segunda-feira, maio 04, 2015

Que terra é essa?

Publicado também pela KBR Editora Digital em 02-maio-2015
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E, mais uma vez, o mundo todo ficou transtornado com outra catástrofe, agora o terremoto no Nepal. Quando vi as primeiras imagens, tive uma sensação horrível, vendo aquelas pessoas sendo retiradas dos escombros, elas próprias quase transformadas em escombros, tudo da mesma cor. Embora já tenhamos visto inúmeros outros casos semelhantes, cada vez que isso acontece, ficamos abalados, claro. Que terra é essa? Que vida é essa que nos inflige tantos desastres e perturbações? São tantas provações e desassossegos!

Essas catástrofes nos deixam interrogações sem fim. Mas há quem retruque prontamente: - O mundo é assim, fazer o quê?. Queria eu poder pensar desse jeito, como pó da terra que somos, mas o danado do sopro nas narinas[1] vira por vezes vendaval. 

Como se não bastasse o clima gélido do Canadá, aqui também acontecem terremotos. A cada ano, o leste do país sofre uma média de 450 tremores[2]. Embora geralmente imperceptíveis, os abalos sísmicos são reais e bem registrados. Especialistas acreditam que há chances de que um grande terremoto ocorra no Quebec, como já aconteceu no passado, com relatos de consequências devastadoras em 1663 e outros não tão destrutivos, mas significativos, em 1925 (6,2 na escala Richter), 1935 (também 6,2) e em 1988 (5,9). 

No caso da Colúmbia Britânica, no extremo oeste do país, onde se registram abalos sísmicos quase todos os dias, a causa é o fato de estar sobre os limites de placas tectônicas e o risco de grandes terremotos ainda é maior. No Quebec, o fenômeno não é bem explicado, já que a província não se encontra numa região de falha geológica. Há um estudo[3] que tenta explicar o que acontece aqui pelo movimento de placas deslizando verticalmente, em direção ao centro da terra. Estas placas estariam longe da superfície e esse deslocamento se combinaria com a dinâmica de rebote pós-glacial da crosta terrestre: após o fim da última era glacial, a crosta terrestre está subindo lentamente, liberada do peso enorme do gelo. 

Seja lá o que for, isso mete medo. Não é difícil constatar quão frágeis nós realmente somos. 

Eu nunca tinha “sentido” um terremoto antes de me mudar para cá. Quando criança, os estrondos surdos que ouvíamos, que faziam tilintar os cristais na cristaleira de minha mãe e tremelicar as janelas, nos faziam pensar que fossem terremotos. Mas havia sempre alguma voz que vinha tranquilizar a todos, dizendo que eram as detonações de dinamite nas minas subterrâneas da cidade vizinha, Nova Lima – nós morávamos perto de um morro que nos separava de Nova Lima. 

Nada para tranquilizar, saber que havia explosões abaixo dos nossos pés. Essas perfurações foram feitas em vários sentidos, como formigueiros, havendo galerias subterrâneas que chegam a ir além da Praça Sete, no centro de Belo Horizonte. A “Mina Grande” do grupo “Morro Velho” já está desativada, mas ainda existem outras que continuam extraindo o nosso ouro e mandando para fora do país. Essas minas de Nova Lima são exploradas por companhias inglesas desde 1834, até hoje [4].

Mas voltando aos terremotos... Pouco tempo depois que me mudei para o Canadá, fui acordada por um abalo sísmico, 4,7 na escala Richter. Não estávamos no epicentro, mas mesmo assim foi o suficiente para me arrancar do meu pesado sono matinal. Atordoada com o despertar forçado, não associei o sacolejar da cama ao barulho estranho que vinha das profundezas do meu travesseiro, um som grave como se fosse um motor possante longínquo ou talvez um rosnado... Isso, um rosnado de uma enorme caixa acústica distante. Só fui pensar no barulho mais tarde, diga-se de passagem, com uma sensação horrível em retrospectiva. De imediato, a minha impressão foi de que o movimento rápido da cama para um lado e para o outro, repetidas vezes, fosse uma brincadeira de mau gosto do meu marido, para me acordar. Imaginem que cena... Levantei a cabeça, já interpelando: - O que é isso? 

Eu estava realmente perturbada com aquilo, pois ele nunca havia feito nada parecido e nem seria possível para ninguém agitar a cama naquela rapidez, como se fosse uma leve bandeja nas mãos. Ao perceber que estava sozinha no quarto e que não havia mais movimento nenhum, pensei: Será que foi um pesadelo? Não, não podia ser, eu ainda estava sob o impacto daquela sensação desagradável tão real e que não tinha nada a ver com vibrações de dinamitação.

Fui procurar meu marido e ele, tranquilo no seu computador, respondeu à minha pergunta, antes mesmo que eu a formulasse: 
- Parece que foi um pequeno terremoto, o computador balançou, tudo parece ter tremido por alguns segundos. Vamos ver o noticiário mais tarde, devem falar sobre isso. 

E não tardou muito, a notícia estava nas manchetes dos jornais online e também nos noticiários da TV. Ainda bem que naquela época eu não sabia que um abalo sísmico sempre tem réplicas, pois teria ficado preocupada; e se houve não foram sentidas.

Um sismo leve como esse me deixou tão assustada, fico pensando no pavor que devem causar esses grandes terremotos, com os agravantes dos estragos e das perdas imensuráveis que provocam. É realmente como se a terra estivesse rosnando e trincando os dentes, enquanto sacode as presas. Que terra é essa?

Agora, começaram a se intensificar as campanhas para ajuda ao Nepal. Espero que não aconteça como no Haiti. O mundo inteiro aderiu generosamente, arrecadando e doando bilhões de dólares a instituições que se prontificaram a auxiliar as vítimas. Organizações internacionais bem equipadas cuidaram dos resgates, da limpeza, forneceram alimento e água aos sinistrados. Numerosos funcionários, médicos, enfermeiros, especialistas em desastres naturais estiveram lá, muitos ainda estão bem instalados. Mas de todo esse dinheiro que foi doado, grande parte se evaporou, não se sabe como foi aplicado; outra parte alegam ter sido consumida para pagar todo esse pessoal da ajuda humanitária em suas viagens e estadias nos locais atingidos e para financiar todo o material usado. Sequer um tostão chegou às mãos dos sobreviventes que perderam tudo: além de familiares, não têm mais casa nem emprego – tudo desapareceu na poeira dos escombros. 

A ajuda humanitária não foi capaz de reestruturar o país, de coordenar ações para reorganizar a sociedade. Muitos haitianos fugiram e, ainda hoje, 5 anos após o terremoto, há milhares vivendo em tendas improvisadas, obtendo víveres que lhes fornecem as instituições internacionais que continuam perpetuando, digamos assim, essa desoladora situação. Analistas chegam a dizer que existe uma indústria da filantropia. Pode até ser bem intencionada, mas não se desenvolveu ainda um método capaz de desmontar o círculo vicioso que se formou no Haiti.

Quando não são as catástrofes da natureza que causam danos, são os próprios humanos que não dão o melhor de si mesmos – para não dizer coisa pior.

Espero que o povo e o governo do Nepal não se deixem dominar pela indústria da filantropia. Que eles procedam à recuperação do seu país com suas próprias decisões. Ajuda humanitária, sim, mas indústria da filantropia, não. 



[1] Gênesis 2:7
[2] http://www.earthquakescanada.nrcan.gc.ca/zones/eastcan-eng.php
[3] http://www.uqam.ca/entrevues/2007/e2007-170.htm
[4] http://www.anglogoldashanti.com.br/Paginas/QuemSomos/Historia.aspx

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