segunda-feira, dezembro 04, 2017

Meu violão avatar

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Quem toca violão aqui? – alguém me perguntou. Meu marido não toca, nem eu. Mas temos um em casa, com uma história bem especial. Já pensei em vendê-lo, doá-lo, mas ele não quer ir embora. É uma espécie de avatar que representa parte da história de minha vida.
Fica no seu canto, em silêncio, dentro de sua caixa original, tal como quando o comprei. Às vezes, quando estou sozinha em casa, ele sai todo desafinado, me pedindo para ajustá-lo – Sim, sei como fazer isso, aprendi quando era bem pequena. Aproveito esses momentos para cantar algumas canções antigas, que me trazem boas lembranças. Mas logo, logo, cedo às dores de minhas mãos tão leigas em música, e o avatar volta para seu guardado, protegido da poeira.
Em criança, aprendi, com meu pai, uns acordes simplicíssimos, para acompanhar uma música folclórica que só ouvi cantar durante a minha infância, até a minha adolescência, depois nunca mais. O máximo que consegui evoluir nessa arte, foi aplicando aqueles acordes em umas cantigas de roda e de ninar. E depois, observando minha irmã e tentando imitá-la, consegui desenferrujar um pouco mais os dedos, que começaram até mesmo a formar calos nas pontas – depois de muito doer. Mas o esforço foi em vão, não tinha agilidade, faltava talento. Restou-me cantar no âmbito doméstico, fazendo coro com outros, assim minhas falhas não realçavam muito.
Há males que vêm para o bem. Eu explico. É que recebo elogios do marido, que diz gostar de me ouvir, quando acontece de me flagrar em delito. Considero isso uma prova de amor, sou uma felizarda. Mas evito insistir no mal... ele pode mudar de ideia.
Voltando à história do avatar... Um mês após a morte de minha irmã, retornei a minha casa, no Canadá. Minha mãe, meus irmãos e eu – não me lembro mais de quem partiu a ideia, talvez de mim mesma – todos concordamos que o violão dela viesse comigo. Mas ele não quis se exilar, a possibilidade de viajar para tão longe de sua companheira de tantos momentos alegres e sagrados foi rejeitada. Na hora de embarcar no avião, fui impedida de entrar com o instrumento junto comigo. Teria que ir como bagagem registrada. Não quis que ele passasse por essa experiência, tive medo de que se machucasse. Preferi deixá-lo com a família.
Foi um momento triste, como se mais um pedaço de minha irmã estivesse se desligando de mim. Se faltava chorar ainda, se algum choro tinha sido contido antes, ele desabou durante a viagem. Foi catártico.
Retomei minha vidinha. Um dia, em minhas andanças, deparei-me com uma loja de música e, num ímpeto, entrei. Havia todo tipo de instrumentos musicais à venda. Embora me questionando sobre a utilidade que teria, comprei um violão – o avatar.
Isso tudo talvez não explique logicamente por que razão tenho o instrumento em casa mas, como diz o ditado: Cada louco com sua mania.

Maria Leonídia

A estrelinha
 
 
 
 
 

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