quarta-feira, junho 17, 2020

Solilóquio

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- O que a leva a testemunhar sua fé em seus textos mais recentes?
- O ano em que completei 60 anos de idade, lá se vão cinco anos, foi um marco para mim. Foi meu primeiro ano aposentada, ainda sem saber se queria voltar a trabalhar. Tive alguns problemas de saúde, relacionados à idade justamente. Minha mãe estava muito fraquinha, eu de longe, sem poder ir vê-la; ela morreu no final daquele ano. Fiquei muito angustiada com tudo o que estava acontecendo. Passei a rezar todos os dias e a ler muito sobre assuntos de fé, coisa que não fazia antes. Foi uma terapia, surtiu um efeito assombroso – o grito do miserável foi ouvido [4]. Desde então, tenho tido momentos de fé intensa em meu coração. Minha fé cresceu. Busquei ter temor de Deus e, também, minha devoção a Nossa Senhora teve um incremento impressionante. Acho importante partilhar minha experiência pois, lamentavelmente, ter fé vem caindo de moda. E penso que, nessa queda, quem cai mesmo é a humanidade.
- Como assim, temor de Deus? Você tem medo de ser punida por Ele?
- Não é bem isso. O temor de Deus é uma experiência intelectual, talvez melhor dizer espiritual; é como que intuir a grandeza de Deus com o máximo de profundidade que conseguimos, a ponto de nos sentirmos miseravelmente pequenos, sem mérito algum, diante da potência divina. Não necessariamente por ter cometido algum pecado particular. Pecado, aliás, é o que não nos falta. Somos parecidos com pé de galinha empoleirada, estamos agarrados ao pecado. Para soltar o poleiro, a galinha tem que pôr em ação os músculos extensores dos dedos, para abri-los e se soltar dali. A diferença é que, para ela, esse esforço é quase automático, não para nós.
- Existe alguma técnica para atingir esse estado de temor de Deus, digamos assim?
- Não sei. Para mim, foi preciso levar o pensamento bem lá para dentro de mim mesma, em oração, tentar sentir (não encontro melhor verbo que sentir) essa Presença misericordiosamente avassaladora. O “fenômeno” não se dá com os sentidos e prazeres que conhecemos em nós, corriqueiramente.
- Você continua sempre “sentindo essa presença”?
- No meu caso, infelizmente, não é uma experiência que permanece constantemente, aconteceu em certas ocasiões em que me concentrei em orações. Continuo tendo fé, mais forte do que tinha antes, quando ela ficava num modo latente, por assim dizer. De qualquer forma, não quero nunca mais perder a possibilidade dessa Bondade possante que varreu minha alma. A presença de Nossa Senhora na minha vida, por outro lado, tem sido muito próxima, constantemente. Sem esquecer da assistência do meu Anjo da Guarda; eu não o deixo em paz, sempre rezando para ele me ajudar 😇
- Externando essas experiências, você não acha que as pessoas vão achar estranho ou, no mínimo, que você se deixa levar por crendices?
- Não ligo mais para o que as pessoas possam pensar disso. Ao contrário, trabalho comigo mesma para que essas experiências não pereçam. Sinto que preciso livrar-me de qualquer semente de arrogância, ínfima que seja. Não serei mais sábia, mais científica ou mais inteligente, se negar ou negociar a fé, para estar em sintonia com o mundo à minha volta. Fechar o coração para a fé não é uma boa sintonia.
- O mundo à sua volta é favorável à sua convicção? Você se sente bem recebida quando fala sobre a sua fé?
- Não. O mundo está cada vez mais perdendo a fé em Deus. O pior é que há pessoas que se consideram “donas” da fé, mas não a cultivam; pessoas cultas, que estudaram teologia, gente do clero mesmo. Mas perderam o temor de Deus; em parte, por terem reduzido Jesus a uma espécie de “facility”, como se diz em inglês, como um mero serviço para solucionar problemas deste mundo. Parece exagero, mas acaba sendo isso mesmo. E quando tentamos realçar o que é espiritual, somos tachados de piegas ou, até mesmo, de usurpadores do sentido da fé.
- Essa atitude a intimida? É discriminatória?
- Intimida quem ainda não tem a personalidade amadurecida. E, claro, é discriminatória. Não tanto no país onde vivo, mas há lugares no mundo em que essa discriminação já está atingindo níveis perigosos para quem é católico. Isso é muito triste.
- Essas pessoas deveriam se calar para evitar confrontos? Você, por exemplo, expõe seus pensamentos em público? Não teme que a acusem de estar fazendo proselitismo?
