sexta-feira, junho 05, 2015

O Preço da Ignorância

Publicado também pela KBR Editora Digital em 6 de junho de 2015:
http://www.kbrdigital.com.br/blog/o-preco-da-ignorancia/



"If you think education is expensive, try ignorance.Derek Bok

A frase desafiadora de Derek Bok, advogado, educador, escritor e ex-presidente da Universidade de Harvard – “Se você acha que educação é cara, experimente a ignorância.” –, parece ter sido inspirada no que acontece nos países subdesenvolvidos, como o Brasil, onde a experiência da ignorância vem já de vários séculos; sabe-se que o preço pago por isso é caro, mas insiste-se no erro, rejeitando todo e qualquer projeto de melhoria no setor. Francamente, é ignorância se nutrindo de ignorância.

Exemplo disso foi o desvirtuamento dos CIEPs (Centros Integrados de Educação Pública), popularmente chamados de Brizolões. Implantados no Rio de Janeiro, pelo governador Leonel Brizola, nos anos 1980 e 90, planejados pelo brilhante antropólogo e educador Darcy Ribeiro, com projeto arquitetônico de Oscar Niemeyer, destinavam-se a oferecer ensino público de qualidade, em período integral. O horário das aulas estendia-se das 8 às 17 horas, oferecendo, além do currículo regular, atividades culturais, estudos dirigidos e educação física. Os CIEPs forneciam refeições completas aos alunos, além de atendimento médico e odontológico. A capacidade média de cada unidade era para mil alunos.

Com esse sistema, que poderia ter sido implantado em todo o país, as crianças carentes são tiradas das ruas e das mãos dos bandidos que as aliciam em suas quadrilhas, passando a receber a educação necessária para se tornarem cidadãos honrados. E quanto emprego seria criado para tanta gente que funcionaria nesses centros educacionais!

Para os leitores mais jovens, que não conheceram este empreendimento fantástico, que foi descaracterizado por governos que se sucederam ao do Brizola, sugiro assistirem a um velho vídeo que explica muito bem como funcionavam os CIEPs – link na referência[1]. Não estou fazendo propaganda para nenhum candidato a nada, pois os que falam neste vídeo já estão mortos. Tampouco estou fazendo propaganda para partidos políticos, pois não sou de partido nenhum. A minha propaganda é para a Educação! Estou cansada de tanta ignorância no nosso país, que nos faz pagar um preço caro demais.

Qual é o preço? São vidas humanas ceifadas todos os dias: tanto as vidas das crianças desamparadas que se tornam bandidos, quanto as vidas das pessoas que eles atacam. 

Qual é o preço? São os custos altos de prisões ineficazes, que não cumprem o papel de recuperar o preso, pois oferecem condições precárias; também não cumprem o papel de proteger a sociedade, pois os criminosos são soltos inapropriadamente, a meu ver, ou fogem “inexplicavelmente”, para cometer crimes ainda piores. 

Qual é o preço? São as absurdas situações em que vivemos no cotidiano brasileiro, acuados com medos e estresses que desgastam nossa saúde, enquanto poderíamos estar usando nossos neurônios para muitas outras atividades produtivas, em que todos se beneficiariam.

Fala-se em diminuir a maioridade penal. Não consigo entender como isso pode mudar alguma coisa. Alguém é ingênuo ao ponto de achar que os menores deixarão de cometer crimes por causa disso? O que vai acontecer é que vai haver mais presos amontoados nas cadeias e todas as consequências que advêm disso. Eles saem mais deteriorados ainda e mais perigosos para a sociedade. Além disso, há crianças mais jovens que já são criminosos e que não vão ser enquadrados nessa categoria.

Para sanar o problema de imediato, é óbvio que o menor infrator que comete crimes graves deveria receber punição mais severa do que a permitida pelo Estatuto da Criança e Adolescente – este estatuto é que tem que mudar! Que seja preso de verdade e cumpra pena, mas não junto com os maiores! Não deveria ser “promovido” a adulto, pois com a maioridade perde-se, entre outras coisas, a possibilidade de chamar os pais dessas crianças à responsabilidade que lhes cabe também!

Acho que os critérios para punição do menor têm que ser revistos. O que chamam de “crime violento”? Será que não se criou uma tolerância à gravidade das ocorrências? As agressões nas ruas, as invasões de domicílio, de lojas, todos os tipos de assalto a mão armada... O que são? Um bando de meninos que joga um transeunte no chão, corta-lhe o braço com canivete, faca ou caco de vidro, para roubar-lhe a bolsa, carteira, ou celular... Isto não é um ato de violência? É preciso que seja hediondo para considerar esses bandidos perigosos?

As estatísticas que vêm sendo apresentadas, para justificar isso ou aquilo, estão muito aquém da realidade. Quem vive no Brasil sabe disso. Eu que já lá não vivo há muitos anos – e a situação não parece ter melhorado, muito pelo contrário – presenciei cenas terríveis no cotidiano dos cidadãos, que não entraram em estastística alguma.

Vi vários casos de assalto na rua em que morava, no Brasil. A gente gritava, saía para socorrer as vítimas, enquanto os bandos de menores infratores saíam correndo e desapareciam como que por encanto. Um verdadeiro terror! Chamávamos a polícia, eles vinham mas nunca achavam os criminosos... Casos assim não são computados nas estatísticas, pois os criminosos não foram identificados, mas estão acontecendo aos montes. 

Estes dados que escapam aos registros geram análises erradas em estudos que colocam os meninos de rua menos perigosos do que realmente são. Com isso, o Estatuto da Criança e Adolescente continua com critérios no mínimo defasados. Vivemos num mundo surreal no Brasil! Agora, a situação está piorando mais ainda, com esta onda de facadas no Rio!

E que futuro têm esses meninos? Quando não são traficantes de droga, são drogados. Vivem em disputas entre eles, se matam a torto e a direito. Se estivessem nas escolas o dia inteiro, seriam formados para serem cidadãos honestos, capazes de dar bons frutos; não estariam vagabundeando pelas ruas. Na minha opinião, não resta a menor dúvida de que a solução a médio e longo prazo é a Educação, com escola em tempo integral. Mas tem que ser um processo continuado, não se pode abandoná-lo com poucos anos de experiência, como aconteceu.

Uma das primeiras coisas que meu marido observou, na primeira vez em que foi ao Brasil, no trajeto do aeroporto para casa, foi a quantidade de crianças na rua. E perguntou se elas não iam à escola... Eu tive que explicar, muito envergonhada, que nossos cursos são em turnos. Ele ficou surpreso, pois desde que se entende por gente, as escolas aqui no Canadá são em tempo integral, faça neve ou faça sol.

Por falar em neve, acho que seria mais fácil nevar e fazer bastante frio no Brasil do que esperar alguma atitude razoável por parte de nossos políticos e governantes, infelizmente.

É uma reação em cadeia: os governos e políticos que temos são também consequência da ignorância, pela qual o próprio povo paga caro, por não saber votar. 

Ô coisa emperrada, sô!!!

Muito cuidado aí, gente! E vamos continuar lutando por um Brasil digno!

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