quarta-feira, novembro 21, 2018

Somos "peste e cólera"

Foto do Santo Sudário
 por Secondo Pia
(domínio público)
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Guia meus passos nas tuas veredas, para que meus pés não vacilem.”(Salmos 17:5).

Somos “peste e cólera” [1], só a Bondade de Deus – através de Jesus, nEle e com Ele, ungidos pelo Espírito Santo – pode nos elevar, se quisermos.
Só o grito do miserável é ouvido por Deus.” [2]. Mas não é qualquer grito. O xis da questão é a miserabilidade humana intuída, assumida e posta diante da Grandiosidade. Não é Deus que escolhe quem é o miserável destinatário da Graça, qualquer um pode se submenter a ela. É a postura do miserável, consciente de sua indigência, que parece fazer algum efeito (“Tua fé te salvou”) – livre arbítrio? É a opção da autoentrega.
Conseguir o insight da nossa miserabilidade, conjugado à aceitação plena da Misericórdia, compreende-se, pelo raciocínio. Difícil é sentir isso pelo coração. Alcançar esta proeza em estado de percepção, visceralmente, é colocar-se na frequência de onda, no canal por onde se chega a Deus. É o verdadeiro descobrir-se miserável, vazio, completamente despojado, com o coração aberto e entregue à Graça Divina [3].
Imagino que deva ser essa a capacidade que os profetas e os santos têm, ou desenvolvem, de maneira mais contínua, e que conseguem imprimi-la, mesmo que por instantes, nas pessoas sensíveis que deles se "aproximam", operando nelas prodígios.
Essa miserabilidade de que falo não significa pobreza em bens materiais, embora o apego às riquezas torne muito difícil a postura de entrega espiritual – Jesus disse isso a um homem muito rico a quem recomendara distribuir sua riqueza entre os pobres e, em seguida, segui-lO. “E, vendo Jesus que ele ficara muito triste, disse: Quão dificilmente entrarão no reino de Deus os que têm riquezas! Porque é mais fácil entrar um camelo pelo fundo de uma agulha do que entrar um rico no reino de Deus.” (Lucas 18:24,25)
Somos “peste e cólera”, assim como tudo o que nos cerca, contaminados e contaminantes; sofremos e fazemos sofrer, nosso mísero e mesquinho sofrimento.
É de se perscrutar, embora inimaginável, menos ainda reproduzível por nós – portanto difícil de compreender – que, para a grandiosidade de Deus, os sofrimentos humanos estejam todos no mesmo patamar, no padrão humano, embora, entre nós, percebamos graus diferentes.
Mal comparando: quando vemos uma formiga cair do caule de uma flor e outra perder, no meio do caminho, uma folha que estava carregando, esses eventos não são muito diferentes para nós, eles parecem estar no mesmo nível; sabemos que elas vão tentar retomar suas atividades, embora esses incidentes possam significar, para elas, uma imensa dificuldade para chegar aos seus objetivos, um talvez mais difícil que o outro. A comparação é grotesca, sem dúvida. O gap, a disparidade que nos separa das formigas é imensa, mas incomensuravelmente maior entre Deus e nós.
Outro exemplo dessa relatividade, em outro âmbito, talvez tangencial, mas que evidencia como a grandeza das medidas é enorme e suplanta nossa percepção, quando estamos em movimento em uma estrada e olhamos para a lua, ela parece estar sempre no mesmo lugar no céu; a distância que nos separa dela torna a nossa posição na estrada irrelevante.
De tudo isso depreende-se o óbvio: somos realmente incapazes de enxergar um palmo adiante dos nossos narizes. Não há outro caminho a seguir senão Aquele que vem a nós, Aquele que É: “Eu sou o Caminho, a Verdade e a Vida; ninguém vem ao Pai, senão por mim.” (João 14:6). Aquele que é o maior despojamento, o grito Todo-poderoso de indigência. Sem o Cristo, não somos melhores ou piores, somos nada.
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- Foto do Santo Sudário, por Secondo Pia, em domínio público.

[1] “Peste e cólera”: expressão bastante convincente usada pela prima Mariana em outras circunstâncias; também o nome de um romance de Patrick Deville.

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