sábado, julho 11, 2015

E a caravana passa...

Também publicado pela KBR Editora Digital:
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Aquela tarde de verão parecia infinda. Felizmente, sombra e Wi-Fi não me faltavam na pracinha movimentada do shopping, enquanto esperava meu marido. Tínhamos combinado de nos encontrar ali, após minha caminhada pela “Route Verte La Campagnarde”,  e eu chegara mais cedo do que previsto. 

De um ângulo de observação por acaso estratégico, a cada vez que tirava os olhos do meu “dispositivo móvel”, eles se viam diante de uma senhora atenta ao seu tablet, sentada num banco bem vis-à-vis ao meu, em meio ao vaivém da turba. Tive a impressão de já tê-la visto antes, provavelmente também na sua andança pró-saúde. Sim, era ela com quem cruzara, dias atrás, no caminho que faço; tínhamos até trocado alguns comentários banais sobre o clima – o assunto “oficial” do Canadá. 

Sentadas ali naqueles bancos daquela tarde de verão, estávamos como que ausentes, com nossas engenhocas ligadas aos nossos espaços virtuais. Interessante como a tecnologia da comunicação colocou o mundo inteiro conectado, cada um tentando povoar a sua solidão. 

Quase sem tirar os olhos do seu tablet, de vez em quando ela mordiscava algo parecido com uma barra de cereais. Com indumentária e calçados esportivos, cabelos castanhos, com a cabeça baixa, era difícil precisar sua idade. Mas tendo visto seu rosto de perto, eu sabia que parecia ter uns 50 anos, ou até mesmo 60... Como eu.

Na nossa idade, muita coisa vivenciamos neste mundo, presenciamos grandes mudanças no pensamento e no comportamento humano dito ocidental. Mas, ao contrário do que muitos dizem, penso que sempre houve mudanças significativas, isso não é privilégio dos nossos tempos – cada evolução com a devida repercussão nos costumes de cada época. Porém, não arrisco opiniões sobre outros povos “não ocidentais”. Não tenho conhecimento suficiente sobre o assunto.

Vendo aquela senhora, ali diante de mim, com uns ares de mulher realizada e independente, me veio à mente um artigo que li há pouco tempo, sobre a posição da mulher no mundo atual. Muito se falou e se fez em prol da emancipação da mulher e muito se fala hoje sobre igualdade de gêneros; as mulheres continuam reivindicando equivalência de direitos. Parece que ainda existe uma disparidade de salários entre homens e mulheres, não só aqui no Canadá, mas no mundo inteiro[1]. Além disso, a “mulher sapiens” – com o perdão da má expressão de nossa presidente brasileira – reclama  maior participação no comando econômico e político.

Devo declarar de antemão, e felizmente, que não sofri esse tipo de discriminação na minha vida de profissional liberal, mas parece que as estatísticas provam que há realmente tratamentos desiguais às mulheres no âmbito do trabalho. Obviamente, temos que lutar para terminar com esse atraso horroroso.

Por outro lado, creio que há exageros numa nova corrente de pensamento que tem tomado força ultimamente. Acho demasiado dizer que os dois sexos são exatamente iguais em tendências e capacidades, e que só ficam diferentes porque recebem educação direcionada para que se tornem assim. Acho redundante dizer isto, porém parece que há quem não perceba: a anatomia e a fisiologia são diferentes e conduzem a desenvolvimentos físico e psicológico característicos de cada sexo, intrinsecamente ligados a instintos básicos, dos quais não escapamos, como animais que somos.

Contudo, para não ferir susceptibilidades, doravante neste texto, não vou mais escrever “homem” e “mulher”. Vou chamar os antigos homens de GPE (que têm genitália predominantemente externa) e as antigas mulheres de GPI (que têm genitália predominantemente interna). Por favor, GPS continua sendo “Global Positioning System”, e não “grupo provido de seios”. Uma pena que a língua portuguesa não possua artigos, substantivos e adjetivos neutros, como no alemão, e vou ter que usar o masculino genérico. Sorry.

Peço desculpas aos GPE, se estiver errada e que, por favor, me corrijam.

