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E, mais uma vez, o mundo todo
ficou transtornado com outra catástrofe, agora o terremoto no Nepal. Quando vi
as primeiras imagens, tive uma sensação horrível, vendo aquelas pessoas sendo
retiradas dos escombros, elas próprias quase transformadas em escombros, tudo
da mesma cor. Embora já tenhamos visto inúmeros outros casos semelhantes, cada
vez que isso acontece, ficamos abalados, claro. Que terra é essa? Que vida é
essa que nos inflige tantos desastres e perturbações? São tantas provações e
desassossegos!
Essas catástrofes nos deixam
interrogações sem fim. Mas há quem retruque prontamente: - O mundo é assim, fazer o quê?. Queria eu poder pensar desse jeito,
como pó da terra que somos, mas o danado
do sopro nas narinas[1]
vira por vezes vendaval.
Como se não bastasse o clima
gélido do Canadá, aqui também acontecem terremotos. A cada ano, o leste do país sofre uma média de 450
tremores[2]. Embora geralmente imperceptíveis,
os abalos sísmicos são reais e bem registrados. Especialistas acreditam
que há chances de que um grande
terremoto ocorra no Quebec, como
já aconteceu no passado, com relatos de consequências devastadoras em 1663 e
outros não tão destrutivos, mas significativos, em 1925 (6,2 na escala
Richter), 1935 (também 6,2) e em 1988 (5,9).
No caso da Colúmbia Britânica, no extremo oeste do
país, onde se registram abalos sísmicos quase todos os dias, a causa é o fato
de estar sobre os limites de placas tectônicas e o risco de grandes terremotos
ainda é maior. No Quebec, o fenômeno não é bem explicado, já que a província
não se encontra numa região de falha geológica. Há um estudo[3] que tenta explicar o que
acontece aqui pelo movimento de placas deslizando verticalmente, em direção ao
centro da terra. Estas placas estariam longe da superfície e esse deslocamento se
combinaria com a dinâmica de rebote pós-glacial da crosta terrestre: após o fim
da última era glacial, a crosta terrestre está subindo lentamente, liberada do
peso enorme do gelo.
Seja lá o que for, isso mete medo. Não é difícil constatar
quão frágeis nós realmente somos.
Eu nunca tinha “sentido” um terremoto antes de me
mudar para cá. Quando criança, os estrondos surdos que ouvíamos, que faziam
tilintar os cristais na cristaleira de minha mãe e tremelicar as janelas, nos
faziam pensar que fossem terremotos. Mas havia sempre alguma voz que vinha
tranquilizar a todos, dizendo que eram as detonações de dinamite nas minas subterrâneas
da cidade vizinha, Nova Lima – nós morávamos perto de um morro que nos separava
de Nova Lima.
Nada para tranquilizar, saber que havia explosões abaixo dos
nossos pés. Essas perfurações foram feitas em vários sentidos, como
formigueiros, havendo galerias subterrâneas que chegam a ir além da Praça Sete,
no centro de Belo Horizonte. A “Mina Grande” do grupo “Morro Velho” já está
desativada, mas ainda existem outras que continuam extraindo o nosso ouro e
mandando para fora do país. Essas minas de Nova Lima são exploradas por
companhias inglesas desde 1834, até hoje [4].
Mas voltando aos terremotos... Pouco tempo depois
que me mudei para o Canadá, fui acordada por um abalo sísmico, 4,7 na escala
Richter. Não estávamos no epicentro, mas mesmo assim foi o suficiente para me
arrancar do meu pesado sono matinal. Atordoada com o despertar forçado, não
associei o sacolejar da cama ao barulho estranho que vinha das profundezas do
meu travesseiro, um som grave como se fosse um motor possante longínquo ou
talvez um rosnado... Isso, um rosnado de uma enorme caixa acústica distante. Só
fui pensar no barulho mais tarde, diga-se de passagem, com uma sensação
horrível em retrospectiva. De imediato, a minha impressão foi de que o
movimento rápido da cama para um lado e para o outro, repetidas vezes, fosse
uma brincadeira de mau gosto do meu marido, para me acordar. Imaginem que
cena... Levantei a cabeça, já interpelando: - O que é isso?
