Devo confessar que fiquei gratificada com a cerimônia de abertura dos
Jogos Olímpicos do Rio de Janeiro. Para falar a verdade, tentei segurar o
choro, mas não tive muito sucesso. Foi uma emoção enorme para mim, pois pude
rever o talento artístico dos cariocas, representando o meu amado Brasil,
associado ao talento engenhoso, também artístico, dos quebequenses,
representados pela empresa de engenharia (Show Canada) que foi responsável pelos efeitos
mecânicos e cenográficos do show, com a colaboração do Cirque du Soleil [http://ici.radio-canada.ca/audio-video/media-7575425/rio-2016-ceremonie-douverture]. Foi, realmente, um prazer em dobro para uma brasileira que adotou a província
do Québec, no Canadá, para viver!
Não que tudo o que foi apresentado tenha sido nenhuma novidade. O Rio de
Janeiro sempre soube mostrar com muita arte e brilho os talentos do seu povo, a
superação dos nossos problemas e as glórias do Brasil. Mas rever tudo isso numa
festa mundial, para a qual bilhões de olhos estavam voltados, foi motivo de
muito orgulho.
Como bem mostrou o espetáculo, nós, brasileiros, somos assim, essa
mistura maravilhosa, essa abundância de genes, espelhando a opulência da
natureza tropical. Estou certa de que todo esse contexto humano e de recursos naturais não deixará o Brasil perecer,
apesar dos contrastes e desigualdades em que vive, dos quais ainda não
conseguiu se livrar; apesar do capitalismo e do socialismo aleijados que têm
tentado destruí-lo, e dos quais somos, ao mesmo tempo, agentes e vítimas. A
amostragem da nossa história me deixou otimista, apesar dos pesares.
Ponto alto da cerimônia e elogiado repetidas vezes por comentaristas da
TV canadense, com os quais concordo inteiramente, foi a mensagem ambiental,
culminando com a criação da Floresta dos Atletas que teve seus primeiros atos
já ali mesmo, na festa, com as plantinhas e sementinhas a caminho do seu destino.
Os jornalistas estavam até se desculpando por repetirem tantas vezes que essa
ideia era original, excelente.
Achei tudo lindo, tudo! Também fiquei encantada com aquele menininho
sambando tão graciosamente. Mas, depois, ao ler reportagens sobre o evento,
fiquei com o coração apertado pelo que foi falado sobre o pequeno passista.
Disseram que o seu sonho é desfilar pela Mangueira e ter vida de artista.
Não que eu tenha alguma coisa contra isso. Sempre gostei de assistir aos
desfiles de escolas de samba do Rio, são um espetáculo grandioso. Mas eu
preferiria que o seu sonho fosse estudar e se formar em alguma coisa. Talvez ele tenha esse sonho também,
não sei. Mas o fato é que constatei, através do depoimento da criança, que
pouca coisa ou nada mudou. Desde que me entendo por gente – e isso não é pouco
tempo – lembro-me de declarações desse tipo, de pessoas de origem pobre, no
Rio, que sonhavam ser artistas em escolas de samba. Convenhamos que, hoje em
dia, há uma vantagem nisso, ou seja, o fato de não sonhar em ser traficante de
droga já é lucro.
Há muitos e muitos anos atrás, ouvi de uma jovem brasileira de origem
pobre, empregada doméstica, que estudar na universidade nunca tinha passado
pela sua cabeça. Sua patroa lhe havia proposto trabalhar só meio horário, para
que ela pudesse prosseguir seus estudos e se preparar para o vestibular e ela
ficara boquiaberta com a possibilidade que lhe tinha sido apresentada, que
nunca tinha povoado seus pensamentos – como algo que não fosse para ela.
Apesar de ser antiga e mulher, venho de uma família onde a prioridade
sempre foi o estudo. Era tanto tácito quanto explícito pelos nossos pais que
estudar era, por assim dizer, sinônimo de sobreviver. Não existia outra
possibilidade. Todos os esforços – e foram muitos – eram nesse sentido. Nem se
questionava o contrário. Então, quando ouvi aquilo daquela jovem, fiquei eu tão
surpresa quanto ela, ao tomar conhecimento da existência dessa mentalidade. Porque tentar e não conseguir, por ter que trabalhar cedo na vida, é uma
coisa. Mas simplesmente não passar pela cabeça...
Ingenuidade a minha, eu sei. Isso é o resultado da opressão, que bloqueia até mesmo os sonhos das
pessoas.
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