quinta-feira, julho 11, 2019

Nunca fiando

Até meados do século XX, nos anos 1950, o sistema telefônico era ainda muito precário, embora significasse um grande desenvolvimento nas comunicações. Na zona rural do Canadá eram oferecidas linhas compartilhadas (lignes partagées, party lines, shared service line – também nos Estados Unidos). Quando um telefone tocava na casa de alguém, os que compartilhavam a linha ouviam um sinal e sabiam que não era na casa deles. Mas havia os curiosos que punham o aparelho no ouvido, para escutar a conversa; o sistema não tinha privacidade garantida, embora pudesse ser ouvido um “clic” quando o curioso tirava o aparelho do gancho, correndo o risco de levar uma bronca do outro lado. Já ouvi muitos casos anedóticos dessa época, em reuniões familiares, por aqui.
No Brasil, do que me lembro, nos anos 1960, as linhas eram individuais, em Belo Horizonte. Supostamente, as ligações não deveriam ser partilhadas com outras casas. No entanto, acontecia, com certa frequência, de ouvirmos pequenos ruídos no aparelho e, quando retirávamos do gancho para verificar, havia gente conversando em outra linha. Claro, mandava a boa educação que desligássemos o telefone imediatamente, para não ficar ouvindo conversa dos outros e, às vezes, a gente até avisava: " Ó, tá dando para ouvir a conversa de vocês." Também quando estávamos em uma ligação, por vezes, ouvíamos um estalido, dando a impressão de que mais alguém havia se juntado a nós, na escuta.
Por ser mais antiga, portanto tendo vivenciado mais falhas da incipiente comunicação por telefone, minha mãe costumava nos advertir, dizendo baixinho, para o interlocutor não ouvir, – Olha a linha cruzada – ao mesmo tempo que fazia um gesto com as duas mãos, cruzando os dedos, toda vez que ela achava que estávamos falando algo impróprio ou comprometedor.
Depois a coisa melhorou, telefone grampeado só mesmo por autoridades com mandato para tal. Mas minha mãe continuou sempre a fazer a advertência, mesmo depois que julgávamos que a telefonia já estava mais segura. – Nunca fiando era outro bordão que ela usava, para diversas circunstâncias.
Atualmente, apesar da enorme evolução da tecnologia, tudo pode vazar, nem sempre por mandato justificado, muito menos por motivos nobres. Como eu gosto de dizer, é muito difícil impugnar qualquer coisa que minha mãe dizia... Ela estava certa ao afirmar que não se podia confiar em nada.
Por essas e por outras, temos que pôr na cabeça que, o que não pudermos falar em um microfone para qualquer um ouvir, é melhor não falar de jeito nenhum. Está faltando pouco para lerem o pensamento da gente... e parece que já estão estudando esta possibilidade.
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