terça-feira, maio 15, 2018

Dois anjinhos no altar


Resgatei este texto do primo José Eduardo de um fórum que frequentávamos, nos idos de 2004. Ele nos brindou com esta joia de relato, lançada como simples comentário a esta foto que eu havia publicado para cutucar a memória dele; foto que descobrira nos preciosos guardados de minha mãe, que adorava organizar coroações na nossa paróquia – na Igreja de Santa Helena, em Belo Horizonte, que se transformava em um templo festivo no mês de maio, com anjinhos coroando e louvando Nossa Senhora todos os dias, com cantos e flores.
Mas vamos ao texto do José Eduardo...
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"Dois anjinhos no altar, Zé João e eu, 5 ou 6 anos. Igreja de Santa Helena. Depois de muito batalhar nas divisões inferiores, na turma dos pirralhos que faziam a maior bagunça atirando pétalas de flores quando se entoava o coro
"Flores, flores a Maria,
cuja glorificação
nesta noite de alegria
enche o nosso coração"

nós dois fomos sendo paulatinamente admitidos aos postos superiores: ramalhetes, palmas e, um dia, COROA! Isso era privilégio da Leonídia, com aquela voz de prata e postura de cantora lírica seríssima. Mas a dominação feminina abriu uma generosa concessão para nós, a título de teste.
O grande prêmio eram os cartuchos de amêndoas confeitadas. Os coroantes tinham direito a um super-cartucho do tamanho de uma criança média! Aquilo era uma preciosidade que tínhamos de esconder muito bem escondida, protegida da cobiça dos vizinhos, dos irmãos e – devo confessar – dos pais.
Criança é um bicho esquisito: associei os confeitos de amêndoa ao maná que caía dos céus para alimentar os judeus durante a fuga do Egito. Celebrando a páscoa judaica com alguns amigos, disse a eles que conhecia o gosto do maná, eles não. Aquela delicada crosta enrugadinha ia se desmanchando aos poucos na boca, até chegar ao núcleo, a amêndoa. As que tia Esther encomendava tinham o requinte de serem desprovidas da pele. Fazê-las hoje, quem há de?
Zé João já era barítono aos cinco anos! Minha voz era bonita, mas era voz de menina, uma oitava acima da do primo. Meu irmão Mário, dez anos mais velho que eu, morria de vergonha quando eu cantava. Claro, ele já era titular do time juvenil do Atlético, não dava para suportar um caçula com voz de Maria Lúcia Godoy. Lembro-me de Marita, muito carinhosa, ensinando-me a não me importar com as brincadeiras e a soltar a voz nos ensaios.
Paixão, não. Mas ó saudade... Ao ver minha figurinha meiga nessa foto decidi escolher como endereço hoje um país que espelha minha cara atual: Antigua et Barbuda.
Pascal  (José Eduardo de Lima Pereira)
05/04/2004"
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