Foto by Maria do Carmo |
A primavera é realmente um
espetáculo maravilhoso! Principalmente quando é tão desejada, depois do longo e tenebroso inverno que tivemos na
maior parte do Canadá. Ainda estamos padecendo com temperaturas abaixo do
normal para o período, mas o silêncio glacial já começa a ser substituído pelo
barulho das águas dos rios que degelam, pelos cantos e gritos das aves, por
vezes até assustadores. A gente nem precisa de despertador, pois mal o dia
começa a clarear, ainda com tênues alvores, e os alarmes da natureza disparam.
Os pássaros deram para cantar tão forte nos últimos dias, que parecem estar reclamando
do frio que ainda está fazendo. Eu, para dizer a verdade, já estou quase
fazendo panelaço contra uma senhora
que não é Presidente mas comanda tudo por aqui, a “Dame Nature”.
As aves migratórias já estão
chegando para aumentar ainda mais a algazarra. Também os “snowbirds” estão
voltando. Esse é o apelido dado àquelas pessoas que não aguentam mais passar o
inverno nesse frio intenso e viajam para o sul dos Estados Unidos, onde
permanecem por aproximadamente seis meses. São aposentados que têm um
dinheirinho a mais para isso, claro. Alguns têm veículos recreativos enormes,
que são casas muito bem equipadas. Outros têm casa própria ou alugam imóveis nos
locais para onde migram.
Para os trabalhadores, pobres
mortais, restam as curtas férias a que têm direito. Na maioria das províncias do
Canadá, o empregado pode tirar férias de 2 semanas após 1 ano de trabalho numa
empresa, e adiciona-se mais uma, num total de três semanas após 5 anos. A época
em que se pode tirar férias varia segundo critérios de antiguidade e de acordo
com períodos disponíveis autorizados pelo empregador.
Oba! Eu podia tirar duas
semanas contínuas de férias em fevereiro e uma outra semana em setembro! “Vamos
a la playa”! Lá fomos nós, em fevereiro de 2010. Foi a primeira vez que eu me
permiti viajar para fora do Canadá, que não fosse para ir ao
Brasil.
Por que Cuba? Eu nunca tinha
pensado em ir lá. Várias razões foram-me apresentadas e é claro que a principal
era dar uma pausa no rigoroso inverno canadense; mesmo uma curta pausa faz grande efeito. Cuba não é muito longe daqui, pelo menos em comparação à Pátria amada; eu
tive que concordar com esse argumento do meu marido, pois contávamos com pouco
tempo disponível. Não é necessário tomar precauções
drásticas, ou seja, não são necessárias vacinas,
que seriam fortemente recomendadas se fôssemos a outros países caribenhos ou ao Brasil. Acabei
me convencendo também por causa
dos preços – não é caro. É um dos
destinos de sol preferidos
dos canadenses. O Canadá foi um dos raros países
ocidentais que não cortaram relações com Cuba.
Uma das providências a tomar antes de viajar foi passar
numa loja, como nossa agente de viagem havia sugerido, para comprar itens de
alguma utilidade. Nada de muito sofisticado, até mesmo
escovas de dente seriam apreciadas pelo povo cubano. Segundo ela, eles são
carentes de tudo. Inicialmente, eu achei aquilo um pouco estranho, será que
eles não iriam-se ofender? Escova de dente? Mesmo assim, fiz o que fora
recomendado.
Num voo direto de Montreal a uma daquelas ilhas a
nordeste de Cuba, chegamos à nossa destinação, um all-inclusive resort, que faz parte de um complexo hoteleiro ali situado, onde passamos uma semana. Impressionante a quantidade de quebequenses,
parecia uma festa no Quebec.
Havia
dois “pesos” em Cuba, quando lá estivemos, não sei se ainda funciona assim.
Para o turista, a taxa de câmbio estava a 1,00 Dólar canadense para 0,85 Pesos,
no dia em que chegamos.
Os veículos no estacionamento
do hotel chamaram minha atenção. Novíssimos! Pertenciam a diretores do resort e
outros eram usados para levar os turistas a passeio na pequena ilha. Onde
estavam os famosos carros antigos, que tanto vemos em fotos de Cuba? Eu não
entendi e fiquei até um pouco desapontada.
Os
funcionários, sempre com gentileza a toda prova, além de um profissionalismo
impecável, tinham, muitos deles, formação universitária e eram poliglotas,
falando no mínimo 3 línguas: inglês, francês e, obviamente, espanhol. Também nada a reclamar do sol e do mar que estavam esperando por nós. Fomos
de sorte, tivemos bom tempo durante toda a semana. A areia
branca e fina, o mar azul-turquesa intenso!
Lindo!
Aquelas lembrancinhas sugeridas pela
agente de viagem foram mesmo muito apreciadas pelo pessoal que trabalhava no
hotel, ela tinha razão. Mas não posso me esquecer de um vendedor de bijuterias
artesanais, que tinha autorização para vender dentro do território do hotel,
ao perceber que eu falava "portunhol", que era brasileira, me pareceu mais à vontade em oferecer trocar suas mercadorias por qualquer coisa que pudesse ser
útil. Fui correndo ao quarto buscar alguns daqueles itens que havíamos levado,
meu marido foi logo separando várias camisetas e eu disse que daria tudo e não
levaria nada em troca. Prudentemente, meu marido convenceu-me a trocar sim,
senão seria esmola. A alegria nos olhos do vendedor, quando lhe entreguei o que
tinha, foi algo tocante. E, afinal, eu também fiquei bem contente em poder
escolher uma bela bijuteria.
