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Um país desenvolvido é aquele que permite
que todos os cidadãos desfrutem de uma vida livre e saudável em um ambiente
seguro." Kofi Annan
De volta de um curto
período no meu amado Brasil. Foram dez dias cheios de emoções. É sempre uma
alegria rever os familiares e amigos, embora as circunstâncias, por vezes, não
sejam as ideais. E isso acontece cada vez mais frequentemente, quanto mais
envelhecemos, pois vamos vendo pessoas do “nosso” mundo indo embora. Dessa vez,
uma tia muito querida que se foi... e a face da terra ficou menos risonha para
mim, pois com ela foi-se um quê de melodia, um jeito de cantar, um declamar de
poesia, foi-se um encanto assim pelo ar, que só Luluca sabia.
No Canadá, estamos em
tempo de festividades patrióticas, ou melhor, étnicas. Celebram-se em junho o Dia Nacional do
Aborígene (os aborígenes aqui são os índios e os esquimós), a Festa de São João
(que é a festa nacional da província do Québec), o Dia do Multiculturalismo
Canadense e, para finalizar a temporada, o Dia do Canadá no 1º de julho. Para
quem não sabe, o país compreende mais de uma nação: há as nações dos índios, a
nação dos Inuits (esquimós) e também a nação dos canadenses franceses, além da nação
do país inteiro – aquele velho problema de identidade e pertencimento das
etnias. Aqui, praticamente não houve miscigenação entre os povos; são solitudes
que se avizinham geograficamente.
E no meio disso tudo,
cá estou eu, uma brasileira bem típica, ou seja, resultado de uma salada de
etnias bem à moda tupiniquim, que se casou com um canadense francês, possuidor
da mente mais aberta que já conheci, embora orgulhoso de seu estado “pure laine”,
bem ancorado no “je me souviens” do povo quebequense.
Falando sobre esses
assuntos numa reunião de família, durante minha estada no Brasil, creio que
assustei os mais jovens, que ainda não sabiam, quando comentei que, para obter
minha cidadania canadense, tive que declarar solenemente minha fidelidade à Sua
Majestade a Rainha Elizabeth Segunda, Rainha do Canadá, bem como a seus
herdeiros e sucessores.¹
Além da
fidelidade à rainha, temos também que nos comprometer a cumprir as leis do
Canadá e as obrigações de cidadão canadense, claro. Não vejo nada errado nessas
exigências, acho isso normal e até mesmo necessário. Este não é um país de
chacotas. O Canadá é um país sério, que exige o cumprimento dos deveres do
cidadão, mas dá a ele segurança e serviços dignos.
Quanto à
lealdade à rainha, não posso negar que achei diferente, não estava acostumada à
monarquia. Mas não me opus a essa ideia quando me lembrei de que foram os
ingleses que forçaram o Brasil a abolir a escravidão. Não importa o que pudesse
estar por trás disso, a ideia foi bastante por si só e minhas reverências são
poucas para louvar o feito.
Além do mais, depois
que me mudei para cá, não senti mais a insegurança que temos no cotidiano
brasileiro. Lá, vivemos sob a tutela do medo... e não é de hoje. É preferível
ser súdita da rainha do que do medo. Chega num ponto que a gente não aguenta
mais.
Confesso, no
entanto, que aquele amor puro, tenro, pueril que se pode ter a uma nação,
tenho-o pelo Brasil, que me viu nascer, crescer, que me nutriu, que me deu estudo
e onde tenho minha família e meus amigos. Por isso, nunca abandonaria minha
nacionalidade brasileira. O Brasil é o lugar onde tenho a minha história, onde
posso compartilhar sentimentos e experiências semelhantes com outros seres
humanos. É onde compreendo melhor os outros e a recíproca também acontece.
Por mais que escute o meu marido relembrando, com
os irmãos, casos da história deles, como quando eram pequenos e aproveitavam o
rio congelado e o atravessavam a pé, para encurtar caminho para a escola; e
ele, o mais velho, ia desbravando a neve para os menorezinhos passarem... em
meio à pouca visibilidade do mau tempo, supondo-se no caminho certo... Por mais
que ouça essas narrativas, essas sensações revividas por eles, nas reuniões
familiares, jamais serei capaz de ter o mesmo “feeling” que eles têm.
Do mesmo jeito,
eles jamais poderão ter empatia com o que passamos no Brasil... Meu marido não
compreende por que eu sou uma pessoa tão cheia de medos e desconfianças. Sou
assim mesmo, apesar de ter tido a coragem de largar tudo no meu país e ter
vindo para este lugar gélido – com esta resposta, refuto qualquer acusação de
fragilidade.
Claro que cada
pessoa reage ao ambiente com as características que tem – eu fiquei assim,
desconfiada. O Brasil não foi e não é um país que nos dê segurança, apesar de
toda a felicidade que poderia nos propiciar, pela sua riqueza natural e em
troca do que lhe damos com o nosso trabalho, durante toda a nossa vida. E a
felicidade de que falo não é nada muito complicado, não; seria podermos todos
viver com segurança e em paz, mais ou menos o que diz a frase de Kofi Annan, em
epígrafe.
Mas os governos
do Brasil nunca se preocuparam muito com isso. Parte da minha infância, toda a
minha adolescência e juventude, foram vividas num Brasil praticamente em
constante estado de sítio, durante a Ditadura Militar. O medo impregnava todos
e era silencioso, pois as paredes tinham ouvidos.
Foram longos
anos... sem democracia. Quando acabou a ditadura e após um período de transição,
o primeiro presidente eleito pelo povo foi um maluco de olhos arregalados, que,
sem piscá-los, confiscou o dinheiro de todo mundo, . A reposição posterior foi
lenta e com uma desvalorização inominável. Parece mentira, mas não é. A gente
não pode esquecer essas coisas!
Não demorou
muito tempo e caímos noutra ditadura – será que o hábito faz o monge mesmo? -,
embora uma boa parcela da população acredite que esteja numa democracia. É a
ditadura do pseudo Partido dos Trabalhadores. Eles estão conseguindo destruir
até mesmo a união que havia no povo brasileiro. “Touché” no coração!
Crises econômicas
sucessivas num país abarrotado de dinheiro, escândalos de corrupção cada vez
mais escandalosos, tráfico de drogas ditando normas, violência urbana
aumentando e aterrorizando o cotidiano do cidadão... esse é um resumo
simplificado do purgatório cada vez mais distante do paraíso que poderia ter
sido o meu país.
Depois de ler essa
pequena resenha, alguém aí ainda está assustado com a minha declaração de
lealdade à Rainha Elizabeth II?
¹ http://www.cic.gc.ca/english/resources/tools/cit/ceremony/oath.asp
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