quinta-feira, abril 28, 2016

Hipnose: golpe de sugestão





Causa-me grande espanto saber que ainda existam países que não têm uma lei para proibir a hipnose de espetáculo, praticada simplesmente para fins de diversão. Há hipnotizadores que se apresentam em programas de televisão (vi um, outro dia, na TV aqui no Quebec), e em auditórios com público geral, não especializado no assunto. Não creio que isso seja uma prática a ser levada na brincadeira. Na minha humilde opinião, penso que a hipnose deveria ser usada somente para fins terapêuticos e por profissionais especializados e autorizados para tais terapias.
Embora digam que as pessoas que são sugestionadas o são porque o permitem, creio que existe uma interpretação um tanto leiga e grosseira da permissão dada pela pessoa hipnotizável. No momento em que a atuação de outro pode provocar qualquer alteração em uma pessoa, mesmo que seja transitória, configura-se aí uma intervenção com resultados que não dependem somente da própria pessoa, portanto existe um componente externo que atua nela.
Trata-se de um voto de confiança, digamos assim, do mesmo tipo daquele em que um paciente consente um ato médico, ou seja, em que ele autoriza um médico que o examine e lhe administre tratamentos que vão modificar seu estado de alguma maneira; é o mesmo tipo de consentimento que se dá também aos psicólogos, psiquiatras, etc.
Esse tipo de intervenção não deveria poder ocorrer a esmo, num espetáculo, mesmo porque não se conhece bem o fenômeno, em profundidade, nem a magnitude do efeito sobre cada tipo de pessoa. Sabe-se, por exemplo, do risco de plantar falsas memórias no hipnotizado e isso pode causar problemas sérios.
Estive num espetáculo desses, quando era criança, e presenciei cenas preocupantes. Foi no colégio onde eu estudava, um colégio de freiras e de estudantes só do sexo feminino (naquele tempo, era comum haver colégios ou só para meninas, ou só para meninos). No dia do “show”, já em sala de aula, fomos avisadas de que não haveria aula, que deveríamos ir para o auditório. Este já foi o primeiro erro, pois os pais não foram avisados que suas filhas estariam presentes e, possivelmente, submetidas a sessões de hipnose.
O auditório do colégio ficou lotado, com alunas de variadas idades, entre 7 e 18 anos. Pelos meus cálculos de quando isso ocorreu, eu tinha entre 9 e 11 anos. Lembro-me muito bem de como tudo aconteceu, eu não fui hipnotizada, participei do grupo que ajudou a socorrer as que estavam acometidas dos mais diversos estados de transe.
Inicialmente, o hipnotizador detectou as alunas que eram mais sugestionáveis, fazendo aquele teste (sem dizer que era teste, claro) de mãos agarradas, e usando aquela linguagem repetitiva (cuidado quando alguém repete alguma coisa muitas vezes, você pode estar sendo assediado na sua “habilidade” de se deixar sugestionar); assim, ele escolheu um grupo para subir ao palco. Ali, ele as fez desempenhar os papéis mais ridículos que, imagino, não fariam em estado de lucidez. Muitas gargalhadas ecoaram, até que se percebeu que nem todas estavam rindo na plateia.
Umas choravam sem saber por que razão, outras dormiam profundamente, ou pareciam dormir. Outras faziam as mesmas palhaçadas a que eram submetidas as que estavam no palco. Foi um descontrole de assustar qualquer um.
Informado do que se passava, primeiramente, o “showman” tentou dar comandos a partir do palco, para encerrar a hipnose. Mas não foi suficiente. Ele teve que descer à plateia e tentar tirar as meninas do transe, uma de cada vez. Funcionava com algumas, mas não com outras. Nesta altura, as freiras já estavam desesperadas e começavam a esbofetear aquelas que choravam sem cessar, até gritando com elas.
Da minha turma, havia algumas que dormiam, sono solto. Parecia um campo de feridos em uma batalha. Conseguimos acordar algumas, mas uma delas dormia tão profundamente, que nós a sacudíamos e ela não mexia sequer um músculo. Esta foi removida do recinto e não soubemos para onde foi. Nunca mais voltou às aulas. Nós pensamos que ela tinha morrido, ninguém sabia de nada. Mais tarde, ficamos sabendo que os pais dela a tinham retirado do colégio.
Como é que isso pode ser permitido? Ouvi dizer que há lei que proíbe esse tipo de apresentação no Brasil. Numa rápida pesquisa, achei um decreto de 1961 que trata do assunto:
Em 1961, o então presidente da República, Jânio Quadros, assinou o Decreto nº 51.009:
"Proíbe espetáculos ou números isolados de hipnotismo e letargia, de qualquer tipo ou forma, em clubes, auditórios, palcos ou estúdios de rádio ou de televisão, e dá outras providências".
Art. 1º - Ficam proibidas, em todo o território nacional, as exibições comerciais...
Art. 2º - Ficam excluídas da proibição de que trata o presente Decreto, as demonstrações de caráter puramente científico, sem fito de lucro, direto ou indireto, executadas por médicos com curso especializado na matéria.
Pasmem, este “show” que relatei aconteceu, seguramente, entre 1964 e 1966, ou seja, após o decreto citado acima e, portanto, foi ilegal. Mas existem países em que a lei permite esse tipo de apresentação, como aqui no Quebec, por exemplo.
Volto a minha pergunta aos psicólogos, psiquiatras, neurologistas e a quem mais entenda do assunto: este tipo de espetáculo pode continuar acontecendo? Não seria necessário algum regulamento para impedir que métodos terapêuticos sejam usados para diversão?

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