Como em todo resort, também não faltaram atividades
e animadores para divertir os hóspedes: shows, cursos de dança, ginástica etc
etc. Para a minha surpresa, em quase todos os jogos de adivinhação e testes, os
temas giravam em torno de músicas e filmes americanos: de que filme é tal
música? Qual o ator principal de tal filme? Isso me deixou intrigada, dada a
inimizade entre Cuba e Estados Unidos. E mais, toda a equipe
do hotel que animava os shows e competições, tinha um jeito engraçado de dizer
adeus à pessoa que perdia nos jogos; eles diziam: "Ciao, ciao, Mickey
Mouse". Eu cheguei a duvidar de que eles detestassem tanto assim os
americanos e até comentei intramuros minha impressão de que após a morte de
Fidel Castro, os cubanos iriam voltar aos braços dos Estados Unidos. E nem foi
preciso que ele morresse, as pazes já foram feitas. Acho que o povo cubano deve
estar muito alegre com isso.
De acordo com o nosso guia de turismo, o investimento nestes hotéis era uma experiência que o governo cubano estava fazendo, com 50% pagos
pelo Estado e 50% privado – de um outro país que ele
não revelou. Suponho que fosse a Espanha, pois toalhas, copos, tudo era “Hecho en
España”. Ele
também disse que existia um contrato estabelecendo datas – depois de alguns
anos eles decidiriam o que fazer – nacionalizar tudo, privatizar ou manter da
mesma maneira. E todo esse relato foi feito numa conferência sobre Cuba, para
os turistas – coisa oficial.
Pensando nisso agora, fico me perguntando que
destino terão todos os investimentos que Dilma Rousseff fez e está fazendo na
ilha com o dinheiro do povo brasileiro, ou seja, retirado do BNDES (Banco
Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social). Não entendo como e o quê poderemos
lucrar. Mesmo porque se o governo do Brasil sonha em ter algum retorno, é bom
lembrar que o governo da ilha se reserva o direito de nacionalizar tudo o que
lhe caia nas mãos, seja o que for e quando bem lhe aprouver. Será que ficaremos
a ver navios?
O hotel estava
ótimo, mas eu estava muito interessada em reservar
uma excursão para as cidades localizadas na ilha maior, porque queria conhecer a "verdadeira Cuba", nas palavras
do próprio guia cubano. Havia várias opções
de excursão, eu
escolhi uma que oferecia mais
opções para conhecer as pessoas e
as suas tradições: 75 Pesos por adulto.
Não há população residente
nessas pequenas ilhas da região nordeste de Cuba, apenas hotéis. A maioria das pessoas
que trabalha ali vive na cidade de Morón. Para atravessar o mar e estabelecer
a comunicação entre as pequenas ilhas e a llha maior, uma estrada foi
construída com rochas dispostas nas partes mais rasas do oceano. É uma estrada
muito sólida que tem resistido a muitos furacões, segundo o guia. A viagem dura
uma hora e meia. Então, o pessoal que trabalha no hotel gasta três horas na
estrada todos os dias. A estrada é rigorosamente vigiada para impedir a
passagem de pessoas não autorizadas. Os cubanos não têm direito de ir a estas
ilhas, a não ser que trabalhem lá. ISSO MESMO! Só com autorização especial do
governo.
Nas cidades, finalmente vi os velhos
carros americanos ainda em uso. Bicicletas são muito usadas e trishaws
(rickshaws) são frequentes como táxi. Visitamos uma fábrica de charutos. As
mulheres desempenham um papel importante nessa produção, havia apenas mulheres
ali. Um detalhe: nenhum sorriso. Achei a passagem por esta fábrica
constrangedora.
Tive a impressão de muita pobreza em
todos os lugares que visitamos. Pudemos constatar que consumismo realmente não
é o forte lá. As lojas são lamentáveis, não têm quase nada, tudo é bem
diferente do que estamos acostumados a ver. Na entrada das lojas, havia sempre um agente de segurança que deixava entrar uma pessoa de cada vez, só quando quem já estava lá dentro saía. Tudo muito estranho. O contraste entre os resorts e o
modo de vida dos cubanos é ultrajante. Acho que um dia, isso vai fazer algum
efeito na mente daquele povo. Não sei...
Nas praças e nas ruas, vi muita gente
sem fazer nada – jovens e menos jovens; eles não pareciam estar trabalhando.
Talvez em férias? Duvidei do que o nosso guia tinha dito sobre a ausência de
desemprego em Cuba. Eles nos abordavam, por vezes com muita insistência, pedindo
nossos bonés ou nos oferecendo alguma coisa. E ficavam esperando... o
pagamento.
Notei uma tristeza no olhar das pessoas,
mesmo quando sorriam, como nunca vi antes e isso me incomodou sobremaneira.
Visitamos
também uma refinaria de açúcar – com maquinaria do tempo de antes da
“Revolución”. Fomos avisados de que, se tivéssemos sorte, veríamos a refinaria
em atividade. Mas não tivemos. Quando chegamos lá tudo estava parado, não
entendi muito bem por que razão.
Fim
da excursão, voltávamos para o hotel, quando um dos turistas do nosso grupo fez
uma pergunta, com uma coragem que surpreendeu a todos:
- Por que há tantas
fotos de Che Guevara, em todos os lugares em Cuba, e tão poucas de Fidel
Castro?
E o guia respondeu sem
hesitação:
- É normal; é porque
Che Guevara está morto. Quando Fidel Castro morrer, teremos mais fotos dele
também.
Fiquei pensando: Será
isso mesmo? Talvez, nem Che Guevara nem Fidel Castro...
Publicado também pela KBR Editora Digital em 28 de março de 2015
http://www.kbrdigital.com.br/blog/cuba1/
Publicado também pela KBR Editora Digital em 28 de março de 2015
http://www.kbrdigital.com.br/blog/cuba1/
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