- Não costumo falar em público. Não tenho o dom da oratória. Gosto de escrever. Sempre gostei. Atualmente, a fé é o assunto que está me motivando mais. Escrever, para mim, é um prazer e um aprendizado constante. A palavra é nutrida pelo nosso pensamento e, ao mesmo tempo, o nutre; “nele ela se compraz e ele se satisfaz”[1]. Quando escrevo, tentando vencer limitações ou resistências, o pensamento vai-se soltando, voando... Muitas vezes, compreendo melhor um tema após escrever sobre ele. E gosto de pensar que existe a possibilidade de alguma outra pessoa se beneficiar com a leitura dos meus textos.
- Você falou em arrogância. O que você entende por arrogância no que se refere ao temor de Deus?
- Achar, por exemplo, que somos demasiado insignificantes para que um Deus onipotente tivesse desígnios para nós é arrogância, no meu entender. Embora pareça humildade.
Deus é imensurável, não podemos avaliá-lO por nossos parâmetros.
Uma arrogância perigosa, também com capa de humildade, é achar que um pecado cometido possa ser grave demais para que Deus o perdoe. Muitos se afastam da fé por se julgarem culpados de modo irreversível; num segundo tempo, instintivamente, eliminam aquilo que os faz sentirem-se culpados e, não raro, acabam escolhendo pensar que Deus não existe.
Arrogância também é não aceitar que o temor a Deus é um dom; não é medo de Deus, mas o sentido de Sua magnitude, a consciência da infinita distância entre “le Tout-Autre” [2] e nós, suas criaturas. O temor de Deus é um dom que nos é dado pelo Espírito Santo nos suscitando uma atitude de humildade e maravilhamento.
Arrogância é achar que nosso universo é tão grande, enorme, com suas leis que mal conhecemos, que prescinde de Deus... que Deus não existe.
- Você acha que o que impede de ter fé é a arrogância, então?
- Penso que é um dos empecilhos. Um outro seria o apego às coisas deste mundo, por exemplo, às alegrias, aos prazeres, às realizações e aquisições, até mesmo o apego às missões humanitárias. Tudo isso pode ser concomitante à fé, mas o apego a essas coisas é que atrapalha.
- Poderia explicar melhor?
 - Vou dar um exemplo, para conseguir explicar melhor. Já vi gente ficar reticente quando se diz que a eternidade que nos espera é estar em estado de graça constante, em eterna adoração a Deus, que esta é a felicidade completa. Na dimensão em que estamos aqui, não conseguimos imaginar o que é isso, que pressupõe um desapego de nós mesmos. Isso assusta. As pessoas pensam imediatamente nas boas sensações que temos aqui, nas realizações... eu mesma já tive esse susto. É difícil extrapolar e intuir que pode haver algo infinitamente melhor e mais prazeroso do que tudo que podemos perceber pelos nossos cinco sentidos. Sem, contudo, menosprezar esses sentidos, pois precisamos deles para querer – para exercer o famoso livre arbítrio.  
- Os problemas deste mundo não importam no terreno da fé?
- Importam, sim, claro. Este mundo é o nosso passaporte para a eternidade. Pés no poleiro, ou andando no quintal, ou ciscando... mas temos asas para voar mais alto que as galinhas 😃, nas "asas" do Espírito Santo.
- Não passa pela sua cabeça que possam julgar sua atitude arrogante? Ou por outra, que você esteja sendo exibida ao anunciar que tem experiência de fé?
- Creio que não, porque ter fé, atualmente, está muito em baixa. As pessoas estão sendo desmoralizadas por serem cristãs ou tidas como loucas, em delírios. Isso até ajuda a gente a ser mais humilde. Além disso, todo mundo sabe que os cristãos são convidados a propagar a fé. É um tesouro que todos podem ter. Como não divulgar isso? Seria para ir de porta em porta, anunciando a Palavra de Deus, mas isso ficou impossível, hoje em dia, por causa dos erros e abusos cometidos por membros da Igreja. Infelizmente, ela ficou desacreditada, gerou intolerância. Ainda bem que existe o lado divino que ninguém pode derrubar, como foi dito supostamente pelo Cardeal Richelieu : “Se a Igreja não fosse divina, os papas, os bispos e os padres já teriam acabado com ela”.
- Pela sua experiência, o que seria melhor fazer, para alguém que queira aumentar a fé?
- Em primeiro lugar, pedir a Deus para aumentá-la na gente. Depois, procurar se informar sobre o assunto, ler a Bíblia e as explicações sobre ela e rezar muito! O entendimento se abre com a oração frequente. Como acontece quando estamos tentando compreender outro idioma. Temos que estudar e praticar. Num dado momento, nossos ouvidos se abrem e passamos a compreender. Um "instrumento" precioso e dulcíssimo, que nos leva a Jesus, é o auxílio de Nossa Senhora 🙏. Sobre o temor de Deus, sugiro ver a explicação do Padre Paulo Ricardo [3]. Muito boa.
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