terça-feira, janeiro 28, 2020

Trégua no inverno

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Estamos vivendo presságios da próxima estação, com temperaturas um pouco acima de zero; a diferença é que a neve branquinha, limpinha, ainda está cobrindo quase tudo. A paisagem é mais bonita que a da primavera canadense, que não tem nada do que a gente aprendia na escola, nos meus tempos de infância tropical. Penso que aqui também as lições eram importadas da Europa, cheias de flores brotando, muitos perfumes e cores. No Brasil, as flores brotam o ano inteiro; aqui, a floração é mais pujante no verão.
Muita neve e muito frio ainda por vir, estamos em pleno inverno, não nos iludamos; é sempre bom lembrar, para que a decepção não seja muito grande.
Com a trégua dos ventos e eventos glaciais, os pais costumam sair da toca com suas crianças, nos fins de semana, os pequenos em trenó, os maiores em quadriciclo (quatre-roues) ou em snowmobile (skidoo). O silêncio habitual é substituído por esses estrondosos e estridentes veículos e pelos gritinhos e risadinhas das crianças.
Nessa época, os filhos e netos do agricultor, nosso vizinho, transformam o campo de plantação do patriarca em terreno para diversão. Nossa casa fica perto, no final da rua. Assisto ao espetáculo dos esportes de inverno de camarote. O campo de plantação deles é nossa paisagem de fundo... sem porta dos fundos! Nossas portas são ambas de frente... uma para a rua, a outra para o jardim.
Falar em portas me fez lembrar da casa onde vivi toda a minha vida no Brasil, antes de vir para cá [1]. Lá também não dá para dizer que havia porta dos fundos, pois era casa de esquina. Tínhamos duas entradas, uma em cada rua. Pensando bem, minha casa atual é quase de esquina. Só que não há cruzamento de duas vias. A rua termina onde começa o campo. Moro na fronteira entre “urbs et ruralis” (latinório latinórum).
Tudo muda. Nosso cantinho já foi tranquilo, pacato. As casas eram, na maioria, chalés de verão, frequentadas só nos fins de semana. Hoje em dia, virou um bairro habitado o ano inteiro; além das escapadas de cães da vizinhança, costumam passar três ou quatro veículos por dia – incompreensível num cul-de-sac – não podia deixar de mencionar a placa em francês, no Québec, acho engraçado. Em português, corresponderia a “rua sem saída”, mas com o sentido implícito de que existe uma espécie de balão de retorno no fim da rua; a rua fica mais larga na altura da nossa casa; daí ter gente que vem fazer retorno aqui.
É um lugar onde a neve empurrada pelos caminhões com snowplow acaba acumulando, carros se atolam e, também, é onde os jovens gostam de fazer “cavalo-de-pau”. Afinal, toda essa movimentação quebra a monotonia do inverno. Não há como se entediar.
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