Na minha opinião, nem nas experiências amoroso-sexuais, os GPE são iguais aos GPI, como advogam os defensores da igualdade de gêneros. Acho que os GPI, por mais “liberados” que sejam, mental e sexualmente falando, incorrem no erro de acharem que podem abordar intelectualmente o sexo como os GPE. Não podem. O que vou dizer parece óbvio... e é mesmo. Somos feitos anatômica e hormonalmente diferentes. O nosso cérebro tem conexões diferentes. O nosso sexo é diferente. Porque estamos presos, GPI e GPE, a funções e instintos primitivos distintos, dos quais não escapamos, por mais que queiramos achar que o nosso intelecto os tenha sobrepujado. São índoles que existem independentemente de nossa vontade, instintos mesmo.

O sexo do GPE, o sistema designado para a cópula e reprodução, é um aparelho externo, por assim dizer. É tão comum vermos os GPE fazerem brincadeiras sobre pênis e escroto, como se fossem alguma coisa independente, autônoma, que lhes dá prazer, que muitas vezes os surpreende, como um brinquedo... Como se fosse algo que vem de fora. Parece haver uma sintonia entre esta exterioridade anatômica e a maneira como os GPE experimentam a sexualidade, isto é, o sexo está em um compartimento separado, distinto e independente do recôndito da intimidade dos sentimentos. Obviamente, há muitos GPE que, por força da educação que tiveram, conseguem estabelecer conexões entre os compartimentos mais facilmente. 

Nos GPI, o sexo tem uma posição mais interna, é mais interiorizado. A ereção não é visível como a do GPE e os órgãos genitais de cópula e reprodução não são tão aparentes. Também nos GPI parece haver uma sintonia entre a interioridade do aparelho genital e a maneira como experimentam a sexualidade. Esta parece estar mais associada ao interior de seu ser, não havendo uma divisória evidente que separe compartimentos. O compartimento da sexualidade parece se avizinhar ou mesmo se fundir com o compartimento dos sentimentos, no âmago do estado de ser GPI.

Por esta razão, penso que o GPI não é capaz de ir muito longe em um relacionamento do tipo “amizade colorida”, por exemplo. Ele vai, inevitavelmente, sentir os efeitos da fusão dos compartimentos do sexo e do sentimento – e vai interiorizar a experiência que estiver tendo, por mais que tente intelectualizá-la. E com tantos quantos forem os relacionamentos, e mesmo que sejam contemporâneos. Os relacionamentos não vão ficar isentos de sentimento por muito tempo. Aliás, ouso dizer que um GPI sempre imprime sentimento em seus relacionamentos, desde o início, por mais que tente se convencer do contrário. A não ser que se condicione intensamente para experiências em série e sem compromisso, mas aí já é outra história.

Por outro lado, os GPE embarcam muito mais à vontade numa “amizade colorida” que os GPI. Esta é a “praia” deles. E eles não vão se esforçar para explorar o compartimento interior deles mesmos, se não lhes for apresentada esta necessidade. E essa necessidade é do GPI, é ele que tem que levantar a sua bandeira e estabelecer critérios. 

“Mulher é desdobrável”, como diz Adélia Prado; ela vai se desdobrar para se adaptar às situações, mas não sem estar sacrificando alguma parte da sua interioridade. 

Depois de transcrever um verso da grande poetisa, já tenho salvo-conduto para prosseguir com minha linguagem “antiquada”, usando os termos homem e mulher.

Então, eu acho que, muitas vezes, quando as mulheres pensam que estão ficando mais “modernas” e “feministas”, elas estão é perdendo sua identidade, moldando-se à moda dos homens. E vou mais longe. Sem saber ao certo do que se trata, o homem quer que uma mulher lhe mostre o caminho do sentimento. É aí que ele vai se descobrir e se completar. Se não, ele não vai além da “amizade colorida”, e não vai explorar seus próprios compartimentos internos.

Como sou mulher, e antiga, posso estar sendo muito tendenciosa nessa análise. Seria interessante saber o que os homens pensam da minha colocação...

Ah, já ia esquecendo de contar que, enquanto eu devaneava, o GPE daquela senhora chegou e foram embora, felizes para sempre.








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