Hemisfério Norte, final dos
anos 1950... As narrativas são tão vivas que é como se eu estivesse presente – implantes de memória.
Após as tarefas matutinas na
fazenda familial, era hora de ir para a escola. No inverno, o céu ainda estava
escuro quando saíamos de casa, com neve à altura da cintura de uma criança de
aproximadamente 10 anos. Era tudo o que encontrávamos pelo trajeto – neve e mais
neve.
- Nas laterais das ruas e estradas, a neve empurrada para abrir caminho,
podia chegar à altura dos fios de telefone. A vantagem de estar tudo congelado é que podíamos pegar um
atalho, atravessando o rio congelado, nos fundos do terreno de casa, para ir a
pé até a escola rural.
- Eu, o irmão mais velho, ia à frente, desbravando a neve e criando uma
vereda para os mais novos que me seguiam de perto. Chegando lá, a primeira
coisa a fazer era ajudar a mestra a carregar lenha para dentro da escola, caso
ela julgasse que a que restara da véspera não seria suficiente para nos aquecer.
As professoras eram consideradas
e respeitadas como autoridade pela sociedade em geral, e os alunos costumavam
ter muito carinho e admiração por elas.
Após todo o dia de
atividades no estabelecimento de ensino, à tardinha, os alunos punham as salas
em ordem, recolocando tudo no lugar, varrendo e tirando a poeira, antes de
voltar para casa, onde nos esperavam outras tarefas domésticas, conforme a
época do ano, antes e depois do delicioso e tão desejado jantar.
Era uma infância feliz, apesar
de todas as dificuldades - Era assim que
tinha que ser, não havia outro jeito. Todos passavam por isso.
Todos iam à escola, todos trabalhavam no "universo" em que viviam.
Todos iam à escola, todos trabalhavam no "universo" em que viviam.
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Uns poucos anos mais tarde,
numa pequena cidade do Hemisfério Sul...
O sol já clareava o dia, mas
ainda permanecia escondido atrás da serra, quando saíamos de casa, rumo ao
colégio, numa caminhada de uns oito longos quarteirões. Ainda fazia um
friozinho gostoso a essa hora, mas na chegada ao colégio, o agasalho já se
tornara desnecessário.
Ruas vazias de automóveis,
naqueles idos dos anos 1960, raros transeuntes cruzavam conosco. Do outro lado
da avenida, uma colega de sala e sua irmã mais velha iam no mesmo passo que
nós; todas com uniformes iguais, a cena era quase como um reflexo de espelho, não
fosse que do nosso lado éramos três: minha irmã mais velha, uma amiga e eu. Além
da vestimenta que nos uniformizava, as irmãs do lado de lá eram realmente muito
parecidas, por sinal muito bonitas; uma era miniatura da outra. Comentávamos entre nós:
- Vão lá as duas coca-colas, tamanho família e formato pequeno.
Todo dia, invariavelmente,
um daqueles raros transeuntes que cruzavam conosco era um provável entregador
de pães, ou roscas, ou doces – nunca soubemos. O cesto de vime, com a alça apoiada no seu antebraço, tinha uma toalha impecavelmente branca que escondia
o conteúdo da nossa curiosidade. Mas nem precisava, porque olhávamos mesmo, de
soslaio, era para o rosto do jovem, que nos encarava, olhos arregalados,
estarrecedores, e um largo sorriso inerte, colado na face. Ficávamos
amedrontadas. Coitado, em franca desvantagem numérica, não representava perigo
algum. Na verdade, devia estar só tentando ser simpático. Devia ser pouco mais
velho que nós, mas não estava indo para a escola... os contrastes e a nossa estúpida alegria.
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