acontecido a coincidência de estarmos os dois em serviço, no mesmo dia. Hoje, para minha surpresa, aconteceu. Fiquei sabendo depois.

Sempre chego mais cedo e já fui-me instalando na "minha" porta. Quando ele chegou, notei que estava com um ar inquisitório, sequer respondeu ao meu "bonjour". Após alguma vacilação, indo e vindo, criou coragem e veio, com um ar irritado, perguntar-me se eu estava escalada para a acolhida. Respondi afirmativamente e fui em direção ao quadro de avisos, para verificar a escalação mais uma vez. Ele me seguiu e a organizadora veio ao nosso encontro, confirmando que sim. Ao que ele indagou o que ele faria, então. O fato é que a porta central estava desfalcada, seria para um de nós dois ficar ali. Dispus-me, prontamente, a me deslocar, mas foi ele que recebeu essa incumbência, afinal.

No contexto geral, a porta central é até mais importante, é por onde entra a grande maioria das pessoas. Seguindo esta lógica, nem ele nem eu escolhemos o "primeiro lugar". Porém, de um certo modo, tomamos por certo que aquela porta lateral era nosso lugar marcado, o que passou a configurar um tipo de privilégio. Eu me senti humilhada ao ser inquirida e ele também, provavelmente, ao ter sido destinado à porta central. Aconteceu uma partilha de humilhação, digamos assim. Coisa muito suave, ninguém foi massacrado.

No entanto, esta sensação abateu-me, de certo modo, até "digerir" o Evangelho e compreender a bênção que recebi, motivo de regozijo, em vez de tristeza. Isso foi me acontecer justamente neste domingo. Não se deve tomar o "primeiro lugar", nem tomar por certo algo, como privilégio.

Lembrei-me de meu marido, que, na sua ética, digamos assim, sempre aconselhava a "ne pas prendre pour acquis", e de minha mãe que, quando nos punia, sempre dizia que era "para Deus abençoar".

Da próxima vez, não vou me esquecer de perguntar onde devo instalar-me para acolher os fiéis.😊 

O episódio vale para reflexões mais profundas, também, obviamente, no exercício da humildade.

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Links relacionados:

[1] Lucas 14, 7-14

[2] Graças recebidas

[3] "Tudo é graça"

[4] Todas as páginas


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