sábado, março 07, 2015

Brasil x Canadá



 Crônica publicada também pela Editora KBR
http://www.kbrdigital.com.br/blog/brasilxcanada/


Não me esqueço do que me disse uma prima certa vez, quando retornei ao Brasil, numa tentativa frustrada de levar meu marido para viver lá: se eu decidisse me mudar definitivamente para o Canadá, teria que abrir meu coração para acolher a nova terra e seus costumes; para dar certo teria que me desapegar. Segui seu conselho, e isso apaziguou meu dilema.
Mas parece que temos raízes invisíveis que nunca se despregam de nossas origens. Há sempre um pensamento latente que nos conecta à terra que nos viu nascer, que nos alimentou. Existe um elo inquebrantável com nossas origens, que nos garante o sentimento de pertença, que nunca nos deixa órfãos. E isso é reconfortante.
Perdi a conta das vezes em que me perguntaram aqui no Canadá se eu não me sentia desenraizada em demasia. Não, eu nunca me senti assim, talvez por ter seguido o conselho de minha prima, ao mesmo tempo mantendo o elo com minhas origens. Acabei por me adaptar à minha dupla cidadania, essa quase dupla personalidade.
                Vivendo nessa dualidade, parece inevitável fazer comparações. Quando não partem de meus próprios pensamentos, é algum canadense que me faz perguntas que geram comparações. Em geral, suas perguntas envolvem costumes tão corriqueiros nos dois países ou itens que o Canadá produz e dos quais seus cidadãos se orgulham. E com razão, pois a performance que o país consegue ter com um clima tão difícil, é mesmo para se orgulhar.
                Devo confessar, porém, que já fiquei irritada algumas vezes com essas indagações sobre o Brasil. Mas não sou uma boa conhecedora de dados de produção do Brasil, infelizmente, desculpem-me. Daí, quando me perguntam “Tem maçã no seu país?” respondo simplesmente: "Sim, tem maçã lá, sim," Esta é uma dos milhares de perguntas que já tive que responder.
Depois, pesquiso na internet e descubro que o Brasil está entre os maiores produtores; no caso da maçã, atualmente é o 11º no mundo. Casos semelhantes, até em que a situação é ainda melhor, aconteceram inúmeras vezes. Nos primeiros tempos aqui, eu vinha logo com a informação colhida sobre o Brasil e soltava os dados ao interlocutor.
Parei de fazer isso, primeiro porque podem pensar que sou megalomaníaca, não vão sequer se dar ao trabalho de conferir. Segundo, porque as perguntas não me irritam mais. Se eu própria não conheço todos os dados sobre o Brasil, eles é que deveriam saber? Percebi a absurda futilidade da irritação e a completa inutilidade de responder com precisão. Eles vão continuar enxergando o Brasil como o país do carnaval, das favelas e, agora, em primeiro plano, o país da corrupção. É essa a imagem que chega aqui, os documentários e noticiários sobre o Brasil são todos acerca desses assuntos.
Não, não me esqueci do futebol! É que no Canadá o interesse pelo “soccer” é praticamente nulo entre os adultos. Já ouviram falar de Pelé e olhe lá. Só mesmo nas escolas, as crianças tomam algum gosto quando passam pela temporada do futebol, durante o curto verão. E depois perdem o interesse. Então, é muito raro aparecerem notícias sobre esse esporte de poucos gols, muito monótono (sic). 
Até há bem pouco tempo atrás, nem a Copa do Mundo da FIFA era transmitida nos canais gratuitos de televisão, eu tive que fazer assinatura de canais especializados em esporte para assistir aos jogos. Porque eu ainda tinha aquela mania de torcer ardentemente pelo Brasil, nas Copas do Mundo. Mas acho que nunca mais recuperarei esse gosto, depois dos Jogos de 2014. Até no futebol o Brasil está decadente e nos deixando envergonhados. Por que tudo tem que ser exagerado? Ou se ganha muito ou se perde muito também. 7 x 1 não é placar de jogo de futebol! Não sei o que é, mas não é futebol.
Voltando às questões das comparações e analisando-as por um outro ângulo, são tantos produtos que o Canadá tem que importar, pela absoluta impossibilidade de cultivá-los no clima que possui, que é compreensível que os canadenses pensem que outros países também tenham dificuldades, quando se trata de um produto que existe aqui... Se existe aqui, não deve existir lá? Talvez por isso se interroguem sobre coisas que nos parecem tão óbvias no Brasil.