Eu estava realmente perturbada com aquilo, pois
ele nunca havia feito nada parecido e nem seria possível para ninguém agitar a
cama naquela rapidez, como se fosse uma leve bandeja nas mãos. Ao perceber que
estava sozinha no quarto e que não havia mais movimento nenhum, pensei: Será que foi um pesadelo? Não, não podia
ser, eu ainda estava sob o impacto daquela sensação desagradável tão real e que
não tinha nada a ver com vibrações de dinamitação.
Fui procurar meu marido e ele, tranquilo no seu
computador, respondeu à minha pergunta, antes mesmo que eu a formulasse:
- Parece que foi um pequeno terremoto, o
computador balançou, tudo parece ter tremido por alguns segundos. Vamos ver o
noticiário mais tarde, devem falar sobre isso.
E não tardou muito, a
notícia estava nas manchetes dos jornais online
e também nos noticiários da TV. Ainda bem que naquela época eu não sabia que um
abalo sísmico sempre tem réplicas, pois teria ficado preocupada; e se houve não
foram sentidas.
Um sismo leve como esse me deixou tão assustada, fico
pensando no pavor que devem causar esses grandes terremotos, com os agravantes
dos estragos e das perdas imensuráveis que provocam. É realmente como se a terra
estivesse rosnando e trincando os dentes, enquanto sacode as presas. Que terra
é essa?
Agora, começaram a se intensificar as campanhas
para ajuda ao Nepal. Espero que não aconteça como no Haiti. O mundo inteiro
aderiu generosamente, arrecadando e doando bilhões de dólares a instituições
que se prontificaram a auxiliar as vítimas. Organizações internacionais bem equipadas
cuidaram dos resgates, da limpeza, forneceram alimento e água aos sinistrados.
Numerosos funcionários, médicos, enfermeiros, especialistas em desastres
naturais estiveram lá, muitos ainda estão bem instalados. Mas de todo esse
dinheiro que foi doado, grande parte se evaporou, não se sabe como foi
aplicado; outra parte alegam ter sido consumida para pagar todo esse pessoal da
ajuda humanitária em suas viagens e estadias nos locais atingidos e para
financiar todo o material usado. Sequer um tostão chegou às mãos dos
sobreviventes que perderam tudo: além de familiares, não têm mais casa nem
emprego – tudo desapareceu na poeira dos escombros.
A ajuda humanitária não foi capaz de reestruturar
o país, de coordenar ações para reorganizar a sociedade. Muitos haitianos
fugiram e, ainda hoje, 5 anos após o terremoto, há milhares vivendo em tendas
improvisadas, obtendo víveres que lhes fornecem as instituições internacionais que
continuam perpetuando, digamos assim, essa desoladora situação. Analistas
chegam a dizer que existe uma indústria da filantropia. Pode até ser bem
intencionada, mas não se desenvolveu ainda um método capaz de desmontar o
círculo vicioso que se formou no Haiti.
Quando não são as catástrofes da natureza que
causam danos, são os próprios humanos que não dão o melhor de si mesmos – para
não dizer coisa pior.
Espero que o povo e o governo do Nepal não se
deixem dominar pela indústria da filantropia. Que eles procedam à recuperação
do seu país com suas próprias decisões. Ajuda humanitária, sim, mas indústria da
filantropia, não.
[1] Gênesis
2:7
[2]
http://www.earthquakescanada.nrcan.gc.ca/zones/eastcan-eng.php
[3]
http://www.uqam.ca/entrevues/2007/e2007-170.htm
[4]
http://www.anglogoldashanti.com.br/Paginas/QuemSomos/Historia.aspx
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