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“Would you know my name / If I saw you in heaven? / Would it be the same / If I saw you in heaven?” Eric Clapton
1947, uma antiga foto com
vista aérea de Belo Horizonte. Manhã de inverno, os caminhões chegando para
abastecer o Mercado Central, e muitas carroças estacionadas, aguardando os clientes.
Poucos carros circulando, a cidade tranquila. Alguns transeuntes atravessam a
Avenida Amazonas apressados, a passos largos. A bela rosácea da cidade, a Praça
Raul Soares, impera na paisagem sem arranha-céus, a serra ao fundo.
Subitamente, entrei num
túnel do tempo, quando vi essa foto que meu irmão, Francisco, me enviou por
e-mail, mostrando um pedacinho da primeira casa onde nossos pais moraram, onde
começaram a vida de casados. Nós não tínhamos nascido ainda, mas é como se
estivéssemos presentes. Lá estava ela, nossa mãe, lá embaixo, aquele pontinho
branco no terraço, olhando para nós, no alto de algum prédio, ou navegando numa aeronave que
sobrevoava misteriosamente a cidade. Ela não sabia, nem o próprio
fotógrafo podia imaginar que nós estávamos lá, vendo-a através daquele ponto de
vista, através do tempo. Um Hudson 1942, estacionado
perto da porta de entrada, mostrou que nosso pai também estava lá.
Quem procura, acha. Foi
assim com meu irmão. Tanto procurou uma fotografia que mostrasse aquela casa, naqueles
velhos tempos, que encontrou. E esse achado foi ainda mais fascinante,
pois aconteceu dois dias após termos conversado sobre o que e como poderia ser
a vida após a morte. Eu, que tenho minhas crenças, a meu jeito, já um
tanto buriladas, me perguntava se os indivíduos manteriam algum remanescente do
que foram neste nosso estágio. Nossos entes queridos que já se foram, por exemplo, teriam ainda algum
resquício de suas afinidades conosco nesta dimensão?
Restaria neles alguma
memória arcaica dos afetos que tiveram por nós, compatível com a energia ou
seja lá qual for o material de que é feito o "corpo e alma"? Teriam consciência das conexões
genéticas que nos ligaram? Ou estariam tão
metamorfoseados na infinita grandiosidade do amor e do entendimento para além
de nossas fronteiras, que nós, ainda neste vale de lágrimas, seríamos como
poeira quase invisível para eles?
São interrogações que fazemos, todos, creio que mesmo os mais céticos. Temos uma intuição que nos
impele a acreditar na continuidade de cada um, qualquer que seja o modelo de
civilização em que vivemos, qualquer que seja a influência que tenhamos
recebido, apesar de todas as ideologias ou teorias contrárias que tentamos nos
impor. Faz parte do nosso primitivismo intelectual? Não sei. Como sentimento,
faz parte, com certeza, da fase de luto pela qual passamos.
Aquela fotografia pareceu,
para mim, uma resposta vinda do além, um olhar materno através do tempo - o tempo, esse
misterioso elemento que nos limita tanto. Uma imagem remota veio tocar nossas
emoções, pois uma comunicação com nossa ínfima inteligência seria impossível.
Um contato de um passado distante, assim como nós somos, passageiros sempre
antigos de uma nave que voa para um futuro desconhecido.
Fui tomada por uma sensação
indescritivelmente boa. Tive a impressão de que esse amor infinito que
entrelaça todos, que nos redime de nossos passos sem rumo, tão desacertados, deve
poder reconhecer identidades e afinidades. Se há grandiosidade e compreensão de
tudo, há de haver magnanimidade para o reconhecimento e partilha de nossas
ligações afetivas, mesmo que livre de amarras.
Seja como for, sinto-me imensamente grata à
formação cristã que tive, recebida de meus saudosos pais. Tudo no mundo de hoje
tem-me levado a reforçar essa ideia. Essa educação que me inculcou a esperança e
o saber que tenho de lutar contra meus erros, minhas misérias, minhas penas, na
fé de que estaremos fora do nosso próprio retrato, com Ele, nEle e por Ele.
“E la nave
va...”
Eterna dúvida a prisão do espaço-tempo.
ResponderExcluirSó sabemos do passado,mas não o temos em mão...
E vamo que vamo...
ExcluirEste comentário foi removido pelo autor.
ResponderExcluirTexto magnífico! Não só porque é muito bem escrito, mas também porque nos faz refletir sobre nossas dúvidas antigas e sobre as dúvidas novas que o texto nos impinge. Se o texto reforça nossas dúvidas e nos presenteia com outras novas, também fortalece as nossas certezas, a exemplo de que "Se há grandiosidade e compreensão de tudo, há de haver magnanimidade para o reconhecimento e partilha de nossas ligações afetivas, mesmo que livre de amarras."
ResponderExcluir- Luiz Otávio de Lima Pereira, de Belo Horizonte, Brasil.
Este comentário foi removido pelo autor.
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