quarta-feira, maio 27, 2015

Cheirinho de Brasil

Publicado também pela KBR Editora Digital em 30 de maio de 2015:
http://www.kbrdigital.com.br/blog/cheirinho-de-brasil/


Hoje, eu andava com tanta saudade do Brasil que comprei uma manga no supermercado (bonita, mas sem aquele cheirinho) – Noga Sklar – 1º de maio de 2015

Ah! Os perfumes das flores, o cheirinho de mato, de “l’ail de bois”, “la ciboulette”, “l’échalote française”... Os aromas da primavera estão nos inebriando. Claro, quando o vento não vem do lado errado, de onde os agricultores espalham adubo nos campos. Aí é terrível. Mas é cheiro de primavera também.

E salvem-se como puderem os alérgicos, tudo sai voando pelos ares, pólen e borboletas aos milhares... Vespas, abelhas e mosquitos... “la mouche noire” e meus faniquitos. A natureza não tem tempo a perder, antes que venha o frio de novo.

Mas foi a observação da escritora Noga Sklar, que uso como epígrafe, que me fez lembrar de um certo episódio, já faz algum tempo...

- Que cheirinho de Brasil é esse? – perguntei ao colega de trabalho que tinha acabado de esquentar sua comida no micro-ondas do refeitório.

Com muita curiosidade, temperada com um bom bocado de saudade, salpicada com um ímpeto de cara de pau que me surpreendeu, tudo isso requentado com uma fome que estava me matando, lá fui eu, investigar o prato do caro colega. Descartei um ingrediente que sempre me acompanha, a timidez, e nenhuma falta me fez.

O canadense, com um leve sorriso, não conseguindo esconder seu espanto e quase receio, foi logo estendendo o prato em minha direção, para que eu pudesse analisar onde estava o X da questão.
Por conta de sei lá o quê, tinha associado o cheiro a quiabo e imaginei o que viria completar um dos meus pratos prediletos, ou seja, refogado de carne – frango não, que diabo! – com aquele anguzinho, no ponto! Pronto...  Salivei. Quem nunca experimentou, não sabe o que não ganhou.

Mas não era quiabo e ninguém jamais ouviu falar disso aqui. Era um simples pimentão “made in Quebec”, recém-colhido, daí o cheirinho delicioso. Porque, se fosse no inverno, teria que ser importado e, não sei por que processamentos passam os produtos que vêm do exterior, ficam quase completamente inodoros, porém lindos e brilhantes... O que nos traz de volta às alergias. 

As frutas e legumes costumam ser pintados e lustrados. É verdade! Aquelas frutas maravilhosas, impecáveis e brilhantes que vemos nos supermercados, são tratadas com embelezadores, que podem ser corantes ou lustradores. Dizem que os produtos usados são naturais, não fazem mal algum. Eu sempre me perguntava por que as bananas aqui são tão lindas, apesar de tão viajadas. A resposta é o acabamento que recebem para seduzir o freguês, mas que pode provocar alergias em algumas pessoas. Ainda bem que são ocorrências raras. Eu fiquei sabendo de um caso, que foi uma verdadeira saga para descobrir qual era o causador da alergia. 

Bom, voltando ao quiabo, foi a vez do meu amigo ficar curioso, querendo saber o que era aquilo. E eu lá sabia o nome em francês? Nem em inglês... Nunca tinha comido quiabo em outra língua, só na minha mesmo. Resolvemos procurar na internet, durante o horário de almoço que ainda restava. Bingo! Entre vários, os nomes mais usados são okra em inglês e gombo em francês.

Isso aconteceu numa sexta-feira, a memória ficou gravada, porque na segunda-feira seguinte, meu amigo chegou ao trabalho com um saco repleto de quiabos e veio me entregar de presente. Quanta delicadeza, não posso me esquecer disso, fiquei emocionada! São atitudes que nos cativam, que nos fazem sentir bem-vindos num outro país, tão distante e tão diferente do nosso.

Mas onde ele foi achar tanto quiabo? Pois o danadinho tivera que ir a Montreal no fim de semana e, passando perto de um mercado famoso por ter de tudo, de todos os cantos do planeta, foi procurar por “okra”, munido de uma foto que imprimira do computador, com o nome escrito.

Ao me entregar o presente, ele disse que queria provar quando eu o preparasse, que eu levasse um pouco para ele. E lá estava eu sem saber o que fazer com tanto quiabo. Sou um zero à esquerda na cozinha e, além do mais, já tinha ouvido dizer que o segredo para ficar mais gostoso é tirar aquela gosma escorregadia, o que não é fácil. Ai, meu Deus! O meu marido, que é um “chef” fabuloso, nunca tinha visto aquilo e já foi logo se dispensando da tarefa. Afinal, tratava-se de um prato típico da minha terra, eu que me arranjasse.

A internet, minha salvação e responsável por ter vindo esbarrar desse lado do mundo, funcionou de novo, achei o método para eliminar a baba do quiabo. Segui tudo direitinho e não consegui. De onde saía tanta gosma? Ao cortá-los em rodelas, teve disco voador que foi parar na outra sala, contígua à nossa cozinha. Quando alguém diz que alguma coisa “escorrega como quiabo”, não é verdade. Acho que não existe nada tão escorregadio!

Finalmente estava pronto o meu prato típico, que não ficou tão típico assim, mas saboroso e com cheirinho de Brasil. Sem angu, obviamente, porque para tudo existe um limite, sobretudo para quem, como eu, o limite intransponível se encontra em torno do fogão. Mas nem precisou do angu para nos sentirmos satisfeitos; com uma pequena porção do famoso quitute, ficamos sem vontade de comer por todo o resto do dia. Não me lembro se o quiabo bem preparado nas cozinhas mineiras era tão pesado como o que eu fiz... Será que foi a gosma?

De qualquer forma, a aventura valeu a pena, pois demos gargalhadas de desopilar o fígado. E, claro, no dia seguinte, levei uma porção para o colega de trabalho que me presenteara. Não quis esmiuçar muito quando ele me disse que o quiabo tinha um bom gosto exótico. Enfim, ele poderá se gabar de ter comido quiabo, pelo menos uma vez na vida. Tenho uma certa intuição de que ele não arriscará outra.

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