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Mais um médico cubano contratado pelo Programa Mais Médicos,[1] implantado pelo governo do Brasil, foge para Miami. Foi o 40º caso, segundo as notícias; essas fugas já estão se tornando rotina, ninguém mais se surpreende. Desta vez, no final de março 2015, foi uma médica que estava morando em São Paulo com marido e um filho de cinco anos. O governo de Cuba permite que a família dos médicos os visite, mas não pode permanecer no Brasil. Sob ameaças de cassação de seu diploma pelo governo cubano se o marido e o filho não retornassem a Cuba, ela decidiu fugir para não ter que se separar da família.
Além de sofrerem estas e outras tantas restrições absurdas à liberdade, a maior parte do salário que recebem, como todos sabemos, vai diretamente para o governo da Ilha. E o Brasil está, infelizmente, compactuando com mais esse modelo de escravidão, além de estar pouco se importando com a saúde do povo brasileiro, já que não se faz uma avaliação adequada desses médicos pelos órgãos competentes. Parece que o programa visa mais beneficiar o Estado Cubano, e o resto que se dane.
Li um artigo,[2] republicado recentemente em redes sociais, que reacende a discussão sobre a idoneidade do programa “Mais Médicos”, embora o alvo principal do autor seja outro. Um texto muito bem escrito por sinal, defendendo a tese da “meritocracia” como explicação para o suposto conservadorismo da classe média do país. Ele usa, como base para seu raciocínio, a atitude dos médicos brasileiros contra o programa “Mais Médicos”.
Para resumir, o autor não acredita na alegada justificativa de salvaguardar a saúde do povo, e privilegia a hipótese de que o médico brasileiro não aceita que alguém de fora desfrute das mesmas prerrogativas, pois resultam de um percurso difícil pelo qual o profissional brasileiro teve que passar. Ou seja, ele coloca o médico brasileiro como alguém que se julga cheio de méritos. Ora, os médicos estrangeiros também têm seus méritos, também passaram por estudos difíceis. Em todos os países, o curso de medicina é dos mais árduos, e os colegas brasileiros sabem disso.
O problema não é esse. Entre outras coisas, os povos têm suas características próprias, vivem em ambientes diversos, têm doenças que podem variar conforme a geografia, sem esquecer um elemento muito importante, que é a língua que falam.
A certa altura, o artigo diz:
Estudantes de medicina e médicos parecem exibir um padrão de pensamento e ação muito coesos e com desvios mínimos quando se trata da sua profissão, algo que não se vê em outros segmentos profissionais.De fato, o padrão de pensamento médico já principia a ficar diferente desde o início do curso de medicina, porque o estudante começa a ter noção da enorme responsabilidade que é cuidar do bem mais importante para manter o ser humano vivo e funcional: a saúde. Bate-se nessa mesma tecla ao longo de todo o curso. E, à medida que o estudante avança no conhecimento, vai-se conscientizando da gravidade desse compromisso e das normas que terá que seguir para o cumprimento de sua missão.
Essas normas constituem um conjunto de leis e regulamentos que mantêm coesa a classe médica, efetivamente, com o objetivo de observar os princípios da boa prática médica a fim de resguardar a saúde da população.
O pensamento médico é diferente também porque sua atuação é forjada para interferir no estado perecível da condição humana, do qual ele mesmo faz parte; ele recebe uma formação para nadar contra a corrente, isto é, em oposição a essa índole perecível, que é uma coisa muito maior que ele e seu mérito pessoal. O médico luta constantemente para desacelerar essa deterioração natural, nem sempre com sucesso, por mais méritos que tenha.
Em geral, o estudante e o médico compreendem a magnitude dessa problemática ao ponto de enxergarem méritos como algo de menor relevância. A vaidade, quando presente na personalidade de um médico, é característica individual, não adquirida com o exercício da profissão; aquele que é vaidoso, o seria igualmente em qualquer outra área que tivesse estudado ou na qual tivesse trabalhado.
