quarta-feira, janeiro 17, 2018

Ser ou estar


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Este texto é para os que gostam de conjecturas linguísticas e também para quem gosta de divertidas extrapolações antropológicas e paleontológicas, daquelas regadas a café com leite pelando, acompanhado de pão com manteiga, lá pelas tantas, como costumávamos fazer na casa de meus pais, quando éramos jovens: irmãos, primos, amigos... Saudades.
Motivada pela leitura de comentários em um fórum linguístico que acompanho no Facebook, em que se discutia sobre os verbos ser e estar, fiz umas pesquisas na internet e penso que descobri um jeito de explicar melhor como usar os verbos 'estar' e 'ser' em português a pessoas que falam línguas que, aparentemente, não possuem o correspondente ao verbo estar, como o francês e o inglês, e que usam o 'être' e o 'to be' em situações em que usamos o 'estar'. Meu marido é bilíngue francês/inglês e se vira razoavelmente bem em outras línguas; ele compreendeu perfeitamente a conotação de transitoriedade do ‘estar’ e de essência do ‘ser’, mas na hora de empregar os verbos, ele às vezes troca um pelo outro. E não é só ele que faz essa confusão. Não tendo um verbo que condense o 'pensamento' correspondente na própria língua, fica difícil. Dá para compreender por que os anglófonos e os francófonos confundem:
Ela é triste: She is sad... Elle est triste.
Ela está triste: She is sad... Elle est triste.
Achei uma explicação bem boa sobre a "história" desses verbos num site web português e, considerando que a evolução do pensamento humano é semelhante nas diversas “culturas”, deduzi que o correspondente de 'estar' em inglês poderia ser 'stand' (não ‘stay’, como pensam alguns). No alemão 'stehen'. Vejam a explicação em link (1), que interessante! O verbo 'estar' vem de 'estar de pé' e isso tem a ver com transitoriedade.
            Tentando dar razão à minha dedução, pesquisei sobre o verbo ‘stand’ e, realmente, ele tem um uso semelhante ao de ‘estar’. Só que o uso mais comum é com o verbo 'to be'.
No dicionário Collins, está bem claro (2):
“… link verb
You can use stand instead of 'be' when you are describing the present state or condition of something or someone.
Examples:
The alliance stands ready to do what is necessary.
The peace plan as it stands violates basic human rights.”
Para o francês, infelizmente, ainda não encontrei correspondente (o que mais se encaixa é 'rester', que fica um pouco estranho, mas não fica de todo desconexo).
Um primo, daqueles chegados a tomar um café com leite fumegante – com nata! – e grande conhecedor de Latim, entre outras tantas línguas, o querido José Eduardo, enviou-me, além de várias referências confirmando a origem etimológica do verbo ‘estar’, uma página ótima para os francófonos se desemaranharem das tramas do português. Vejam só este link (3) de real utilidade (descontados os erros de francês).
            Aconselho também o verbo STAND do inglês, para ajudar os anglófonos a memorizar, pois parece visualmente com ESTAR e, se a pessoa tentar substituir por ele, numa frase correspondente em inglês e não encaixar de jeito nenhum, é porque o certo é dizer SER. O 'stand' às vezes fica meio forçado no lugar do ESTAR, mas não fica estapafúrdio, sem nexo.
Agora, vamos às extrapolações...
A origem de 'estar', então, remonta mesmo à expressão 'estar de pé', e isso explica o caráter de transitoriedade do verbo, em contraposição ao verbo 'ser'. Todas as posições são transitórias, mas o fato de a posição de pé ter evoluído para simbolizar a conotação de transitoriedade me intrigou.
Ninguém sabe ao certo, até hoje, o que surgiu primeiro: o bipedismo ou a inteligência superior, em relação aos outros animais, com o desenvolvimento da linguagem mais sofisticada, com capacidade de veicular símbolos, ideias e noções abstratas. Prevalece a ideia de que o bipedismo surgiu primeiro e permitiu o desenvolvimento da inteligência (uso das mãos, etc...).
De qualquer forma, quando a linguagem começou a se desenvolver, o bipedismo devia estar ainda em transição. Não devia ser fácil ficar muito tempo de pé. Só transitoriamente mesmo. Até hoje não somos completamente adaptados ao bipedismo, estar de pé não é nossa posição preferencial. Quem fica de pé por longos períodos de tempo, pode apresentar problemas e, se adicionadas condições climáticas menos favoráveis, a posição bípede prolongada pode se tornar mais incômoda e até mesmo prejudicial.
Então, no verbo ‘estar’ ficou embutida essa ideia de transitoriedade, relacionada à posição de pé. Olha a importância disso! Parece que a nossa linguagem está contando a nossa própria história de evolução! Isso é fascinante!
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