sábado, junho 23, 2018

Sem pressa

Église de Saint-André
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Um novo padre está celebrando a missa em nossa paróquia. Um novo idoso. Parcialmente calvo, o restante do cabelo já completamente branco. Talvez tenha minha idade – vemos mais velhice nos outros. Bem-humorado, gorducho, bonachão, daquele tipo que gosta de cantar e que faz questão de se aproximar do povo, na hora de desejar a “Paz de Cristo”, e sai apertando a mão de todos da beirada dos bancos da igreja – coisa que eu só tinha visto antes no Brasil.
Uma certa paz – não sei se a tão desejada – se cumpre mesmo e paira intensa durante as suas celebrações. Entra-se num relaxamento que causa ansiedade nos apressados – confesso que tive que me controlar para não ficar olhando para o relógio. Afinal, a missa não dura mais que o tempo regulamentar; ele fala menos, compensando as grandes pausas para reflexão.
Os longos silêncios estavam reforçados por um ruído de fundo, um som contínuo e modulado. Após uma rápida varredura investigativa do ambiente com meus olhos, para procurar a origem do barulho e excluir a possibilidade de algum acufeno na minha cachola, atribuí o som aos ventiladores de teto. Entreguei-me aos silêncios, finalmente, entrando num estado quase torporoso que, com a ajuda do efeito sonoro, me transportou aos meus plantões noturnos nos hospitais onde trabalhei.
À noite, os sons que não percebemos durante o dia tomam vida e se incorporam ao silêncio. São aparelhagens hospitalares, geladeiras, lâmpadas... modulações sonoras que habitam a insônia do ofício, de vez em quando quebradas por passos no corredor, alguma tosse, uma voz baixa, um telefone que toca, uma ambulância que chega. Isso na melhor das hipóteses, quando choros e gemidos conseguiram ser remediados.
O nosso simpático padre estava sabiamente nos vendo ali como seus pacientes, nesse enorme hospital geral em que vivemos. Ele estava nos ajudando a tratar de nossas mazelas, a lutar pela Vida da nossa alma, com paciência e dedicação. O melhor mesmo é fazer como ele: pacificar, oferecer um bom tratamento, sem pressa. Nossa vida já é tão curta, para que correria?
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