sábado, março 28, 2015

Por que Cuba?

Foto by Maria do Carmo
A primavera é realmente um espetáculo maravilhoso! Principalmente quando é tão desejada, depois do longo e tenebroso inverno que tivemos na maior parte do Canadá. Ainda estamos padecendo com temperaturas abaixo do normal para o período, mas o silêncio glacial já começa a ser substituído pelo barulho das águas dos rios que degelam, pelos cantos e gritos das aves, por vezes até assustadores. A gente nem precisa de despertador, pois mal o dia começa a clarear, ainda com tênues alvores, e os alarmes da natureza disparam. Os pássaros deram para cantar tão forte nos últimos dias, que parecem estar reclamando do frio que ainda está fazendo. Eu, para dizer a verdade, já estou quase fazendo panelaço contra uma senhora que não é Presidente mas comanda tudo por aqui, a “Dame Nature”.
As aves migratórias já estão chegando para aumentar ainda mais a algazarra. Também os “snowbirds” estão voltando. Esse é o apelido dado àquelas pessoas que não aguentam mais passar o inverno nesse frio intenso e viajam para o sul dos Estados Unidos, onde permanecem por aproximadamente seis meses. São aposentados que têm um dinheirinho a mais para isso, claro. Alguns têm veículos recreativos enormes, que são casas muito bem equipadas. Outros têm casa própria ou alugam imóveis nos locais para onde migram.
Para os trabalhadores, pobres mortais, restam as curtas férias a que têm direito. Na maioria das províncias do Canadá, o empregado pode tirar férias de 2 semanas após 1 ano de trabalho numa empresa, e adiciona-se mais uma, num total de três semanas após 5 anos. A época em que se pode tirar férias varia segundo critérios de antiguidade e de acordo com períodos disponíveis autorizados pelo empregador.
Oba! Eu podia tirar duas semanas contínuas de férias em fevereiro e uma outra semana em setembro! “Vamos a la playa”! Lá fomos nós, em fevereiro de 2010. Foi a primeira vez que eu me permiti viajar para fora do Canadá, que não fosse para ir ao Brasil.
Por que Cuba? Eu nunca tinha pensado em ir lá. Várias razões foram-me apresentadas e é claro que a principal era dar uma pausa no rigoroso inverno canadense; mesmo uma curta pausa faz grande efeito. Cuba não é muito longe daqui, pelo menos em comparação à Pátria amada; eu tive que concordar com esse argumento do meu marido, pois contávamos com pouco tempo disponível. Não é necessário tomar precauções drásticas, ou seja, não são necessárias vacinas, que seriam fortemente recomendadas se fôssemos a outros países caribenhos ou ao Brasil. Acabei me convencendo também por causa dos preços – não é caro. É um dos destinos de sol preferidos dos canadenses. O Canadá foi um dos raros países ocidentais que não cortaram relações com Cuba.
Uma das providências a tomar antes de viajar foi passar numa loja, como nossa agente de viagem havia sugerido, para comprar itens de alguma utilidade. Nada de muito sofisticado, até mesmo escovas de dente seriam apreciadas pelo povo cubano. Segundo ela, eles são carentes de tudo. Inicialmente, eu achei aquilo um pouco estranho, será que eles não iriam-se ofender? Escova de dente? Mesmo assim, fiz o que fora recomendado.
Num voo direto de Montreal a uma daquelas ilhas a nordeste de Cuba, chegamos à nossa destinação, um all-inclusive resort, que faz parte de um complexo hoteleiro ali situado, onde passamos uma semana. Impressionante a quantidade de quebequenses, parecia uma festa no Quebec.
Havia dois “pesos” em Cuba, quando lá estivemos, não sei se ainda funciona assim. Para o turista, a taxa de câmbio estava a 1,00 Dólar canadense para 0,85 Pesos, no dia em que chegamos.
Os veículos no estacionamento do hotel chamaram minha atenção. Novíssimos! Pertenciam a diretores do resort e outros eram usados para levar os turistas a passeio na pequena ilha. Onde estavam os famosos carros antigos, que tanto vemos em fotos de Cuba? Eu não entendi e fiquei até um pouco desapontada.
Os funcionários, sempre com gentileza a toda prova, além de um profissionalismo impecável, tinham, muitos deles, formação universitária e eram poliglotas, falando no mínimo 3 línguas: inglês, francês e, obviamente, espanhol. Também nada a reclamar do sol e do mar que estavam esperando por nós. Fomos de sorte, tivemos bom tempo durante toda a semana. A areia branca e fina, o mar azul-turquesa intenso! Lindo!
Aquelas lembrancinhas sugeridas pela agente de viagem foram mesmo muito apreciadas pelo pessoal que trabalhava no hotel, ela tinha razão. Mas não posso me esquecer de um vendedor de bijuterias artesanais, que tinha autorização para vender dentro do território do hotel, ao perceber que eu falava "portunhol", que era brasileira, me pareceu mais à vontade em oferecer trocar suas mercadorias por qualquer coisa que pudesse ser útil. Fui correndo ao quarto buscar alguns daqueles itens que havíamos levado, meu marido foi logo separando várias camisetas e eu disse que daria tudo e não levaria nada em troca. Prudentemente, meu marido convenceu-me a trocar sim, senão seria esmola. A alegria nos olhos do vendedor, quando lhe entreguei o que tinha, foi algo tocante. E, afinal, eu também fiquei bem contente em poder escolher uma bela bijuteria.
