quarta-feira, fevereiro 27, 2019

Nova Lima ao final do túnel

© Maria do Carmo Vieira-Montfils

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Sou montanhesa, com certeza. Meus primeiros passos, segundos e terceiros, foram sobre o solo de uma cidade com altitudes variando entre 800 e 1100 m acima do nível do mar, de onde brotam cadeias de morros e colinas de mais uns tantos, até 500 m ou menos, somando aproximadamente 1500 m acima do nível do mar, nos pontos mais altos. É um sobe e desce sem fim de ladeiras e sempre tem uma muralha enfeitando o horizonte... tão belo!
Mas a gente sabe que é montanhês por muitos motivos, não precisa contar os metros; entre tantos, o ar que respiramos. Ele é mais leve, pede uma respiração profunda, de vez em quando, expandindo os pulmões com um arzinho fresco, querendo voar. É fisioterapia respiratória compulsória. O suspiro é de natureza... natural, quando vem alguma tristeza, a gente já sabe suspirar, é normal.
Percebi mais ainda essa diferença depois que me mudei. Há muitos anos estou vivendo quase ao nível do mar, embora longe dele, entre 50 e 100 metros de altitude, num lugar bem plano, visão desimpedida, onde o lindo e espantoso bailado das nuvens fica exposto, literalmente ao ar livre – mas isso é uma outra história. O fato é que notei que não suspiro mais como antes. A atmosfera aqui é nitidamente mais densa, dá a impressão de que posso pegar um pedaço de ar com as mãos – “de l’air à couper au couteau”. Tem oxigênio em demasia, não estava acostumada com tamanha regalia.
As montanhas desenham e delimitam o nosso mundinho. Quando era bem pequena, pensava que o mundo acabava na montanha. Li o texto de uma escritora, também mineira, que disse a mesma coisa – vi que não estava sozinha nesse pensamento, resolvi partilhar 😊. Aliás, recomendo ler o texto de Elisa Santana, em Luzias (clique aqui), lúcido, poético, dolorido pelos efeitos da mineração em Minas Gerais.
Essa lembrança de que eu imaginava o mundo acabando na montanha ao lado é bastante remota, não sei que idade eu tinha. Não imaginava o que pudesse ter atrás; quando os irmãos mais velhos subiam o morro perto de casa, eu ficava temerosa por eles, sem saber bem por quê. Talvez, como meus pais não me deixavam ir, por ser muito pequena, eu devia deduzir que havia algum perigo. Nossa casa ficava muito perto do Morro do Pau Comeu – o nome não ajuda –, e eu achava que nós estávamos perto do fim do mundo. Uma hipótese que passou pela minha cabeça, hoje, é que talvez eu tenha ouvido alguém dizer que morávamos no "fim do mundo", com sentido de lugar ruim, e tenha compreendido ao pé da letra, não sei... 😂 – realmente havia, na família, quem fosse de opinião que nossa casa era mal localizada.
Um dia, ouvi meu pai falando que, se se fizesse um túnel na montanha, sairíamos em Nova Lima. Imagino que ele fazia referência a outro local em Belo Horizonte, mas pensei que ele falava do nosso morro. Aquilo foi como um descortinar para mim – o mundo continuava do outro lado! Mas me contive, não falei nada com ninguém, com vergonha do que eu havia pensado antes, que me pareceu, então, um pueril absurdo. Hoje, lendo o texto da escritora luziense, é que fui lembrar-me desse “fim de mundo”, nosso vizinho, e dessa luz ao final do túnel – Nova Lima.
O que não podia imaginar é que aquelas montanhas, tão intrínsecas ao meu ser, fazendo parte de minha alma, como bem disse a escritora que mencionei, seriam destruídas um dia e transformadas em lama tóxica e mortal para nós. Espero que tenhamos uma luz ao final do túnel, para acabar com essas barragens de rejeito assassinas, para que nossas amadas montanhas não representem o fim do mundo para os mineiros.
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Link relacionado:
Barragens de rejeitos
 

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