Portanto, não me parece ser pela “meritocracia” explicada no artigo que os médicos são contra o programa “Mais Médicos”, da maneira como foi implantado. Não é porque tiveram que “estudar muito”, como ele diz, para conseguir entrar na universidade, num dos cursos mais difíceis; não é porque é um curso “longo e exigente”, segundo suas palavras.
Por que a insistência da preocupação com a revalidação do diploma estrangeiro? O corpo humano se deteriora de maneira diferente em cada parte do planeta, estando sujeito, entre outras coisas, às condições climáticas e ao ambiente em que vive. As doenças, os doentes, as linguagens são diversas. Por isso, é preciso uma adaptação da atitude médica, quando se muda de um lugar para outro. É exatamente por se ter consciência de que não é possível gozar de todos os méritos, que se torna evidente a necessidade de estudar mais e se submeter a reavaliações quando as circunstâncias mudam.
Esse padrão de pensamento não é exclusivamente brasileiro. Em todos os países, os médicos recebem esse tipo de formação. E existem órgãos que se provêem dos métodos necessários para fiscalizar e regulamentar a prática médica, com o intuito de garantir a qualidade do atendimento ao povo. Esses órgãos é que estão capacitados para dar a permissão de exercer a profissão, se o candidato se mostrar apto para tal: no Brasil, são os Conselhos Regionais de Medicina e o Conselho Federal de Medicina.
Para dar um exemplo mais esclarecedor: se um médico canadense quisesse praticar no Brasil em contato direto com a população, teria que saber falar muito bem o português e fazer uma atualização de seus conhecimentos, por exemplo, na área da Medicina Tropical. E teria que passar por uma avaliação para ser confirmada ou não a sua aptidão para cuidar da saúde da população brasileira, com suas peculiaridades, que são tão diferentes das canadenses. Um médico que tenha cursado medicina e sempre vivido no Canadá, não estudou a Esquistossomose ou a Doença de Chagas como são estudadas no Brasil, só para citar alguns exemplos. Além disso, ele nunca terá visto um caso na sua prática, exceto se tiver atendido algum paciente originário dos trópicos, que tenha uma dessas doenças. Isso seria muito difícil acontecer, pois para um estrangeiro vir morar no Canadá, ele passa por exames médicos completos e, se for detectada alguma doença, na maioria dos casos o indivíduo não é admitido no país.
Já que estou falando do Canadá, apesar da penúria de médicos na Província do Quebec, que vem de longa data, não se admite aqui um programa do tipo “Mais Médicos”. Muitas campanhas já foram feitas para atrair profissionais estrangeiros, preferencialmente francófonos, sem no entanto mudar os severos critérios de admissão. Os órgãos que regulamentam a profissão e resguardam a qualidade do atendimento à população continuam com o mesmo rigor.
É também compreensível a preferência dada aos francófonos, pois a população do Quebec é majoritariamente francófona, e o médico tem que conhecer a língua que o paciente fala. Não basta o conhecimento básico, ele tem que poder identificar todas as nuances do linguajar, pois do diálogo entre médico e paciente, decorre grande parte do diagnóstico, até mesmo sutilezas do vocabulário podem sugerir interpretações diferentes dos sintomas. Além disso, é imprescindível que ele se faça entender adequadamente.
Concordo plenamente com o fato de que o médico, do país ou estrangeiro, tenha que passar por avaliações rigorosas a fim de obter a permissão para exercer a profissão. É por esta razão que continuo sendo contra o programa “Mais Médicos” implantado pelo governo brasileiro.
Espero que não haja consequências graves para o povo em decorrência desse programa.
[1] http://portalsaude.saude.gov.br/index.php/cidadao/acoes-e-programas/mais-medicos
[2] http://www.materiaincognita.com.br/a-meritocracia-na-raiz-do-conservadorismo-da-nossa-classe-media/#axzz3VtZwA11i
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