sábado, março 26, 2016

E viva a América!


picture from fiftiesweb.com
English version
Version en français


 Um certo estado ou sentimento de isolamento é praticamente inevitável, quando nos instalamos em um outro país, por mais acolhedor que ele seja, e mesmo que estejamos protegidos pela lei e por um sistema de apoio. Principalmente se não temos filhos, que são elos fortes entre os pais e o mundo circundante.
Apesar de ter sido bem acolhida e ter-me integrado razoavelmente bem onde vivo, nunca serei uma “pure laine”, tal como se orgulha tanto a população daqui. Nunca farei um amálgama perfeito com as pessoas do meu país de adoção, porque é impossível compartilhar nossas experiências e nossa identidade como povo; podemos nos contar nossas histórias, mas nunca será como ter o passado vivido nas mesmas circunstâncias. Por outro lado, sinto falta das minhas origens, da minha família, do lugar onde nasci e cresci. Sinto que já não é a mesma coisa, tudo mudou... talvez, eu mesma. Aqui e lá, existe um hiato, uma lacuna que não se pode preencher.
O tempo não volta atrás para que possamos vivenciar aquilo que perdemos com nossa ausência. O imigrante mora no limbo, espécie de nenhures. Não se integra completamente ao país de adoção e perde o elo com o país de origem. Em nenhures viverá o resto de seus dias.
O ponto positivo dessa experiência é que ela amplia nosso jeito de ver as coisas, deixamos de ter a visão limitada pelas fronteiras das intrigas da nossa primeira pátria. Ao nos esforçarmos para a integração no país que nos acolheu, ao nos submetermos a uma metamorfose para atingirmos um estado nativo, ao máximo que podemos, praticamos um exercício saudável para os neurônios, que nos faz despregar de certos condicionamentos. Ativamos outras conexões, sem estarmos limitados a elas. Um pouco como aprender uma outra língua, que nos permite navegar em modos diversos de pensar, usar o "switch".  
Ganha-se de um lado, mas há muita perda nesse processo também, claro. Porém, se não tentamos nos integrar, ficamos só com as perdas, sem ganhos.
Num casal em que cada um é originário de países tão diferentes, com histórias diferentes, como é o nosso caso, na solidão solidária de cada um, há pequenos oásis de recordações comuns, dentro do mesmo rincão de ocidentalidade, que nos propiciam momentos de alegrias singelas.
Hoje, meu marido chamou nossa gatinha de “Rin-tin-tin”, numa brincadeira solitária; não podia passar pela sua cabeça que eu compreenderia. Eu brinquei também, dizendo: “Aiô, Rin-tin”. E começamos a rir e a nos lembrar dos personagens do famoso seriado americano e de outros que povoaram nossas infâncias. Foi um momento mágico.
Para minha surpresa, me peguei exclamando: “E viva a América!”

Os moradores de nenhures: versão mais longa (textão)

3 comentários:

  1. Adorei, tia Du!
    Não sei o que é sentir o limbo que você descreveu, mas posso imaginar muito bem. Por isso é importante seguir sempre em frente.
    As recordações são sempre importantes, fazem parte do nosso eu, mas podem nos machucar também. Vamos em frente!!! =)

    Saudades!

    ResponderExcluir
  2. Estava lembrando de quando eu estive em Paris e acabei me aproximando da Pinar, minha amiga turca, exatamente por que tínhamos alguns oásis de recordações comuns. Nos dias de hoje, com internet e tecnologias, creio que fica mais fácil ter essa conexão. Mas vi o quanto isso pode aproximar pessoas que viveram culturas tão diferentes.

    ResponderExcluir
  3. Verdade, nos dias de hoje, as tecnologias estão facilitando em muitos aspectos.
    Obrigada, Lu, e "vamos em frente!!!" :-)

    ResponderExcluir