https://cronicasdakbr.kbrinternational.org/2015/07/04/dia-do-canada-e-luisa-onde-esta/
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"Change is not made without inconvenience, even from worse to better."
- Richard Hooker
Esta semana,
especificamente no dia 1º de julho, uma de minhas sobrinhas mal se formou na
universidade e saiu de mudança para fora de Minas Gerais, convidada para
trabalhar em outro Estado. Isso é coisa para se festejar, principalmente dadas
as dificuldades que os jovens estão enfrentando para arrumar emprego no Brasil,
atualmente. Mas ir instalar-se longe da família é sempre algo dolorido, por
mais que represente algum tipo de realização pessoal... eu que o diga, quando
me mudei para o Canadá.
Interessantes foram as
coincidências e fiquei me sentindo em agradável sintonia: minha mudança também
ocorreu em um 1º de julho, um dia dos mais movimentados por aqui. Além de ser o "Canada Day", é o dia das mundanças para os locatários canadenses franceses – “le jour du déménagement” na
Província do Quebec – um fenômeno único no mundo. Na época eu nem sabia desse detalhe, igualmente ignorado por minha sobrinha Luisa, que-não-é-aquela-que-está-no-Canadá.
A tradição começou como
uma medida humanitária do governo colonial francês da “Nova França”, que proibia
os latifundiários de despejar seus arrendatários antes de as neves do inverno derreterem.
Isso virou lei e se estendeu aos aluguéis urbanos, cujos contratos tinham que
terminar em 30 de abril e os novos iniciavam em 1º de maio (alguns lugares dos
Estados Unidos também tinham esse costume, mas somente no Quebec ele perdura até hoje).
Posteriormente, nos
anos 1970, passou-se a adotar a data de 1º de julho, para evitar os problemas
relacionados com a transferência de crianças de uma escola para outra, somente
algumas semanas antes do fim do ano letivo. Além disso, a mudança sendo
efetuada em um feriado, os trabalhadores não têm que sacrificar um dia de
trabalho.
Dizem as “más línguas” que a data escolhida foi uma decisão deliberada dos partidários da soberania do
Quebec, para desencorajar a participação na festa patriótica do Canadá. Estando
ocupados com suas mudanças, ficavam isentos de participar das festividades. Mesmo
que o motivo não seja este, convenhamos que a confusão instalada com as
mudanças coletivas não ajuda em nada a embelezar o dia dedicado a celebrar o
orgulho de ser canadense.
Nas grandes cidades do
Quebec, a movimentação das pessoas e tranportadores de cargas parece uma
loucura generalizada. As ruas são tomadas por caminhões de mudança, por
caminhonetes abarrotadas de móveis e eletrodomésticos amontoados e, muitas
vezes, mal acondicionados. Até mesmo bicicletas servem de veículos de carga
improvisados. Os preços das transportadoras sobem como foguetes!
Muita tralha é deixada
para trás, em becos ou nos passeios; as cidades tomam o aspecto de um grande
depósito de quinquilharias. Muitas pessoas se interessam por estes refugos e os
levam embora, mas ainda sobra muita coisa espalhada por todo lado. Não sei se
são os proprietários dos imóveis que acabam ficando com a tarefa de limpar os
passeios ou se é a prefeitura da cidade.
Para um povo que se
gaba tanto de ser organizado, limpo e de primeiro mundo, o caos que se vê,
justamente no Dia do Canadá, é algo surpreendente e assustador.
Ainda mais lamentáveis são os
casos de muitos animais domésticos que, como os móveis e equipamentos, são
também abandonados, e o trabalho da Sociedade Protetora dos Animais aumenta
sobremaneira, nessa época. Nem parece o mesmo lugar onde se ouve tanta gente
defendendo os direitos dos bichinhos, durante todo o resto do ano.
Também inimaginável o volume
de pedidos para instalações de telefone, internet, TV a cabo etc etc. São incontáveis as solicitações de reparo de estragos deixados nos imóveis
pelos inquilinos. A Província do Quebec é a única no Canadá que não exige dos
locatários um depósito bancário preventivo para estas eventualidades... E como
não podia deixar de ser, os aproveitadores marcam presença.
Não consigo entender a
razão desta loucura que leva todos a se mudarem no mesmo dia. A resposta que se
obtém unanimemente é que os contratos de aluguel terminam em 30 de junho. Mas por
que esta compulsão em fazer os contratos todos com a mesma data de término? É a
tradição, dizem...
Será que essa tradição
do povo “québécois” reflete um sentimento de insubmissão que remonta à perda do
seu território para os ingleses? Seria, talvez, um desejo recalcado de mudança
em outra escala, que se manifesta, inconscientemente, nesse ritual coletivo
repetitivo, todo ano, exatamente no Dia do Canadá?
De qualquer modo,
espero que todas essas pessoas que tiveram que mudar de casa, tenham horizontes
promissores pela frente, e que possam realizar aquilo que buscam como objetivo
na vida.
Quanto ao Brasil, desejo com
toda a força do meu coração, que cada vez mais jovens desfrutem da chance de
estudar e que tenham vontade e determinação, como minha sobrinha, de aplicar o
que aprenderam em prol de um mundo melhor; mesmo que, para isso, tenham que
sair do conforto de estar perto da família.
Sei que mudanças sempre
envolvem muitos inconvenientes, mesmo quando é para melhorar, como diz Richard
Hooker, na epígrafe. Se o sacrifício é feito tendo em vista um bem maior, que
seja para nós mesmos, de modo que possamos contribuir com algo de bom, claro que
vale a pena!
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