segunda-feira, junho 08, 2015

Gênesis, segundo Sebastião Salgado

Também publicado pela KBR Editora Digital em 13 de junho de 2015:

http://www.kbrdigital.com.br/blog/genesis-segundo-sebastiao-salgado/


 "O planeta, não tenho dúvida de que se salvará, talvez a gente não se salve." Sebastião Salgado

Recentemente, este respeitável mineiro do Vale do Rio Doce, Sebastião Salgado, foi objeto de um documentário, intitulado “O Sal da Terra”[1], que espero poder ver brevemente. Admiro muito o seu trabalho como fotógrafo. Sua obra é valiosa para a humanidade! A percepção do mundo que deixa transparecer, me surpreende cada vez mais. 

Este personagem é muito mais do que um fotógrafo; trata-se de um estudioso do comportamento da vida em nosso planeta. Além disso, é um contador de casos que me deixa embevecida[2]. Ele tem o dom de falar de uma forma que nos cativa. Contar histórias bem contadas é uma arte.

Que encanto têm as imagens que ele nos transmite, mesmo sem sua câmera, usando suas palavras; como quando, ao ser perguntado qual foi a influência que recebeu para inspirá-lo na luz e composição magníficas de suas fotos, ele responde que foi na fazenda onde nasceu, em Aimorés, seu pai o pegava pela mão, quando ele ainda era pequenininho, e o levava ao ponto mais alto da região, para ver a chuva chegar. É de lá que vem a sua luz, passando através das nuvens, sobre as montanhas de Minas.

Poesia é o que não falta na sua linguagem, por exemplo, quando fala tão amorosamente da presença da sua mulher, que organiza tudo para tornar o seu trabalho perfeito. Mais de 50 anos de cumplicidade! E são tão jovens! A contribuição deste casal, para que possamos “ver para crer” é algo extraordinário. É uma prova de que tudo o que fazemos pode ser feito com beleza e utilizado em prol do bem. 

Ao falar sobre isso, tenho a sensação de colaborar um pouco para a divulgação dessa obra fabulosa e o que ela representa. Mas ninguém melhor do que Sebastião Salgado para nos maravilhar com suas palavras. Nas suas entrevistas, as observações que ele faz sobre o que vivenciou são bastante inspiradoras. Entrei, inevitavelmente, em modo reflexão sobre a nossa presença na Terra. 

Ele começou fotografando seres humanos em situações extremas, em várias regiões do globo terrestre: trabalhadores, grupos excluídos, populações em êxodo, genocídios. Através da fotografia, ele se entremeou com essa gente, como se estivesse ele também vivenciando aqueles infortúnios. O seu poder de empatia com aquilo que fotografa é impressionante; é como se quisesse compartilhar de todo o sofrimento ao qual é submetida a dignidade humana. Num dado momento, ele chegou a ficar doente e seu médico lhe recomendou parar, pois se continuasse, morreria.

Para se recuperar, sentiu necessidade de voltar às suas origens, em Minas Gerais, e diz que encontrou devastada a fazenda onde viveu sua infância; assim como ele próprio estava, naquele momento, desolado. Juntamente com sua mulher decidiu, então, iniciar um projeto de reflorestamento dessa região, o que mudou seu comportamento e o motivou a continuar lutando por alguma coisa. Eles criaram o Instituto Terra e a fazenda se transformou em Reserva Particular de Patrimônio Natural.

O seu interesse pela questão dramática das desigualdades entre os povos, do sofrimento das populações por vários motivos, deu lugar ao interesse por algo mais grave ainda, que é o problema ambiental causado, em parte, pelos humanos. Mais grave porque, na sua opinião, poderá levar à extinção da nossa espécie. Para ele, o planeta não vai ser destruído, nós é que vamos ser eliminados, se continuarmos a agredi-lo. Em suas palavras: “O planeta, não tenho dúvida de que se salvará, talvez a gente não se salve. Nós estamos levando a nossa possibilidade de subsistência no planeta ao limite. Acho uma grande responsabilidade da nossa parte, da nossa espécie, e não só no Brasil, mas no planeta inteiro. Nós estamos abusando do planeta. Hoje existe um aquecimento real do planeta, mais que provado, muito provocado pelo comportamento humano. Mas, que o planeta poderá se refazer depois da gente, não tem dúvida.

A partir desse novo enfoque, ele passa a fotografar animais, ecossistemas, paisagens e povos intocados pelo progresso, no projeto Gênesis, que durou oito anos. Organizou expedições a desertos, aos círculos polares, a florestas tropicais... Buscando o planeta sem as modificações provocadas pela vida moderna, ele encontrou a si mesmo. Teve contato com povos primitivos nessas regiões, viveu no meio deles por períodos de tempo, se metamorfoseando, como se fizesse parte dessas populações. Desta maneira, diz ter conseguido voltar à essência e reencontrar a sua espécie, o que lhe trouxe paz de espírito.

A maneira como o fotógrafo descreve sua interação com o mundo mineral – onde ele também vê vida – é fascinante. Nos mundos animal e vegetal, a reverência com a qual relata sua experiência com as outras espécies é algo comovente.  É com um profundo respeito que os retrata. Ele diz: "Me contaram uma mentira durante toda a minha vida dizendo que eu fazia parte da única espécie racional do planeta. Existe uma racionalidade profunda dentro de cada espécie. E eu tive que aprender a compreender essa racionalidade."

O relato do seu encontro com a tartaruga que conheceu Darwin, em Galápagos, é um caso à parte, simplesmente espetacular[3].

Segundo o artista, ainda há em torno de 45% da Terra em estado intacto, sem ações devastadoras do ser humano, onde as comunidades preservam antigos costumes e tradições. O projeto Gênesis é um clamor à preservação e à recuperação do planeta, para que nossa vida continue viável.

Enfim, é difícil encontrar alguém que tenha tido uma experiência tão vasta como essa, tendo percorrido todas as regiões da Terra, convivendo com populações de todo tipo, em variados estados civilizatórios. E o mais importante, com uma mensagem tão eloquente, através da fotografia! Hats off!

Creio que o artista tem razão. Precisamos mudar nossas atitudes para nos mantermos vivos, do contrário os efeitos naturais em resposta às nossas ações agressivas poderão se voltar contra nós. Estamos agindo irresponsavelmente, com uma visão imediatista. O que parece vantajoso para o progresso hoje, pode nos deteriorar com o passar do tempo e nos tornar inviáveis enquanto espécie. Não sou contra o progresso, pois ele faz parte da índole do ser humano, mas que não seja um processo autodestrutivo.

Atualmente, o Gênesis está em exposição em Curitiba (Brasil), Lisboa (Portugal) e Berlim (Alemanha). Não vejo a hora que a exposição venha a Montreal.

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