O mais provável, entretanto, é que não concebam a ideia de que uma nação no estado miserável de corrupção e desgoverno em que se encontra, possa corresponder a um país tão produtivo. Não me dizem isso, mas devem pensar.
Diga-se de passagem, os aviões fazem parte de um capítulo à parte. As rixas e conflitos entre as duas empresas concorrentes, de um e de outro país, ocuparam espaço na mídia por um bom tempo, ninguém ficou alheio à situação, não há perguntas. Nem eu teria respostas sobre a empresa brasileira e me dá até medo de pesquisar sobre o assunto.
Enfim, de tudo isso eu tirei uma lição: aprendi mais uma vez que o Brasil tem uma capacidade impressionante e não sabe aproveitá-la. Só mesmo muita, muita farsa para explicar por que ainda continuam existindo pobres num país tão rico como o Brasil.
Todos os governantes que o Brasil já teve se vangloriaram de seus bem-feitos para com os pobres do país... E, no entanto, continuamos praticamente na estaca zero. Ou até pior, pois as estatísticas estão dizendo que o número de miseráveis aumentou. Que decepção! Quisera eu que o meu país também tivesse bom desempenho nesse quesito, que deveria ser considerado essencial. Se toda a população vivesse bem, seria melhor para todos. Bem, talvez não para os políticos, pois não teriam mais esse item para alimentar seus discursos populistas e se elegerem às custas dos ingênuos... digamos assim.
Xô, farsantes!
Como é difícil sair desse círculo vicioso que leva os responsáveis pela gestão do país a repetirem modelos ultrapassados de governabilidade e populismo, como se estivéssemos num “loop” infinito. E com a incompetência generalizada que tomou conta do poder, ultimamente, o Brasil entrou numa espiral de decadência que está desiludindo e preocupando mesmo os mais otimistas.
Se ao menos aparecesse um líder honesto, competente e corajoso, livre de amarras com antigos ou atuais governos, com disposição para enfrentar a dura batalha de endireitar a nação... Triste, porém, é constatar que mesmo se aparecesse um líder com essas características, a maior parte da população brasileira – pelo menos a metade dela, como pudemos constatar nas últimas eleições de 2014, que reelegeram Dilma Rousseff – essa metade, que não é minha cara, não votaria nele, pois só tem olhos para candidatos populistas. Falta o mínimo discernimento para escolher o que é realmente bom para o povo e, portanto, para o país. E todos ficam a mercê dessas escolhas nefastas.
Penso que não verei minha Pátria amada recobrar os sentidos, se isso acontecer um dia. Ela foi e está sendo vilipendiada em toda a sua estrutura, um processo de recuperação será demorado. A cada dia, um novo escândalo vem à tona, mostrando que todos os setores do país estão corrompidos. A cada dia que passa, mais decepções para quem ainda tinha alguma esperança.
Estou com vergonha de ser brasileira e quase sem forças para retomar algum ânimo no que se refere à confiança nos governos do Brasil. Mas a idéia de um líder desapegado de discursos desgastados, como disse acima, é atraente e precisamos tomar providências para isso. Em vez de esperarmos virem as campanhas para as próximas eleições, poderíamos surpreender esses partidos todos, antecipando-nos com uma campanha do povo, talvez usando as redes sociais, que têm-se mostrado tão eficazes. Começaríamos por exigir a participação na escolha de pré-candidatos, porque depois que eles já são candidatos, ficamos de pés e mãos atados, sem outras opções. E estabeleceríamos os critérios desejados, entre eles transparência 100% e alguém que não esteja diretamente envolvido em governos passados e atuais!
A escolha de pré-candidatos com participação mais efetiva do povo seria, filosoficamente, um sistema semelhante às “primárias” dos Estados Unidos.
Que acham de uma campanha assim, antecipada? “Fica a dica”, a ser estudada...

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