Não sou francesa, mas uso béret. |
“Não sou francesa, mas uso béret.”
Quem não ouviu falar sobre o
caso do turbante como apropriação cultural? Creio que não preciso nem relatá-lo
aqui; quem não souber, basta escrever “turbante câncer” na pesquisa do Google e
aparecerão dezenas de notícias sobre o assunto. Outro dia, li um texto sobre
essa polêmica, que me tocou bastante, pois mencionou o elemento “pertença”,
que tenho vivido muito intensamente, na minha condição de imigrante. Tive total
empatia com o texto, que achei lindo e que me fez mudar um pouco meu ponto de
vista (link abaixo).
Penso que os “brancos” da
minha terra vão conseguir se identificar afetivamente com o caso do turbante,
por tabela, através do que vou relatar sobre mim mesma.
A autora do tal texto fala
sobre o turbante como um símbolo de pertencimento das negras, justificando a sensação
de usurpação gerada pelo uso do acessório por uma branca. A princípio parece
absurdo, a reação foi amplamente criticada. Mas não é completamente descabida.
Há tantos anos morando fora
do Brasil, não sabia que os negros brasileiros estavam manifestando,
ultimamente, esse sentimento de não-pertencimento. Nunca pensei que eles
pudessem ter esse ressentimento, porque nem passava pela minha cabeça que
fossem menos brasileiros do que eu e, também, porque eles não demonstravam isso
antes. Sem falar na miscigenação generalizada que ocorreu no Brasil. Mas faz sentido. Eles nunca tiveram as mesmas oportunidades que os
brancos, sequer moravam nos mesmos bairros. Sempre houve uma separação, não
podemos negar isso. Além do mais, suas raízes ficaram como que apagadas, como a
autora bem explica no seu texto.
Não sei se haveria o mesmo
ressentimento no caso dos índios que não se miscigenaram, que vivem em
comunidades próprias. Eles também não têm oportunidades iguais, mas imagino que
a sensação deve ser diferente, pois eles se consideram os donos da terra, já
que foram os primeiros a chegar; suas raízes estão ali mesmo. Mas também
devem-se sentir excluídos da sociedade dominante, claro.
Voltando ao turbante... Para
encurtar a história, vou logo contar um caso que aconteceu comigo aqui no
Canadá, na província do Québec, onde vivo. Vale lembrar, antes de tudo, que uma
primeira geração de imigrantes nunca é vista como a população local de um país
e, mesmo que seja tratada civilizadamente, sempre há alguma observação sobre
nosso sotaque, sobre notícias do nosso país de origem... enfim, sempre há
alguma coisa para nos lembrar que não somos da mesma "praia".
Estando eu num desses típicos
festivais que acontecem no verão, em áreas rurais, com música, dança, sorteios,
jogos... De repente, tomei um susto danado ao ouvir uma música “nossa” sendo
cantada em francês, com uma letra que falava sobre as belezas daqui. Minha
vontade foi de gritar para todos que aquela música era nossa, não deles. Se
fosse hoje, diria a expressão da moda, que era uma “apropriação cultural”. A
minha revolta não era por direitos autorais – os autores da versão em francês
devem ter pagado o direito de usar a música, claro. Não era isso. A minha reação foi pelo fato de que
aquela música tão nossa estivesse sendo usada por eles, patrioticamente. Em vez
de ficar contente por terem apreciado a música ao ponto de a adotarem, achei
aquilo aviltante.
Embora mantendo-me calma e
educada, não me contive completamente e falei com meu marido e alguns amigos
nossos que aquela música era brasileira. Eles não disseram nada, mas notei os
olhares, de magnânimos a estupefatos, diante das minhas explicações. Não rendi
muito mais a conversa. Em situação de não-pertencimento, apesar de toda a
validade da minha cidadania canadense, voltei ao meu silêncio de mera
imigrante, cujas raízes estavam bem distantes, desconhecidas por eles.
Voilà, não é semelhante ao
caso do turbante? Reconheço que foi uma infantilidade de minha parte. Já
cheguei a pensar que eu tinha sido arrogante. Mas no fundo, no fundo, foi uma
reação pueril, por me sentir inferiorizada, como se eu dissesse:
- Vocês não me consideram
uma igual? Então, não cantem música do meu país, como se fosse sua.
Ou então:
- Estão vendo como sou
importante? Vocês estão cantando música do meu país.
Em resumo, essa história da “apropriação
cultural” acabou servindo para minhas próprias reflexões, para enxergar minhas
fraquezas no espelho em que me vi, nesse caso do turbante.
O que quero dizer,
finalmente, é que precisamos tentar sentir empatia, compaixão. Não vamos
instigar ódios, vamos tentar parar de produzir danos entre nós. Vamos nos
perdoar.
Não vou-me estender muito
sobre isso, para que tenham tempo de ler o texto comovente da autora Ana Maria
Gonçalves, no link abaixo, embora ache que ela ainda tem muito chão de perdão a
percorrer, como nós todos temos:
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