segunda-feira, maio 02, 2016

Em família

Esther



            Vem aí o Dia das Mães e este grande papel que a mulher ainda desempenha, para garantir a existência humana, tem que ser celebrado! Vai ser o primeiro que vamos passar sem a nossa mãezinha. Mas não quero que seja triste, ela não era. A ideia é homenageá-la de tabela, cutucando cada um dos meus irmãos, com histórias engraçadas que ela gostava de contar, dando boas risadas. Vamos vê-la através de nós mesmos. A partir do meu ângulo de visão, claro, mas com o toque materno sempre por perto, para corresponder à realidade de sua presença constante em nossas vidas. Por certo que nós mesmos é que vamos rir, ou quem nos conhece, mas são casos herdeiros da humanidade, todos estão convidados a esta reunião de família.
Que coisa sublime é ver o irmãozinho mais novo crescer, começar a andar e falar; cabelos lindos, cachinhos que minha mãe não queria cortar. Um menino dócil, mas firme na sua personalidade, desde pequerrucho: “Ranheta, não. Ranheto!”. Coisa que, por sinal, nunca foi. Mas a sua especialidade mesmo, muito antes de ingressar na escola, era a concordância verbal: “nós vai, não; nós vamos”, assim reagia às provocações da sua babá que, já às gargalhadas, esperava a resposta gramaticalmente correta. Isto, eu mesma presenciei, e a memória foi reforçada muitas vezes, quando minha mãe relembrava.
Quando éramos pequenos, ela dizia que gostaria que fôssemos freiras e padres. Isso não era colocado como exigência, tanto que rendeu muito riso. É difícil saber quem não tenha sofrido algum tipo de influência dos pais, mesmo aqueles que dizem que deixarão seus filhos fazerem suas escolhas – já nesta conduta está embutida uma atitude de alheamento a possíveis convicções. Estas posturas, de uma forma ou de outra, são tomadas, certamente, visando o bem.  Além do mais, mesmo que os pais não sejam doutrinadores, os radares apurados das crianças são capazes de detectar os princípios, as crenças ou as opiniões parentais.
Certa vez, fomos visitar uma irmã de minha mãe, freira enclausurada, e eu fui transferida dos braços maternos aos braços da tia, que quis carregar a criança, num provável arroubo do seu instinto maternal reprimido. No momento da passagem, meu irmão logo acima de mim em idade, sussurrou no meu ouvido: “já é para ficar”. Pronto, foi o que bastou, mal minha tia me tomou nos braços, eu caí em prantos e repeti o que ele me dissera, em tom de pergunta, dirigida à minha mãe: “já é para ficar?”. Apesar de muito nova, lembro-me bem disso e da vergonha que tive quando todos começaram a rir de mim.
Esse meu irmão, ele mesmo já tinha sofrido, anteriormente, a pressão de ter que escolher o sacerdócio e respondera, por sua vez: “vou ser padre, mas vou casar também” - não se falou mais no assunto. Não presenciei esta passagem, as histórias que conto aqui dos irmãos mais velhos, são memórias do que ouvi minha mãe dizer.
Ainda sobre o irmão que não era favorável ao celibato, ela dizia que ele tinha espírito científico, desmontava tudo o que lhe passava pelas mãos, para saber como funcionava. Ela tinha razão. Lá de casa, é o que mais investiga e escarafuncha as origens de tudo quanto há no universo e para além do que podemos perceber. E olhe que também tem lá o seu lado pastoral: é o nosso irmão conciliador, o que mais se esforça para nos manter unidos e altruístas.
Se todas as mães soubessem quão importante é o incentivo que suas palavras podem dar para o resto da vida de seus filhos... Vale muito mais fazer um elogio, do que recriminar colocando mil defeitos. A nossa era brava, não nego. E nos corrigia com muita energia em nossas faltas, mas não economizava elogios, quando era a hora certa, justiça seja feita. Tanto ela quanto nosso pai.
Minha amada e saudosa irmã, aquela ali era extraordinária. Minha mãe sempre contou que ela nunca deu trabalho, nem para nascer, pois no seu parto ela saiu sozinha, sem nenhum esforço, para surpresa do médico, que teve que correr para segurar sua cabeça, que "escorregou" para fora. Já aí começou sua característica independência, traço importante de sua personalidade. Não vou repetir todos os dons, todas as conquistas, todas as bondades dela, sempre relembradas por minha mãe (e por todos nós), pois me faltariam palavras e, pior, corro o risco de pensarem que falo assim porque ela já morreu. Mas quem a conheceu sabe que é verdade.
O mais velho de todos é sempre o que tem mais fotos e mais histórias contadas. Mesmo não tendo presenciado a infância do meu irmão mais velho, sei de mais histórias dele, contadas por minha mãe, do que sei de minha própria infância. Bem pequeno ainda, já tinha uma voz possante e pregava sermões, na casa da avó, no alto do patamar da escada, à guisa de púlpito de igreja, para gáudio de todos. Hoje, ele não gosta de se lembrar disso, mas que ele me desculpe, não podia deixar de contar esta passagem tão engraçada e que fazia minha mãe rir tanto. No ônibus, confundiu o motorista algumas vezes, imitando o trocador dizer “Bora!”; ninguém podia imaginar que aquela voz grave vinha de uma criança de colo. Na escolinha, ele era o motorista, punha os alunos todos alinhados atrás dele, formando o corpo do veículo, e saíam em corrida desabalada pelos corredores; era um ônibus vivo! E por aí vai, são inúmeras as suas histórias. Continua, ainda, com o dom da oratória e deu até para escrever livros.
Mas a família não acaba aí. Nós dizemos que somos (éramos) cinco irmãos. Mas, na verdade, éramos sete. Tivemos um irmãozinho e uma irmãzinha que morreram recém-nascidos e minha mãe sempre contou como eles eram, com riqueza de detalhes e com muito pesar por tê-los perdido. Ela nunca se esqueceu deles.
Esse elo, esse amor de mãe para filho é algo muito forte. Cortar esta ligação com a mãe, mesmo após sua morte, é impossível e jamais fará parte do meu lote de desejos. Quero sempre me lembrar dela, com toda a boa energia que ela nos deu.
Saúde e longa vida a todas as mães!

Nenhum comentário:

Postar um comentário