A minha
reflexão de hoje vem acompanhada de um texto ótimo que encontrei entre as crônicas
de autoria de Carlos Drummond de Andrade, sob o pseudônimo de Barba Azul, da
época em que ele ainda morava em Belo Horizonte. Esse texto reacendeu em mim idéias
que há muito tempo me intrigam.
Vejamos o
texto do Drummond:
Que estaria
por trás dessa tendência para matar? Tendência que não é só do homem, é do
universo inteiro – este que conhecemos.
Na teoria da evolução
por seleção natural, onde o mais adaptado ao ambiente garante a sobrevivência
de sua espécie, o instinto predatório não é investigado, ele é considerado como
coisa vigente no ambiente estudado... A teoria não explica por que existe a tendência a matar. Ela tenta explicar como a natureza age para escapar a esta tendência.
Na teoria da evolução
para aprimoramento de um todo superior, tem-se como base esse processo de
reciclagem do qual a morte faz parte. Aqui também não se explica, ou
simplesmente não se dá importância ao evento morte, tão forte é a crença nesse todo superior.
Pois “nada se
cria, nada se perde, tudo se transforma” (segundo Lavoisier).
Na teoria da evolução
que se desenrola com esforço, onde há uma luta contra um erro de percurso que teria
ocasionado a possibilidade do evento morte, não existe incompatibilidade, em nada, com aquela da
seleção natural. Acho até que se encaixa perfeitamente. Após o dito “erro”, a vida teria passado ao “modo seleção natural”, tentando encontrar meios de
se adaptar ao novo ambiente para sobreviver.
A lista de
possibilidades não acaba aí e, quanto mais longa, mais me parece constrangedora.
Tudo parece maluquice para o nosso precário entendimento, que nos faz todos
arqueólogos de nós mesmos. Seja lá o que for, a índole predatória do Universo me deixa
intrigada. Não consigo engolir o fato de que as leis da natureza se encontrem
neste círculo vicioso, em que mata-se para viver, mantendo-se este
"pool" de matéria/energia que conhecemos a se reciclar
indefinidamente. Enquanto isso, vamos nos engolindo uns aos outros.
Prefiro
acreditar na idéia de que houve um erro em algum ponto do percurso e que
haveria a possibilidade de sair desse círculo vicioso, uma vez eliminado o
evento morte. E, então, passaríamos a gozar do Todo eternamente, isto é,
daríamos um salto do “modo seleção natural” ao “modo ad æternum”. Talvez esta idéia me seja mais agradável devido à
educação católica que tive, que fala do “pecado original” como tendo introduzido
a desordem e o sofrimento no universo em que estamos.
OK,
deixemos tantas divagações de lado, voltemos ao texto do “Barba Azul”. Achei
interessante a maneira como ele coloca a questão dos vegetarianos, como eu mesma
já pensei durante muito tempo (mas não penso mais): que os vegetarianos – nem todos
(há várias correntes) – pensariam estar indo contra essa índole assassina,
recusando-se a comer alguns alimentos de origem animal.
Copio
aqui o parágrafo da crônica do Barba Azul que fala do assunto, mas recomendo a leitura de todo o
texto, para a interpretação correta do que o autor pretende comunicar (texto
completo disponível na imagem postada acima). Ele diz: “Há um desvio curioso do
instinto de matar: o vegetarismo. Para esse tipo de delinquente nato que é o vegetariano,
a morte dos frangos e o sacrifício dos peixes não apresenta interesse algum.
Ele prefere a imolação surda dos espinafres, o extermínio silencioso dos
repolhos. Trocando o sangue pela clorofila, esse bárbaro devora em cada
refeição milhares de existências pacíficas, que modorravam ao sol dos nossos
quintais. E alimentando-se, satisfaz o desejo e necessidade de matar, que se
oculta no fundo de todo homem.”
Eu
já pensei de forma semelhante, que os vegetarianos se esquecem de que estão se
alimentando de outros seres vivos, que são os vegetais, dos quais nossos
ouvidos não são capazes de ouvir os gemidos de sofrimento ao serem “colhidos”.
E mesmo que não emitam sons, arrancar-lhes folhas ou caules é um ato violento
também, mesmo que não consigamos ter empatia com eles no seu sofrimento.
Atualmente, eu
deixei de pensar assim e vejo a atitude dos vegetarianos como um esboço de
tentativa de sair fora do infame círculo vicioso, uma atitude mais que louvável,
contra esta nossa índole destruidora,
embora não consigam escapar completamente do fenômeno, ao se alimentarem de
vegetais. Mas é mesmo impossível no estado atual de coisas.
Para finalizar, se alguém mais
quiser se deleitar com esses textos do Drummond, eles estão disponíveis na
Revista do Arquivo Público Mineiro, cujos links apresento logo abaixo:
Carlos Drummond de Andrade com o pseudônimo
de Antonio Crispim:
E com o pseudônimo de Barba Azul:
Parabéns, Maria do Carmo. Boas reflexões e muito útil indicação do texto do Drumond. Luiz Otavio Pereira
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