Como em todo resort, também não faltaram atividades e animadores para divertir os hóspedes: shows, cursos de dança, ginástica etc etc. Para a minha surpresa, em quase todos os jogos de adivinhação e testes, os temas giravam em torno de músicas e filmes americanos: de que filme é tal música? Qual o ator principal de tal filme? Isso me deixou intrigada, dada a inimizade entre Cuba e Estados Unidos. E mais, toda a equipe do hotel que animava os shows e competições, tinha um jeito engraçado de dizer adeus à pessoa que perdia nos jogos; eles diziam: "Ciao, ciao, Mickey Mouse". Eu cheguei a duvidar de que eles detestassem tanto assim os americanos e até comentei intramuros minha impressão de que após a morte de Fidel Castro, os cubanos iriam voltar aos braços dos Estados Unidos. E nem foi preciso que ele morresse, as pazes já foram feitas. Acho que o povo cubano deve estar muito alegre com isso.
De acordo com o nosso guia de turismo, o investimento nestes hotéis era uma experiência que o governo cubano estava fazendo, com 50% pagos pelo Estado e 50% privado – de um outro país que ele não revelou. Suponho que fosse a Espanha, pois toalhas, copos, tudo era “Hecho en España”. Ele também disse que existia um contrato estabelecendo datas – depois de alguns anos eles decidiriam o que fazer – nacionalizar tudo, privatizar ou manter da mesma maneira. E todo esse relato foi feito numa conferência sobre Cuba, para os turistas – coisa oficial.
Pensando nisso agora, fico me perguntando que destino terão todos os investimentos que Dilma Rousseff fez e está fazendo na ilha com o dinheiro do povo brasileiro, ou seja, retirado do BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social). Não entendo como e o quê poderemos lucrar. Mesmo porque se o governo do Brasil sonha em ter algum retorno, é bom lembrar que o governo da ilha se reserva o direito de nacionalizar tudo o que lhe caia nas mãos, seja o que for e quando bem lhe aprouver. Será que ficaremos a ver navios?
O hotel estava ótimo, mas eu estava muito interessada em reservar uma excursão para as cidades localizadas na ilha maior, porque queria conhecer a "verdadeira Cuba", nas palavras do próprio guia cubano. Havia várias opções de excursão, eu escolhi uma que oferecia mais opções para conhecer as pessoas e as suas tradições: 75 Pesos por adulto.
Não há população residente nessas pequenas ilhas da região nordeste de Cuba, apenas hotéis. A maioria das pessoas que trabalha ali vive na cidade de Morón. Para atravessar o mar e estabelecer a comunicação entre as pequenas ilhas e a llha maior, uma estrada foi construída com rochas dispostas nas partes mais rasas do oceano. É uma estrada muito sólida que tem resistido a muitos furacões, segundo o guia. A viagem dura uma hora e meia. Então, o pessoal que trabalha no hotel gasta três horas na estrada todos os dias. A estrada é rigorosamente vigiada para impedir a passagem de pessoas não autorizadas. Os cubanos não têm direito de ir a estas ilhas, a não ser que trabalhem lá. ISSO MESMO! Só com autorização especial do governo.
Nas cidades, finalmente vi os velhos carros americanos ainda em uso. Bicicletas são muito usadas e trishaws (rickshaws) são frequentes como táxi. Visitamos uma fábrica de charutos. As mulheres desempenham um papel importante nessa produção, havia apenas mulheres ali. Um detalhe: nenhum sorriso. Achei a passagem por esta fábrica constrangedora.
Tive a impressão de muita pobreza em todos os lugares que visitamos. Pudemos constatar que consumismo realmente não é o forte lá. As lojas são lamentáveis​​, não têm quase nada, tudo é bem diferente do que estamos acostumados a ver. Na entrada das lojas, havia sempre um agente de segurança que deixava entrar uma pessoa de cada vez, só quando quem já estava lá dentro saía. Tudo muito estranho. O contraste entre os resorts e o modo de vida dos cubanos é ultrajante. Acho que um dia, isso vai fazer algum efeito na mente daquele povo. Não sei...
Nas praças e nas ruas, vi muita gente sem fazer nada – jovens e menos jovens; eles não pareciam estar trabalhando. Talvez em férias? Duvidei do que o nosso guia tinha dito sobre a ausência de desemprego em Cuba. Eles nos abordavam, por vezes com muita insistência, pedindo nossos bonés ou nos oferecendo alguma coisa. E ficavam esperando... o pagamento.
Notei uma tristeza no olhar das pessoas, mesmo quando sorriam, como nunca vi antes e isso me incomodou sobremaneira.
Visitamos também uma refinaria de açúcar – com maquinaria do tempo de antes da “Revolución”. Fomos avisados de que, se tivéssemos sorte, veríamos a refinaria em atividade. Mas não tivemos. Quando chegamos lá tudo estava parado, não entendi muito bem por que razão.
Fim da excursão, voltávamos para o hotel, quando um dos turistas do nosso grupo fez uma pergunta, com uma coragem que surpreendeu a todos:
- Por que há tantas fotos de Che Guevara, em todos os lugares em Cuba, e tão poucas de Fidel Castro?
E o guia respondeu sem hesitação:
- É normal; é porque Che Guevara está morto. Quando Fidel Castro morrer, teremos mais fotos dele também.
Fiquei pensando: Será isso mesmo? Talvez, nem Che Guevara nem Fidel Castro...

Publicado também pela KBR Editora Digital em 28 de março de 2015
http://www.kbrdigital.com.br/blog/cuba1/


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