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O planeta, não tenho dúvida de que se salvará,
talvez a gente não se salve.
Recentemente, este respeitável
mineiro do Vale do Rio Doce, Sebastião Salgado, foi objeto de um documentário,
intitulado “O Sal da Terra”[1],
que espero poder ver brevemente. Admiro muito o seu trabalho como fotógrafo.
Sua obra é valiosa para a humanidade! A percepção do mundo que deixa
transparecer, me surpreende cada vez mais.
Este personagem é muito mais do
que um fotógrafo; trata-se de um estudioso do comportamento da vida em nosso
planeta. Além disso, é um contador de casos que me deixa embevecida[2].
Ele tem o dom de falar de uma forma que nos cativa. Contar histórias bem
contadas é uma arte.
Que encanto têm as imagens que ele
nos transmite, mesmo sem sua câmera, usando suas palavras; como quando, ao ser
perguntado qual foi a influência que recebeu para
inspirá-lo na luz e composição magníficas de suas fotos, ele responde que foi
na fazenda onde nasceu, em Aimorés, seu pai o pegava pela mão, quando ele ainda
era pequenininho, e o levava ao ponto mais alto da região, para ver a chuva
chegar. É de lá que vem a sua luz, passando através das nuvens, sobre as
montanhas de Minas.
Poesia é o que não falta na sua
linguagem, por exemplo, quando fala tão amorosamente da presença da sua mulher,
que organiza tudo para tornar o seu trabalho perfeito. Mais de 50 anos de
cumplicidade! E são tão jovens! A contribuição deste casal, para que possamos
“ver para crer” é algo extraordinário. É uma prova de que tudo o que fazemos
pode ser feito com beleza e utilizado em prol do bem.
Ao falar sobre isso, tenho a sensação
de colaborar um pouco para a divulgação dessa obra fabulosa e o que ela
representa. Mas ninguém melhor do que Sebastião Salgado para nos maravilhar com
suas palavras. Nas suas entrevistas, as observações que ele faz sobre o que
vivenciou são bastante inspiradoras. Entrei, inevitavelmente, em modo reflexão
sobre a nossa presença na Terra.
Ele começou fotografando seres
humanos em situações extremas, em várias regiões do globo terrestre:
trabalhadores, grupos excluídos, populações em êxodo, genocídios. Através da
fotografia, ele se entremeou com essa gente, como se estivesse ele também
vivenciando aqueles infortúnios. O seu poder de empatia com aquilo que
fotografa é impressionante; é como se quisesse compartilhar de todo o
sofrimento ao qual é submetida a dignidade humana. Num dado momento, ele chegou
a ficar doente e seu médico lhe recomendou parar, pois se continuasse,
morreria.
Para se recuperar, sentiu
necessidade de voltar às suas origens, em Minas Gerais, e diz que encontrou devastada
a fazenda onde viveu sua infância; assim como ele próprio estava, naquele
momento, desolado. Juntamente com sua mulher decidiu, então, iniciar um projeto
de reflorestamento dessa região, o que mudou seu comportamento e o motivou a
continuar lutando por alguma coisa. Eles criaram o Instituto Terra e a fazenda
se transformou em Reserva Particular de Patrimônio Natural.
O seu interesse pela questão dramática
das desigualdades entre os povos, do sofrimento das populações por vários
motivos, deu lugar ao interesse por algo mais grave ainda, que é o problema
ambiental causado, em parte, pelos humanos. Mais grave porque, na sua opinião, poderá
levar à extinção da nossa espécie. Para ele, o planeta não vai ser destruído,
nós é que vamos ser eliminados, se continuarmos a agredi-lo. Em suas palavras:
“O planeta, não tenho dúvida de que se
salvará, talvez a gente não se salve. Nós estamos levando a nossa possibilidade
de subsistência no planeta ao limite. Acho uma grande responsabilidade da nossa
parte, da nossa espécie, e não só no Brasil, mas no planeta inteiro. Nós
estamos abusando do planeta. Hoje existe um aquecimento real do planeta, mais
que provado, muito provocado pelo comportamento humano. Mas, que o planeta
poderá se refazer depois da gente, não tem dúvida.
A partir desse novo enfoque, ele
passa a fotografar animais, ecossistemas,
paisagens e povos intocados pelo progresso, no projeto Gênesis, que
durou oito anos. Organizou expedições a desertos, aos círculos polares, a
florestas tropicais... Buscando o planeta sem as modificações provocadas pela vida
moderna, ele encontrou a si mesmo. Teve contato com povos primitivos nessas
regiões, viveu no meio deles por períodos de tempo, se metamorfoseando, como se
fizesse parte dessas populações. Desta maneira, diz ter conseguido voltar à
essência e reencontrar a sua espécie, o que lhe trouxe paz de espírito.
A maneira como o fotógrafo
descreve sua interação com o mundo mineral – onde ele também vê vida – é fascinante.
Nos mundos animal e vegetal, a reverência com a qual relata sua experiência com
as outras espécies é algo comovente. É com
um profundo respeito que os retrata. Ele diz: "Me contaram uma mentira durante toda a minha vida dizendo que eu fazia
parte da única espécie racional do planeta. Existe uma racionalidade profunda
dentro de cada espécie. E eu tive que aprender a compreender essa racionalidade."
O relato do seu encontro com a
tartaruga que conheceu Darwin, em Galápagos, é um caso à parte, simplesmente
espetacular[3].
Segundo o artista, ainda há em
torno de 45% da Terra em estado intacto, sem ações devastadoras do ser humano,
onde as comunidades preservam antigos costumes e tradições. O projeto Gênesis é
um clamor à preservação e à recuperação do planeta, para que nossa vida
continue viável.
Enfim, é difícil encontrar alguém
que tenha tido uma experiência tão vasta como essa, tendo percorrido todas as
regiões da Terra, convivendo com populações de todo tipo, em variados estados
civilizatórios. E o mais importante, com uma mensagem tão eloquente, através da
fotografia! Hats off!
Creio que o artista tem razão.
Precisamos mudar nossas atitudes para nos mantermos vivos, do contrário os
efeitos naturais em resposta às nossas ações agressivas poderão se voltar
contra nós. Estamos agindo irresponsavelmente, com uma visão imediatista. O que
parece vantajoso para o progresso hoje, pode nos deteriorar com o passar do
tempo e nos tornar inviáveis enquanto espécie. Não sou contra o progresso, pois
ele faz parte da índole do ser humano, mas que não seja um processo
autodestrutivo.
Atualmente, o Gênesis está em
exposição em Curitiba (Brasil), Lisboa (Portugal) e Berlim (Alemanha). Não vejo
a hora que a exposição venha a Montreal.
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