terça-feira, março 03, 2015

Flor de Cacto

Minha estreia como cronista da Editora KBR
http://www.kbrdigital.com.br/blog/flor-de-cacto/




A neve é a prova viva, gelada, mas viva, de que estou no primeiro mundo! Quanto mais frio melhor! 
(Noga Sklar, 18 de fevereiro de 2015)

Hoje, embora o inverno no lugar onde vivo esteja com tantos graus negativos, estou tão alegre em estrear como cronista que meu texto vem com pensamentos positivos. E foi neste frio intenso que brotou-me uma idéia, como brotam as flores dos cactos, que nos surpreendem, em terreno árido e adverso, com suas formas variadas e coloridas, às vezes bizarras.

Foi a frase da escritora Noga Sklar, que coloquei como epígrafe, que me deixou pensativa… E da neve, tão branquinha, surgiu a pergunta: será que o ser humano necessita da adversidade para se desenvolver?

Reparem como os países do chamado primeiro mundo estão todos localizados em terras que não são produtivas o ano inteiro. Há exceções, eu sei, e também há muitas outras explicações possíveis, como jogos de poder e outras cositas más. Mas não parece lógico que a necessidade do esforço para sobreviver possa ter formado populações mais desenvolvidas, digamos assim, para se organizarem melhor?

Não sou estudiosa do assunto, mas não posso deixar de fazer comparações entre dois extremos em termos de clima: meu país de origem, o Brasil, onde vivi a maior parte da minha vida — terra que “em se plantando, tudo dá”, como já dizia Pero Vaz de Caminha, e com recursos naturais abundantes, um verdadeiro paraíso tropical; e o Canadá, onde vivo há 15 anos, um país considerado por muitos como terra inóspita — quelques arpents de neige, nas palavras depreciativas de Voltaire, para influenciar o rei da França no século XVIII a abandonar a guerra contra a Inglaterra na disputa das terras do Canadá.

Houve um grande engano nessa avaliação, e os ingleses saíram ganhando bem mais que “alguns hectares de neve”. O Canadá é um país também muito rico em recursos naturais, mas para obter lucro com esses recursos, foi, e ainda é preciso muito sacrifício, para superar as condições climáticas inclementes. E este país de primeiro mundo, com excelente qualidade de vida, como é hoje o Canadá, não teve ajuda de mão de obra escrava, diga-se de passagem.

E quanto ao Brasil? Com tudo o que tinha para ser não só grande, mas também grandioso, por que continua com todas as mazelas de um país de terceiro mundo? Os séculos passam e os problemas não se resolvem. O que foi feito antes, ou deixou de ser feito, não é desculpa para não agir no momento em que se tem a faca e o queijo nas mãos — e já há mais de uma década que o partido que está no poder vem colocando a responsabilidade nos seus predecessores, como fez novamente, no seu mais recente discurso, a Sra. Dilma Roussef. E assim caminha o país, num empurra-empurra de culpas e responsabilidades, enquanto aumenta, cada vez mais, a já exorbitante corrupção.

Apesar das decepções constantes com o Brasil, eu me preocupo com ele. E é por isso que, afinal, é para ele que se dirigem meus pensamentos positivos: ao meu pobre Brasil, “tão longe, de mim distante”. Que, de tão rico, está ficando pobre, a seca se alastrando, crimes de toda espécie e a permissividade a eles se avolumando… E uma estranha apatia instalada — idiopática. Será que o Brasil deixará de ser um dia o país rico que foi ou que poderia ter sido? Será que a ganância conseguirá, enfim, dar cabo de tudo? Será que as evidências de que isso já está acontecendo poderão mudar a mentalidade das pessoas, fazer com que elas se esforcem e se organizem melhor?

Será que vai ser preciso nevar bastante em todo o território brasileiro, para que se tomem providências? Um fato incontestável é que quando saimos à rua aqui no Canadá, atolados em alguns centímetros de neve e vestidos como ursos para não morrermos de hipotermia, certamente não encontramos um bandido esperando na próxima esquina para nos assaltar. Ele teria virado estátua de gelo em pouco tempo.

Mas não precisamos chegar a esse ponto!

Minha esperança, meu desejo, é de que as adversidades pelas quais o Brasil passa no momento — problemas climáticos e desgovernos — sirvam de lição para que venham mudanças, para que vozes e mais vozes se levantem contra a apatia que congela mais que as baixas temperaturas. Se é na adversidade que evoluímos, eis aí o momento.

Entre outras maneiras, precisamos apoiar a imprensa, que denuncia aquilo que está errado e que nos lembra de que ainda existe quem pense honestamente.

Hoje, estou muito contente mesmo, pois ganhei um instrumento precioso que é o de poder comunicar o que penso através de crônicas! Para estrear, quis levantar minha voz para o bem do meu amado Brasil. E espero poder usar esse canal para muitas mensagens que possam florir, mesmo que, por vezes, sejam apenas cactos no deserto.

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