sábado, agosto 13, 2016

Aberturas




Devo confessar que fiquei gratificada com a cerimônia de abertura dos Jogos Olímpicos do Rio de Janeiro. Para falar a verdade, tentei segurar o choro, mas não tive muito sucesso. Foi uma emoção enorme para mim, pois pude rever o talento artístico dos cariocas, representando o meu amado Brasil, associado ao talento engenhoso, também artístico, dos quebequenses, representados pela empresa de engenharia (Show Canada) que foi responsável pelos efeitos mecânicos e cenográficos do show, com a colaboração do Cirque du Soleil [http://ici.radio-canada.ca/audio-video/media-7575425/rio-2016-ceremonie-douverture]. Foi, realmente, um prazer em dobro para uma brasileira que adotou a província do Québec, no Canadá, para viver!
Não que tudo o que foi apresentado tenha sido nenhuma novidade. O Rio de Janeiro sempre soube mostrar com muita arte e brilho os talentos do seu povo, a superação dos nossos problemas e as glórias do Brasil. Mas rever tudo isso numa festa mundial, para a qual bilhões de olhos estavam voltados, foi motivo de muito orgulho.
Como bem mostrou o espetáculo, nós, brasileiros, somos assim, essa mistura maravilhosa, essa abundância de genes, espelhando a opulência da natureza tropical. Estou certa de que todo esse contexto humano e de recursos naturais não deixará o Brasil perecer, apesar dos contrastes e desigualdades em que vive, dos quais ainda não conseguiu se livrar; apesar do capitalismo e do socialismo aleijados que têm tentado destruí-lo, e dos quais somos, ao mesmo tempo, agentes e vítimas. A amostragem da nossa história me deixou otimista, apesar dos pesares.
Ponto alto da cerimônia e elogiado repetidas vezes por comentaristas da TV canadense, com os quais concordo inteiramente, foi a mensagem ambiental, culminando com a criação da Floresta dos Atletas que teve seus primeiros atos já ali mesmo, na festa, com as plantinhas e sementinhas a caminho do seu destino. Os jornalistas estavam até se desculpando por repetirem tantas vezes que essa ideia era original, excelente.
Achei tudo lindo, tudo! Também fiquei encantada com aquele menininho sambando tão graciosamente. Mas, depois, ao ler reportagens sobre o evento, fiquei com o coração apertado pelo que foi falado sobre o pequeno passista. Disseram que o seu sonho é desfilar pela Mangueira e ter vida de artista.
Não que eu tenha alguma coisa contra isso. Sempre gostei de assistir aos desfiles de escolas de samba do Rio, são um espetáculo grandioso. Mas eu preferiria que o seu sonho fosse estudar e se formar em alguma coisa. Talvez ele tenha esse sonho também, não sei. Mas o fato é que constatei, através do depoimento da criança, que pouca coisa ou nada mudou. Desde que me entendo por gente – e isso não é pouco tempo – lembro-me de declarações desse tipo, de pessoas de origem pobre, no Rio, que sonhavam ser artistas em escolas de samba. Convenhamos que, hoje em dia, há uma vantagem nisso, ou seja, o fato de não sonhar em ser traficante de droga já é lucro.
Há muitos e muitos anos atrás, ouvi de uma jovem brasileira de origem pobre, empregada doméstica, que estudar na universidade nunca tinha passado pela sua cabeça. Sua patroa lhe havia proposto trabalhar só meio horário, para que ela pudesse prosseguir seus estudos e se preparar para o vestibular e ela ficara boquiaberta com a possibilidade que lhe tinha sido apresentada, que nunca tinha povoado seus pensamentos – como algo que não fosse para ela.
Apesar de ser antiga e mulher, venho de uma família onde a prioridade sempre foi o estudo. Era tanto tácito quanto explícito pelos nossos pais que estudar era, por assim dizer, sinônimo de sobreviver. Não existia outra possibilidade. Todos os esforços – e foram muitos – eram nesse sentido. Nem se questionava o contrário. Então, quando ouvi aquilo daquela jovem, fiquei eu tão surpresa quanto ela, ao tomar conhecimento da existência dessa mentalidade. Porque tentar e não conseguir, por ter que trabalhar cedo na vida, é uma coisa. Mas simplesmente não passar pela cabeça...
Ingenuidade a minha, eu sei. Isso é o resultado da opressão, que bloqueia até mesmo os sonhos das pessoas.
           Essa necessidade de ter a educação como prioridade ainda não está entranhada na mentalidade dos brasileiros. Fala-se nisso, mas estou vendo que é muito da boca para fora. Isso precisa mudar. Fazer festa, dançar e cantar é muito bom, mas temos que ter Educação, com maiúscula. Precisamos de aberturas de mentalidade.

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