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Hoje, eu andava com tanta saudade do Brasil
que comprei uma manga no supermercado (bonita, mas sem aquele cheirinho) – Noga
Sklar – 1º de maio de 2015
Ah! Os perfumes das flores, o
cheirinho de mato, de “l’ail de bois”, “la ciboulette”, “l’échalote
française”... Os aromas da primavera estão nos inebriando. Claro, quando o
vento não vem do lado errado, de onde os agricultores espalham adubo nos campos.
Aí é terrível. Mas é cheiro de primavera também.
E salvem-se como puderem os
alérgicos, tudo sai voando pelos ares, pólen e borboletas aos milhares... Vespas,
abelhas e mosquitos... “la mouche noire” e meus faniquitos. A natureza não tem
tempo a perder, antes que venha o frio de novo.
Mas foi a observação da escritora
Noga Sklar, que uso como epígrafe, que me fez lembrar de um certo episódio, já
faz algum tempo...
- Que cheirinho de Brasil é esse?
– perguntei ao colega de trabalho que tinha acabado de esquentar sua comida no
micro-ondas do refeitório.
Com muita curiosidade, temperada
com um bom bocado de saudade, salpicada com um ímpeto de cara de pau que me
surpreendeu, tudo isso requentado com uma fome que estava me matando, lá fui eu,
investigar o prato do caro colega. Descartei um ingrediente que sempre me
acompanha, a timidez, e nenhuma falta me fez.
O canadense, com um leve sorriso,
não conseguindo esconder seu espanto e quase receio, foi logo estendendo o
prato em minha direção, para que eu pudesse analisar onde estava o X da
questão.
Por conta de sei lá o quê, tinha associado
o cheiro a quiabo e imaginei o que viria completar um dos meus pratos
prediletos, ou seja, refogado de carne – frango não, que diabo! – com aquele
anguzinho, no ponto! Pronto... Salivei.
Quem nunca experimentou, não sabe o que não ganhou.
Mas não era quiabo e ninguém
jamais ouviu falar disso aqui. Era um simples pimentão “made in Quebec”,
recém-colhido, daí o cheirinho delicioso. Porque, se fosse no inverno, teria
que ser importado e, não sei por que processamentos passam os produtos que vêm
do exterior, ficam quase completamente inodoros, porém lindos e brilhantes... O
que nos traz de volta às alergias.
As frutas e legumes costumam ser pintados
e lustrados. É verdade! Aquelas frutas maravilhosas, impecáveis e brilhantes
que vemos nos supermercados, são tratadas com embelezadores, que podem ser
corantes ou lustradores. Dizem que os produtos usados são naturais, não fazem
mal algum. Eu sempre me perguntava por que as bananas aqui são tão lindas,
apesar de tão viajadas. A resposta é o acabamento que recebem para seduzir o
freguês, mas que pode provocar alergias em algumas pessoas. Ainda bem que são
ocorrências raras. Eu fiquei sabendo de um caso, que foi uma verdadeira saga
para descobrir qual era o causador da alergia.
Bom, voltando ao quiabo, foi a
vez do meu amigo ficar curioso, querendo saber o que era aquilo. E eu lá sabia
o nome em francês? Nem em inglês... Nunca tinha comido quiabo em outra língua,
só na minha mesmo. Resolvemos procurar na internet, durante o horário de almoço
que ainda restava. Bingo! Entre vários, os nomes mais usados são okra em inglês e gombo em francês.
Isso aconteceu numa sexta-feira,
a memória ficou gravada, porque na segunda-feira seguinte, meu amigo chegou ao
trabalho com um saco repleto de quiabos e veio me entregar de presente. Quanta
delicadeza, não posso me esquecer disso, fiquei emocionada! São atitudes que
nos cativam, que nos fazem sentir bem-vindos num outro país, tão distante e tão
diferente do nosso.
Mas onde ele foi achar tanto
quiabo? Pois o danadinho tivera que ir a Montreal no fim de semana e, passando
perto de um mercado famoso por ter de tudo, de todos os cantos do planeta, foi
procurar por “okra”, munido de uma foto que imprimira do computador, com o nome
escrito.
Ao me entregar o presente, ele
disse que queria provar quando eu o preparasse, que eu levasse um pouco para
ele. E lá estava eu sem saber o que fazer com tanto quiabo. Sou um zero à
esquerda na cozinha e, além do mais, já tinha ouvido dizer que o segredo para
ficar mais gostoso é tirar aquela gosma escorregadia, o que não é fácil. Ai,
meu Deus! O meu marido, que é um “chef” fabuloso, nunca tinha visto aquilo e já
foi logo se dispensando da tarefa. Afinal, tratava-se de um prato típico da
minha terra, eu que me arranjasse.
A internet, minha salvação e responsável
por ter vindo esbarrar desse lado do mundo, funcionou de novo, achei o método
para eliminar a baba do quiabo. Segui tudo direitinho e não consegui. De onde
saía tanta gosma? Ao cortá-los em rodelas, teve disco voador que foi parar na
outra sala, contígua à nossa cozinha. Quando alguém diz que alguma coisa
“escorrega como quiabo”, não é verdade. Acho que não existe nada tão
escorregadio!
Finalmente estava pronto o meu
prato típico, que não ficou tão típico assim, mas saboroso e com cheirinho de
Brasil. Sem angu, obviamente, porque para tudo existe um limite, sobretudo para
quem, como eu, o limite intransponível se encontra em torno do fogão. Mas nem
precisou do angu para nos sentirmos satisfeitos; com uma pequena porção do
famoso quitute, ficamos sem vontade de comer por todo o resto do dia. Não me
lembro se o quiabo bem preparado nas cozinhas mineiras era tão pesado como o
que eu fiz... Será que foi a gosma?
De qualquer forma, a aventura valeu
a pena, pois demos gargalhadas de desopilar o fígado. E, claro, no dia
seguinte, levei uma porção para o colega de trabalho que me presenteara. Não
quis esmiuçar muito quando ele me disse que o quiabo tinha um bom gosto exótico. Enfim,
ele poderá se gabar de ter comido quiabo, pelo menos uma vez na vida. Tenho uma
certa intuição de que ele não arriscará outra.
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