quinta-feira, dezembro 10, 2020

Chocolate, o boizinho que tirou férias

 

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Vou contar uma historieta verdadeira, bonitinha, mas o final, já vou logo advertindo, é de cortar o coração. Serve para sensibilizar um pouquinho nossa índole carnívora. Até eu, comedora inveterada de carne, ando ficando mais sentimental com os animais e até mesmo com as plantas, embora ainda seja voraz demais para o meu gosto... paradoxos da alma.

A história se passa no início da década de 1950, em uma fazendinha com pequena criação de gado bovino leiteiro, além de galinhas e outros pequenos animais. O jovem casal de proprietários tinha cinco filhos pequenos.

Os dois meninos eram os mais velhos e, desde cedo, já ajudavam o pai nos trabalhos, quando voltavam da escola. Nessa lida, viram nascer Chocolate, um bezerrinho simpático, irremediavelmente dócil, devido às circunstâncias de sua criação para fins de corte, ou seja, castrado logo após o nascimento e bem alimentado, para cumprir sua missão. Embora soubessem qual seria o seu destino, era por benquerença, sem premeditação, que os meninos davam-lhe, na boca, fartos tufos de feno.

Brincavam com ele, que também se afeiçoou a eles. Na sua maneira bovídea de ser, os empurrava doce e lentamente, com sua cabeçorra inocente, alegre. Os meninos montavam no boizinho e passeavam pelos arredores, por caminhos que Chocolate escolhia a seu bel-prazer. Após algum tempo, ele ficou tão grande e gordo que as perninhas dos meninos sequer pendiam de cada lado do corpanzil do animal, ficavam abertas sobre aquele planalto, como se estivessem num voo de balé.

Um certo dia, ao chegarem da escola, Chocolate não estava lá.

- Onde está Chocolate? – perguntaram ao pai. – Ele tirou férias.

As crianças não ousaram perguntar mais nada. Passaram-se uns dias e observaram que havia carnes deliciosas, suculentas, em suas refeições. Era Chocolate que os alimentava agora, ficaram sabendo, mais tarde.

Confesso que não consegui conter minhas lágrimas ao ouvir essa história. Contada como coisa natural, por um dos protagonistas, podia-se ver, estampada em seus olhos e em seu sorriso, a saudade daquele sentimento infantil de outrora.

Cá no meu canto, comilona que só, apesar de comer de tudo, fico ruminando a ideia de que precisamos pensar seriamente em mudar nossos hábitos. Será que conseguiríamos amainar nosso instinto predador? Como? Criando laboratórios para sintetizar alimentos, montando átomos, moléculas, para fabricar o que gostamos e de acordo com a nossa saúde – “sob medida”.

Seria viável? Mas não se pode fazer isso da noite para o dia, obviamente. Tem que ser tudo muito bem planejado, para não prejudicar o ganha-pão de ninguém, nem desequilibrar todo o ecossistema, redirecionando e reaproveitando, aos poucos, espaços e funções. Levaria séculos.

Já escrevi sobre isso uma outra vez [1], mas, vendo os cientistas a desenvolver técnicas inovadoras para as vacinas, na pandemia pela qual estamos passando, lidando com componentes determinantes da matéria, tenho esperança de que, um dia, a ciência volte-se para o ramo da “culinária”, digamos assim 😃

Quem assistiu àquele seriado de TV, Star Trek, sabe do que estou falando. A espaçonave tinha um sintetizador de alimentos fantástico [2]. Quem sabe se a moda pega?

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Links relacionados:

[1] Ciclo de vida e morte... ferina

[2] Sintetizadores de alimentos


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